WINCHESTER 73 / ESTIGMA DA CRUELDADE / GALANTE E SANGUNÁRIO / MATO EM NOME DA LEI (CRÍTICAS)
REBOBINANDO CLÁSSICOS DE HOJE INDICA 4 WESTERNS PARA VOCÊ FICAR DE QUATRO...
DE 4 FILMES WESTERN
WINCHESTER 73
Gênero: Ação
Direção: Anthony Mann
Elenco: Dan Duryea, James Stewart, Shelley Winters
Duração: 92 min.
Ano: 1950
País: Estados Unidos
O escritor Stuart N. Lake conheceu Wyatt Earp por volta de 1925. Earp faleceria em 1929. Lake diz que ouviu muitas histórias contadas pelo ex-Sheriff de Tombstone e se encarregou de ampliar ainda mais a lenda que envolvia o nome do famoso homem da lei. Além disso, Lake escreveu boas histórias que foram aproveitadas pelo cinema. Uma das melhores é “Winchester 73” (Winchester ’73), na qual o autor cria verdadeiro mosaico de situações num genial apanhado do Velho Oeste. E Lake não se esqueceu de seu amigo Wyatt Earp, que na história promove em Dodge City uma competição entre atiradores, justamente no dia da comemoração do Centenário da Independência, 4 de julho de 1876. O vencedor da competição tem como prêmio o cobiçado mais perfeito rifle até então fabricado, apelidado de “Um Entre Mil”. Fritz Lang deveria dirigir “Winchester 73”, mas desistiu e, num desses felizes encontros que o destino costuma promover, o pouco conhecido diretor Anthony Mann e o consagrado astro James Stewart se reuniram nesse western da Universal International, ambos ajudando a mudar o jeito de Hollywood fazer faroestes.

A história de Stuart N. Lake é de certa forma simples, mas foi brilhantemente roteirizada pela dupla Borden Chase e Robert L. Richards. Esse roteiro consistente ao integrar as mudanças de dono da Winchester 73, possibilitou que a direção de Anthony Mann desenvolvesse a história em forma de capítulos todos eles emocionantes. Isto desde a sequência da chegada de Lin McAdam a Dodge City e a saborosa competição pelo rifle que abre o filme, torneio organizado por Wyatt Earp (Will Geer). Excelente também o encontro de Dutch e seus comparsas Wesley (Steve Brodie) e Wheeler (James Millican), com o traficante de armas Joe Lamont. Poucas vezes o clássico jogo de pôquer foi tão determinante num filme como o travado entre Joe Lamont e Dutch Henry Brown, valendo 300 dólares ou a Winchester 73. Mas o rifle não para nas mãos de ninguém e é com ele que o jovem chefe Young Bull comandando uma centena de índios tenta repetir Little Big Horn contra um pequeno grupo de soldados da Cavalaria sob as ordens do Sargento Wilkes (Jay C. Flippen). Nova sequência de ação acontece com o psicótico bandido Waco Johnny Dean e seus homens encurralados pelo sheriff Noonan (Ray Teal). Waco consegue fugir com o rifle e no saloon de Tascosa, em frente ao banco local, encontra o raivoso Lin McAdam em novo momento de ação. O duelo de rifles entre Lin e Dutch é extremamente realista com balas ricocheteando por entre as rochas. Um único vacilo de Dutch põe fim à perseguição e concretiza a vingança.

Provavelmente de todos os ‘Wyatt Earps’ que o cinema mostrou, o de Will Geer é o menos carismático, além de pesado e idoso demais (Geer estava com 48 anos). No ano do torneio Earp tinha 28 anos enquanto Will Geer parece ter o dobro disso e é inevitável a saudade da elegância de Henry Fonda. Na história Wyatt Earp se impõe como o mais temido homem do Oeste e na realidade Earp, em 1976, era apenas assistente do irmão James Earp, este sim o Marshall de Dodge City. Pobre Shelley Winters, totalmente perdida, mudando mais de braços que o disputado rifle mudava de mãos, num personagem sem brilho e totalmente desnecessário. Outro personagem fraco por força do roteiro é o de Charles Drake, que, no entanto, em uma cena incomum de covardia foge deixando a noiva Lola à mercê dos índios. Millard Mitchell seria o companheiro de jornadas de James Stewart sem conseguir ser interessante quando filosofa ou mesmo quando quer ser cômico, ao dizer que se senta no hífen de seu apelido ‘High-Spade’. Muito melhor momento de descontração, momento quase sublime, é Jay C. Flippen recebendo agrados de Lola (Shelley Winters). Stephen McNally se esforça para parecer capaz da atrocidade de matar o pai, isto no mesmo filme em que está o perverso Dan Duryea. Inacreditável que ninguém tenha tido a idéia de transformar Duryea no irmão de Stewart e tornar “Winchester 73” perfeito? Uma pena pois até fisicamente Duryea e Stewart são mais parecidos.
Mas o enorme elenco tem compensações de sobra com as esplêndidas atuações de John McIntire, Jay C. Flippen, John Alexander (o dono do bar-hotel no meio da estrada) e a pequena participação de Ray Teal. E há os novatos Rock Hudson tentando não provocar risos como índio, ele que ainda viria a interpretar também Taza, outro índio em "Herança Maldita"; Tony Curtis e James Best com poucos momentos na tela, assim como os bandidos Abner Biberman, Stevie Brodie e os excelentes James Millican e John Doucette. De quebra o filme mostra também o fortíssimo Chuck Roberson sendo batido pelo esquálido mas raivoso James Stewart na porta do saloon em Tascosa. A festa de rostos conhecidos que a Universal convocou para pequenas participações em “Winchester 73” parece não ter fim e com prazer o espectador vê, entre outros, Steve Darrell, Guy Wilkerson, Chief Yowlachie e Tex Cooper.
Nada, porém, foi mais importante em “Winchester 73” que ter revelado para o faroeste um de seus mais importantes cowboys, James Stewart. Descontado seu ‘Destry’ de 1939, Stewart teve pelas mãos de Anthony Mann o início do processo que o consagraria como um dos maiores atores norte-americanos de todos os tempos. Foi aqui antecipado o tipo neurótico e vingativo com que Stewart enriqueceria o cinema com uma fantástica galeria de personagens nos próximos dez anos, culminando com suas criações máximas em “o Preço de um Homem” e “Um Corpo que Cai”. “Winchester 73” é a perfeita transição entre o western de rotina, acelerado e vazio e o grande faroeste que a década de 50 se acostumou a assistir. Muitos comparam Anthony Mann a John Ford como grande diretor de westerns. Anthony Mann, além de desenvolver a ação de seus filmes em cenários abertos e majestosos, coloca em seus personagens dimensões trágicas e intensidade psicológica. Se os westerns de Mann são magníficos, alguns soberbos mesmo, se ressentem no entanto, numa comparação com os de John Ford, do lirismo e da poesia com que o Mestre das Pradarias inspiradamente emoldurava seus filmes. Ford teve John Wayne, Anthony Mann teve James Stewart e nós tivemos grandes faroestes como não deixa de ser “Winchester 73”.
MATO EM NOME DA LEI
Título Original: Lawman
País de Origem: EUA
Gênero: Faroeste
Tempo de Duração: 99 minutos
Ano de Lançamento: 1971
Direção: Michael Winner
Aos quase 60 anos, em 1971/1972, Burt Lancaster surpreendeu o mundo do cinema atuando em três westerns intitulados “Mato em Nome da Lei” (Lawman), “O Retorno de Valdez” (Valdez is Coming) e “A Vingança de Ulzana” (Ulzana’s Raid). Eram tempos em que a presença das forças norte-americanas no Vietnã era fortemente condenada mas encontrava também alguns poucos que tentavam justificá-la. “Mato em Nome da Lei” é uma alegoria àquela guerra ainda que o western de Michael Winner se abstenha de qualquer tipo de julgamento. Justamente por fazer referência indireta à presença de Tio Sam no Vietnã, esse western foi praticamente ignorado quando de seu lançamento, somado ainda à dose elevada de violência e ao uso de características técnicas próprias dos westerns-spaghetti. Hoje, visto à distância daquele momento político e após os tantos filmes em que justiceiros tentam sozinhos implantar a lei e a ordem, “Mato em Nome da Lei” deixa uma impressão bastante melhor que quando de seu lançamento, tempos que alguém já chamou de “os intoxicantes anos 70”.

Jared Maddox é um homem solitário, triste e taciturno que não admite que um crime fique impune e se necessário executa ele próprio a justiça, sua forma de impor a lei e a ordem. Maddox não é propriamente um justiceiro ou um regulador pois está investido da autoridade nos limites de sua cidade. Fora de sua jurisdição usa o distintivo e a fama de homem frio e sem escrúpulos para se impor. Maddox tem seu próprio código de ética e age movido pela filosofia própria em que uma morte sempre se justifica quando ela ocorre no cumprimento da lei. Diferentemente dos fazendeiros poderosos de outros westerns, Bronson é dotado de equilíbrio e senso de responsabilidade. É um barão de gado que dá liberdade a cada um de seus homens para que decidam quanto ao enfrentamento com Maddox. O mesmo Bronson tem uma ambígua relação com Harvey Stenbaugh, seu braço direito e tenta uma saída menos drástica para o impasse da rendição de seus homens mesmo sabendo que Maddox é impiedoso e inflexível. A chegada de Maddox a Sabbath levou pânico não só aos homens que procurava mas a todos que lá viviam. Ocorre um movimento dos cidadãos que tenciona enfrentar Maddox fazendo uso da desigualdade numérica, mas o Marshall de Bannock os desarma com poucas palavras, com seu olhar e os convence com seu ideal de justiça. A rigor não há homens maus em Sabbath.
Maddox é um personagem incomum nos westerns, mais próximo dos tipos que o cinema criou nos anos 70 como ‘Dirty’ Harry Callahan (Clint Eastwood) e Paul Kersey, o justiceiro interpretado por Charles Bronson em filmes dirigidos pelo mesmo Michael Winner. As mulheres são acidentes na vida desses personagens, assim como para Jared Maddox, representadas em “Mato em Nome da Lei” por Laura Shelby (Sheree North), companheira de uma noite de amor. Laura alimenta a ilusão de acompanhar Maddox mas termina vendo-o assassinar seu marido em fuga no meio da rua principal de Sabbath, com um tiro pelas costas. Essa morte, mais que qualquer outra define Jared Maddox, aquele que não possui nenhum sentimento de piedade e confirma o que lhe disse a própria Laura que ele, Maddox, era um ‘widowmaker’ (fazedor de viúvas). A próxima seria exatamente ela.
“Mato em Nome da Lei” tem um elenco excepcional pois somente atores do porte de Lee J. Cobb e Robert Ryan seriam capazes de transformar protótipos como os personagens do barão de gado (Cobb) ou do xerife submisso (Ryan) em seres complexos. O mesmo pode ser dito das ótimas interpretações de Robert Duvall e Albert Salmi. O filme tem a presença da bonita Sheree North que tão poucas oportunidade teve no cinema, uma delas em “O Último Pistoleiro” (The Shootist), de Don Siegel, além de um magnífico elenco de apoio. A lamentar o desperdício de Joseph Wiseman num papel de menor importância e que não foi melhor desenvolvido. Burt Lancaster domina o filme todo criando mais um personagem brutal na sua incontável galeria de tipos fortes vividos no cinema. Lancaster dá a Jared Maddox o olhar triste de um homem sem emoção e sem alegria.
Homem que vive para matar. Fortemente influenciado pela estética dos westerns Made-in-Italy, especialmente com o uso por vezes desnecessário de zooms, “Mato em Nome da Lei” tem direção de fotografia de Robert Paynter. Esse cinegrafista se imortalizou por ter sido o responsável pela direção de fotografia no mais famoso clip da história da música que foi “Thriller”, com Michael Jackson. A música é do sempre competente Jerry Fielding, parceiro de Sam Peckinpah em inúmeros filmes, entre eles “Meu Ódio Será Sua Herança”. A magnífica trilogia de faroestes estrelados por Burt Lancaster é completada por “Mato em Nome da Lei”, talvez o menor dos três westerns, mas nunca um western menor.
GALANTE E SANGUINÁRIO
Direção: Delmer Daves
Elenco: Felicia Farr, Glenn Ford, Henry Jones, Leora Dana, Richard Jaeckel, Robert Emhardt, Van Heflin
Duração: 92 min.
Ano: 1957
País: Estados Unidos
Delmer Daves formou juntamente com Anthony Mann, Budd Boeticher e John Sturges o quarteto de diretores responsáveis por a década de 50 ter sido a Década de Ouro do faroeste. Delmer Daves dirigiu seu primeiro western em 1950, que foi o importante “Flechas de Fogo” (Broken Arrow). A seguir dirigiu “Fugindo do Passado” (Returno of the Texan), “Rajadas de Ódio” (Drum Beat), “Ao Despertar da Paixão” (Jubal), “A Última Carroça” (The Last Wagon), “Como Nasce um Bravo” (Cowboy), “O Homem das Terras Bravas” (The Badlanders), “A Árvore dos Enforcados” (The Hanging Tree). Foi porém em 1957 que Delmer Daves realizaria “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma) aquele que é considerado não só seu melhor western, mas possivelmente o melhor dos 30 filmes que dirigiu em sua carreira. Em 2007 foi filmada uma nova versão de “3:10 to Yuma”, o que deu margem ao relançamento do original de Delmer Daves em cinemas de algumas cidades dos Estados Unidos e em DVD. O fato chamou à atenção e possibilitou que “Galante e Sanguinário”, de há muito considerado um western clássico, fosse reavaliado comparativamente com a recente versão.

“Galante e Sanguinário” tem um dos mais emocionantes duelos dos faroestes. Duelo sem armas mas com palavras e manipulação psicológica. Poucas vezes no cinema se viu alguém ser levado aos limites de sua honra e dignidade humana como Dan Evans. O prisioneiro Ben Wade esgota seu arsenal de propostas torpes de suborno. Diante da recusa de Evans, tenta então demolir a resistência do humilde rancheiro mencionando a medíocre vida de sua esposa Alice Evans (Leora Dana) e como ela é merecedora de atenções. Dan Evans, o homem pobre porém íntegro vence o estranho duelo conseguindo converter o malfeitor Wade, senão para o bem, ao menos para que este possibilite sua recompensa maior que é ser reconhecido como homem de verdade pela esposa Alice e pelos filhos.
O roteiro nitidamente se assemelha a “Matar ou Morrer” quando mostra o homem leal, de fibra e coragem ficar sozinho diante do temido bandido que, numa inversão, não chega num trem mas nele deve partir. A chegada a Contention expõe a covardia dos homens da lei da cidade que, desesperados com a aproximação dos bandidos desaparecem balbuciando suas fraquezas de caráter, remetem diretamente à obra-prima de Fred Zinnemann. E como em “Matar ou Morrer” um relógio cria a mesma atmosfera de agonia e desespero de um homem só. Dan Evans tinha menor motivação que Will Kane para cumprir sua missão, mas tal qual o personagem de Gary Cooper, Evans tem que lutar contra a própria consciência. Coincidentemente o mesmo Van Heflin que foi atormentado em “Os Brutos Também Amam” pelo fascínio que Shane despertava em seu filho e mulher, vê como Dan Evans seus filhos admirarem o insinuante bandido Ben Wade. Mais galante que sanguinário Wade conquista o amor da triste e desesperançosa Emmy (Felicia Farr) e faz Alice, a esposa de Dan Evans, sonhar com o que nunca teve.
Delmer Daves fez de “Galante e Sanguinário” um filme intenso e emocionante. Angustiantemente claustrofóbico nas sequências internas e brilhantemente filmadas nas locações em Sedona e Tucson (Arizona). Charles Lawton Jr. foi o responsável pela cinematografia com o uso insistente de gruas com tomadas ascendentes e posicionamentos inusitados da câmara proporcionando beleza plástica ao filme rodado em preto e branco. O tema musical “3:10 to Yuma” de autoria Ned Washington (letra) e George Duning (música) é excepcionalmente bem arranjado tornando-se vibrante quando necessário ou pungente como quando executado por um singelo violão como na cena entre Wade (Ford) e Emmy (Felicia Farr). Clint Eastwood faria o mesmo em “Os Imperdoáveis” com os acordes do músico brasileiro Laurindo de Almeida. Chamo a atenção do leitor pois há duas versões da canção “3:10 to Yuma”: a que se ouve na abertura de “Galante e Sanguinário” cantada por Frankie Laine (There’s a lonely train called the 3:10 to Yuma...) e uma mais romântica (I want to ride again on the 3:10 to Yuma / That’s where I saw my Love, the girl with the golden hair...). Irrepreensível em sua concepção técnica, se há um pecado em “Galante e Sanguinário” é o final inesperado com a incongruente colaboração de Ben Wade e sua aceitação em ser conduzido a Yuma sem que tenha sido bem desenvolvida essa conversão do bandido. Certo que Ben sabe que cedo obterá a liberdade, mas o final compromete o western de Delmer Daves.
Van Heflin vs. Glenn Ford, proporcionam um grande duelo de interpretações! O feioso Heflin, que alguém já disse ter uma cabeça que lembra uma batata, comprovou em cada filme o excelente ator que era e está perfeito em “Galante e Sanguinário”. Perfeito e comovente. Glenn Ford, por ter um estilo de interpretação discreto, normalmente era tido como um ator mediano, o que é desmentido por sua brilhante interpretação como Ben Wade. Cínico, frio, quase diabólico na crueldade cortante de suas insinuações. O elenco feminino traz a suave Felicia Farr em seu terceiro western com Delmer Daves (“Ao Despertar da Paixão” e “A Última Carroça” foram os outros), num papel pequeno mas de encantadora simplicidade. A senhora Dan Evans é Leora Dana, atriz pouco conhecida por ter se dedicado mais à TV em sua carreira. Longe de ser uma mulher linda, Leora rouba todas as cenas em que participa com a força de sua expressão e enigmático charme de mulher simples. Completam o elenco principal o engraçado Henry Jones, o explosivo Richard Jaeckel, Robert Emhardt (Mr. Butterfield), Sheridan Comerate (Bob Moons) e Ford Rainey (Marshal de Bisbee). “Galante e Sanguinário” é um magnífico exemplo de como um faroeste pode magnetizar a atenção do espectador com um roteiro em que há mais palavras que ação, assim como nos melhores dramas, com os quais muito se assemelha, sendo um western com nuances de filme noir.
ESTIGMA DA CRUELDADE
Direção: Henry King
Roteiro: Philip Yordan (roteiro), Frank ORourke (romance)
Gênero: Faroeste
Origem: Estados Unidos
Duração: 98 minutos
Henry King não era um diretor de westerns. Em sua extensa carreira King dirigiu perto de 100 longa metragens e somente três deles foram westerns, porém todos eles importantes. O primeiro foi “Jesse James” (com Tyrone Power e Henry Fonda); em 1950 King dirigiu “O Matador” (The Gunfighter), com Gregory Peck. Em 1958 foi a vez de “Estigma da Crueldade” (The Bravados), talvez o menos comentado, mas sem dúvida o mais ousado faroeste de Henry King. Realizado em plena vigência do Código Hays (código de produção cinematográfica que restringia a liberdade criativa), “Estigma da Crueldade” toca abertamente no tema do estupro e mais profundamente em vingança.

E esse homem é justamente o personagem principal, vivido por Gregory Peck, ator que em raros filmes deixou de ser a mais perfeita imagem da integridade e honradez. O roteiro de “Estigma da Crueldade” é de Philip Yordan, a partir de história escrita por Frank O’Rourke (mesmo autor de “A Mule for the Marquesa”, história em que se baseou “Os Profissionais”, com Lee Marvin e Burt Lancaster). Em “Estigma da Crueldade” um estranho chamado Jim Douglass (Gregory Peck) chega à pequena cidade de Rio Arriba para assistir ao enforcamento de quatro foras-da-lei. Com o auxílio de um falso carrasco (Joe De Rita) os bandidos conseguem escapar mas são perseguidos incansavelmente por Douglas.
Na fuga sequestram a filha de um comerciante de Rio Arriba e no caminho matam e roubam John Buttler, um velho dono de um pequeno sítio. Douglass alcança os bandidos e os extermina um a um. Primeiro o mestiço Alfonso Parral (Lee Van Cleef). O segundo é Ed Taylor (Albert Salmi). A seguir Douglass mata Bill Zachary (Stephen Boyd). Antes de executar Parral e Zachary, Douglass mostra a eles um relógio ornamentado com a foto de sua mulher. Nenhum deles a reconhece mas mesmo assim são mortos. Parral e Taylor de forma impiedosa. Quando se prepara para matar o índio Lujan (Henry Silva), Douglass descobre que sua esposa não havia sido morta pelos quatro bandidos, mas sim pelo velho Buttler. Este sitiante havia dito a Douglass terem sido os quatro bandidos os autores do estupro e morte da esposa de Jim Douglass. Consciente do engano Douglass retorna a Rio Arriba e tenta justificar seu erro na igreja com a ajuda do padre local.
“Estigma da Crueldade” é um daqueles westerns que até hoje não obtiveram o merecido respeito e destaque, mas é um filme quase perfeito, ainda que tratando de uma temática das mais difíceis que é a justiça escrita por linhas tortas. Jim Douglass (Peck) é um homem de bem mas torna-se um matador movido pelo ódio que dele se apossou ao descobrir que sua esposa fora violentada e morta. Logo de início o espectador desconfia que Douglass foi induzido a erro e isso se dá com a magnífica direção de atores por parte de Henry King, seja nas reações de cada um dos quatro bandidos ou na expressão do próprio Peck. E o filme vai ganhando em emoção na medida em que as mortes vão acontecendo e apenas o resoluto Peck desconhece a verdade dos fatos.
Os brilhantes e concisos diálogos revelam cada um dos personagens e, como nenhum western, conseguiu desvendou as almas de bandidos, no caso Parral e Lujan (Lee, e Silva). Bill Zachary (Boyd) é o bandido asqueroso na sua excitação que termina no estupro da jovem seqüestrada (Kathleen Gallant). Boyd é o bandido que deixa a certeza que seria sim capaz de ter praticado a atrocidade que lhe é imputada por Douglass. E essa sua faceta nefasta permite que ele cinicamente diga referindo-se ao relógio que lhe é mostrado por Douglass que “a mulher da foto é bem bonita...” Gregory Peck, para muitos um ator limitado, tem um magnífico momento como intérprete na cena em que descobre através de Lujan (Henry Silva) que havia matado pessoas não responsáveis pela morte de sua mulher.
Este western de Henry King possui alguns defeitos que por pouco não comprometem toda a produção. O primeiro deles é o uso excessivo de filtros escuros na cinematografia de Leon Shamroy para criar a impressão de cenas noturnas. “Estigma da Crueldade” foi uma das grandes produções da Fox para 1958 e economizar nesse aspecto de trabalho noturno é injustificável. Shamroy foi um dos mais premiados diretores de fotografia de Hollywood, com 16 indicações para o Oscar, prêmio que ganhou por quatro vezes (“Cleópatra”, “Amar foi Minha Ruína”, “Wilson” e “O Cisne Negro”).
Por outro lado Leon Shamroy explora magnificamente em “Estigma da Crueldade” as montanhas de St. José Perua, a floresta de Michoacán e um povoado de Jalisco, ambos no México onde o filme foi rodado em Technicolor e Cinemascope. Ainda no aspecto técnico, merece destaque o retumbante tema principal intitulado “The Hunter” e utilizado a cada sequência em que Gregory Peck caça os bandidos. O tom sombrio em outras cenas recebe igualmente brilhante tratamento musical. Vale esclarecer que as composições são de Alfred Newman e de Hugo Friedhofer e não de Lionel Newman como indicado nos créditos do filme.
O segundo problema de “Estigma da Crueldade” é o excessivo caráter religioso contido no filme, que culmina com a prolongada aparição de um coral composto por duas dúzias ou mais de crianças, todas impecavelmente vestidas, um luxo que Rio Arriba não poderia comportar. O terceiro e pior defeito deste western de Henry King é a presença injustificável da personagem Josefa Velarde interpretada por Joan Collins, atriz totalmente deslocada como mexicana. Somente a necessidade de um interlúdio romântico para efeito de bilheteria explica a presença da bonita Joan Collins. Certamente essas são falhas graves, insuficientes no entanto para quebrar a densidade dramática de “Estigma da Crueldade”.
Dos quatro bandidos destacam-se o enigmático índio interpretado por Henry Silva e o mestiço vivido por Lee Van Cleef, este numa forte cena clamando por piedade. Gene Evans é o sitiante assassino e Herbert Rudley o xerife Sanchez, ambos bastante bem. Uma curiosidade é a presença de Joe De Rita, que em 1958 passaria a ser o novo ‘Curly Joe’ dos Três Patetas. Gregory Peck repete de certa forma o pistoleiro resignado de “O Matador”, em que foi dirigido pelo mesmo Henry King, porém muito mais amargo em seu incontido desejo de vingança. Como contratados da 20th Century-Fox, Gregory Peck e Henry King trabalharam juntos em outros quatro filmes: “Almas em Chamas”, “David e Betsabá”, “As Neves do Kilimanjaro’ e “O Ídolo de Cristal”, este o penúltimo filme da longa carreira de Henry King. “