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O QUE É EXPRESSIONISMO ALEMÃO?


Historicamente o cinema sempre acompanhou as mudanças ideológicas, artísticas, políticas, filosóficas, econômicas e sociais que circundam o planeta, sendo uma caixa de ressonância ou discurso daquilo que se apresenta na realidade. O inverso também se faz verdadeiro, pois a sétima arte também acaba propagando ou sendo precursora de grandes movimentos ou tendências.

Desde a sua criação pelos irmãos Lumière, em 1895, o cinema desenvolveu-se, principalmente, aliado a movimentos artísticos e ideológicos mundiais, criando formas distintas e marcos referenciais dentro do próprio “fazer” em arte. Uma dessas correntes artísticas marcantes para o cinema é o chamado expressionismo. Afinal de contas, o que foi o expressionismo?


O expressionismo foi um movimento de vanguarda alemão que surgiu no início século XX, no período pré, durante e pós-Primeira Guerra Mundial. É importante frisar que este movimento nasce em uma Alemanha apática, esmaecida, abatida e que precisa expressar seu medo, sua dor e outros sentimentos – e qual o melhor meio para trazer esses sentimentos à tona do que pela Arte? O expressionismo, de modo sucinto, busca dar forma ao ciúme, amor, dor, paixão, medo, malícia, solidão e a miséria humana. A corrente expressionista capturou a música, a pintura, o cinema, a literatura, arquitetura, teatro, dança e a fotografia e vem em resposta aos movimentos do Realismo e Impressionismo, que buscavam retratar a realidade de modo objetivo – excluindo toda e qualquer forma de manifestação das emoções. Em contrapartida a essa visão herdeira do empirismo, a palavra-chave do expressionismo é simplesmente: expresse-se.

A pintura expressionista alemã desenvolveu-se a partir de duas escolas; Die Brücke (“A Ponte”) e Der Blaue Reiter (“O Cavaleiro Azul”) que, de modo geral, baseavam-se nas contraposições de cores, no sentimento, no dinamismo e tudo isso objetivando expor o mundo interior do artista, transmitindo seus sentimentos mais mórbidos e profundos. Dentre as principais características da pintura expressionista destacam-se: a exploração profunda do domínio psicológico; o uso de cores vibrantes, resplandecentes, fundidas ou separadas; a pasta grossa, áspera; o dinamismo improvisado, abrupto; a preferência pelo poético, trágico e sombrio; e uma técnica de pintura violenta, onde o pincel ou espátula faz movimentos de “vai e vem”, empastando ou provocando explosões¹. Os artistas mais populares são Eugène Henri Paul Gauguin, Vincent Willem Van Gogh, Paul Klee, Paul Cézanne, Otto Mueller, Franz Marc, Emil Nolde e Edvard Munch.


Na literatura, destacam-se temas como a loucura, a doença, a sexualidade, a morte, o delírio, a perda da identidade e outros temas existenciais também abordados pela pintura expressionista. A narrativa se configura por uma forte tendência descritiva, bem como o foco em apresentar a visão do mundo particular do autor. Destaco aqui, por uma intenção absolutamente pessoal, o austro-húngaro Franz Kafka, autor dos livros “A Metamorfose” (1915), “O Processo” (1935) e “Meditações” (1913), dentre outros. 

Na leitura de Kafka percebe-se claramente sua obsessão por detalhar, seu afã descritivo, uma necessidade de estar sempre a narrar o mundo, seja o exterior ou o seu próprio. Kakfa analisa, aponta as reações das personagens, descreve minuciosamente as situações, não deixando passar por alto nenhum detalhe. Além disso, enfatiza a solidão, a angústia, os conflitos existenciais e a alienação do ser humano em uma crítica direta a sociedade industrializada e seu caminho desenfreado para um egoísmo doentio. Em certos momentos, demonstrando seu estilo descontinuo e quase caótico, Kafka deixa inúmeras lacunas textuais – talvez para que o leitor complete-as em sua gestalt particular.


O cinema expressionista é a forma mais popular do movimento e é quem apresenta, sem dúvidas, algumas das maiores obras da sétima arte. O chamado expressionismo alemão, de meados de 1920, tinha como marcas características a utilização de uma coreografia (mise-en-scène) exagerada – os olhos arregalados, a interpretação caricata e bastante teatral; os cenários distorcidos, de modo a criar sensações de inquietude; o recorrente uso de temas folclóricos, literários, sombrios e fantasiosos, que garantiram o desenvolvimento do terror; e maquiagem, muita maquiagem. Havia um forte apelo para temas sobre a ambiguidade humana – o fascínio pelo mal e uma busca pelo bom; e é interessante notar que é do expressionismo alemão que nascem marcos do gênero terror como O Gabinete do Dr. Caligari (1912) e Nosferatu (1922). A verdadeira pérola desse estilo cinematográfico é lograr suscitar as reações psíquicas no espectador, sejam elas de medo, terror ou até mesmo a empatia. Lembrando que o movimento expressionista, em geral, se faz por esse estreito contato com o campo psicológico através da expressão das emoções, um princípio puramente catártico. O espectador entra em profunda relação com a obra.


É com o trabalho do diretor Robert Weiner que é possível ver o expressionismo em ação, “O Gabinete do Dr. Caligari”. Basicamente, a história conta que em um pequeno vilarejo um misterioso hipnotizador, Dr. Caligari (Werner Krauss), chega com um sonâmbulo, Cesare (Conrad Veidit) que estaria adormecido por 23 anos e pretende expor essa maravilhosa e assombrosa atração em uma feira. Logo após a chegada da dupla, misteriosos assassinatos começam a acontecer, concretizando as previsões sinistras incitadas pelo bizarro mestre de Cesare, o Dr. Caligari.

O longa possui cenários que são, em sua maior parte, completamente destorcidos e tortuosos, como se fossem verdadeiras pinturas expressionistas. Repleto de simbologias macabras, Caligari tinha como temática a obsessão humana, o desligamento da realidade e a morte; tendo como pano de fundo a loucura que acomete a todos nós. Caligari deixa a ideia de que por mais que se tente não há como fugir do terror.

Além disso, explora, quase inconscientemente, as relações de poder, a dinâmica entre pai-filho, mulheres frágeis, mães ausentes, a subserviência, além do fascínio pela ciência e suas tentativas apaixonadas de por tudo em experimentação – não é de se estranhar ver muitos cientistas modernos acabam naufragando em suas pequenas obsessões a lá “tenho que me converter em Caligari”.


A narrativa abusa do imaginário e das possibilidades – daí a maleabilidade do gênero, sendo que um dos pontos em que ela se baseia é na ideia de trazer um conto da literatura para a vida real em algo parecido com “o médico e o monstro”. Ainda que a montagem não seja um dos grandes fortes do expressionismo alemão, ao contrário do Construtivismo russo, é possível ver uma pontinha daquilo que posteriormente veio a ser chamado de “efeito kuleshov*” – a contraposição de planos, utilizando a mesma reação do doutor Caligari em vários momentos. 

A maquiagem também é um dos pontos fortes do longa, aliada ao figurino escuro – sempre trazendo à tona os sentimentos mórbidos, coisa de deixar “A Família Addams” no “chinelo”. Embora em nossos tempos pareça clichê, o filme realmente é uma obra prima.

Na atualidade o expressionismo deixou inúmeros legados, seja na forma técnica do cinema, seja na profundidade de sentimentos a serem explorados pela narrativa. A estética do cinema noir, em sua grande parte, advém do expressionismo. O cineasta Tim Burton, por exemplo, é um desses “herdeiros modernos” do expressionismo, pois grande parte dos seus filmes guarda o foco nos sentimentos, no que é mórbido, no dramático, no detalhamento da experiência e das emoções como pontos principais; e a iluminação que às vezes é colorida, outras vezes monocromática.



Essa estética expressionista por ocasiões prevalece nos filmes de Burton, vide Edward Mãos-de-Tesoura (1991); Os Fantasmas se Divertem (1988); A Noiva Cadáver (2005); Sweeney Todd – O barbeiro demoníaco da Rua Fleet (2007) e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999).

Na música, o chamado “estilo gótico” ou subgênero gótico também guarda uma grande influência desse movimento: bandas como Bauhaus utilizavam de imagens de filmes expressionistas e o forte apelo a expressão sentimental é uma herança do movimento (ver The Cure, por exemplo).

Entender o expressionismo é mais do que entender a própria história da arte, seja a pintura ou o cinema, mas entender a história humana e onde podemos nos situar em relação a mesma. É ver o cinema com uma perspectiva mais apurada em sua ligação com o passado, seu desenvolvimento no presente e suas possíveis caminhadas para o futuro. É perceber que tudo é um movimento contínuo, nada se “cria” absolutamente do nada e que muito do que foi criado permanece vivo em gotas homeopáticas em cada obra. O cinema é isso: o lugar do fascínio, da ilusão, da criação e da diversidade, onde cada espectador tem as ferramentas necessárias para aproveitar isso. O Cinema é vida.


INFOGRÁFICO

Ideal cinematográfico

  • Expôr o apocalipse moral de um mundo em crise, a Alemanha, contestando os valores da sociedade alemã, focando as emoções e expressões subjetivas.

Filmes destacados

  • Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, 1912, Alemanha, 78 min.). Direção: Robert Weiner
  • Golem(Der Golem, 1920, Alemanha, 98 min.) Direção: Paul Wegener
  • Nosferatu(Nosferatu, 1922, Alemanha, 94 min.) Direção: F.W. Murnau
  • A Última Gargalhada (Der Letzte Mann, 1924, Alemanha, 91 min.) Direção: F. W. Murnau
  • Fausto(Eine Deutsche Volkssage, 1926, Alemanha, 116 min.) Direção: F.W.Murnau
  • Dr. Mabuse: O jogador(Dr. Mabuse: der Spieler, 1922, Alemanha, 120 min.) Direção: Fritz Lang
  • Dr. Mabuse: O Inferno Do Crime(Dr.Mabuse: Ein Bild der Zeit, 1922, Alemanha, 109 min.) Direção: Fritz Lang
  • Metrópolis (Metropolis, 1926, Alemanha, 119 min.) Direção: Fritz Lang
  • M – O Vampiro de Dusseldorf (M, 1931, Alemanha, 117 min.) Direção: Fritz Lang
  • Os Mil Olhos do Dr. Mabuse (Die 1000 Augen des Dr. Mabuse, 1960, Alemanha Ocidental/França/Itália, 103 min.) Direção: Fritz Lang
  • Gabinete das Figuras de Cera (Das Wachsfigurenkabinett, 1924, Alemanha, 65 min.) Direção: Paul Leni, Leo Birinsky
  • Homem que ri (The Man Who Laughs, 1928, EUA, 110 min.) Direção: Paul Leni
  • Estudante De Praga (Der Student Von Prag, 1926, Alemanha, 91 min.) Direção: Henrik Galeen

Principais características 

  • Contraste entre claros e escuros, enquadramentos enviesados;
  • Maquiagem carregada; exagero;
  • A cenografia é mais importante do que a montagem.
  • Cenários irreais, com linhas fora de esquadro.;
  • Montagem acelerada, câmeras lentas, duplas exposições simples ou múltiplas;
  • Caligarismo - cenários estilizados e deformados;
  • Realismo Expressionista - ambientes naturais.
  • Caos e descontinuidade predominam, inexistindo transparência narrativa;
  • Ausência da noção espaço-tempo ;
  • As histórias têm monstros, vampiros, personagens caricatas e esquisitas;
  • Caligarismo - maior importância à estética do filme ;
  • Realismo expressionista - questões psicológicas e sociais são abordadas mais a fundo.


Principais diretores
  • Friedrich Murnau
  • Fritz Lang
  • Robert Wiene
  • Paul Leni
Herança deixada para o cinema atual

  • Influenciou diretamente o cinema noir norte-americano, e também os filmes de terror e suspense;
  • As narrativas sombrias e climas mórbidos foram assimilados por Hollywood;


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