OURO E MALDIÇÃO (1924) - REVISITANDO CLÁSSICOS
FICHA TÉCNICA:
Título original: Greed
Direção: Erich von Stroheim
Elenco: Gibson Gowland, Zasu Pitts, Jean Hersholt
Duração: 239 min
SINOPSE:
O filme mostra a transformação do caráter de três pessoas. Após anos trabalhando em uma mina, McTeague se muda para a Califórnia, onde passa a trabalhar ilegalmente como dentista. Lá seu primo Marcus lhe apresenta, Trina por quem é apaixonado, mas McTeague então se casa com ela. Trina ganha um grande prêmio na loteria e, aos poucos, vai sendo dominada pela avareza, o que desperta o caráter violento de McTeague, e a inveja de Marcus. Com um final surpreendente.
OBSERVAÇÕES DE UM CINÉFILO
Ouro e Maldição é considerado por muitos como a maior obra-prima do diretor austríaco Erich von Stroheim e um dos maiores filmes do Cinema. Concebido inicialmente como um projeto monumental e hiper-realista de mais de 9 horas de duração, o filme foi exibido em sua forma original apenas uma única vez, no dia 12 de Janeiro de 1924, para um pequeno grupo de pessoas. Após isto, os originais do longa foram sucessiva e severamente mutilados, sob ordens da MGM e contra a vontade do diretor, e o material descartado foi posteriormente incinerado. Da versão original, de 42 bobinas e vários milhares de metros de celuloide, restou uma versão de apenas duas bobinas e pouco mais de duas horas de duração, que foi posteriormente levada aos cinemas. Desolado com o que foi feito com o seu trabalho, Erich Stroheim jamais assistiu esta versão.
Em 1999 foi feita uma restauração do filme, resultado direto do trabalho do pesquisador e restaurador Rick Schmidlin, num trabalho de mais de nove meses e que teve como base as anotações de Stroheim e stills resgatadas do filme. A partir da inserção destas stills e de intertítulos para as cenas, foi possível a reconstrução de algumas tramas paralelas e a apresentação de uma nova versão, com quatro horas de duração e mais condizente com as intenções originais do diretor.
A fim de dar uma maior idéia do ocorrido com Greed, quando por ocasião de sua primeira exibição e o que aconteceu depois, transcrevo a seguir um breve texto informativo exibido no início do filme: "No dia 12 de Janeiro de 1924 um pequeno grupo de expectadores compareceu à exibição de nove horas e meia do épico "Ouro e Maldição", de Erich von Stroheim, atendendo a um pedido do diretor. Quando o filme estreou em Nova York, no dia 4 de Dezembro de 1924, ele teve a sua duração reduzida a pouco mais de duas horas, por ordem dos chefes do estúdio. O que foi perdido do filme é considerado como a maior tragédia da história do Cinema. O material perdido tem sido chamado de 'O Santo Graal' do Cinema. O que nós tentamos fazer foi uma reconstrução da narrativa perdida que Erich von Stroheim originalmente pretendeu contar".
Por mais de uma vez o próprio Stroheim afirmou que a mutilação/destruição de seu trabalho foi o maior desgosto que ele teve em sua carreira. No seu livro de memórias, ele mesmo afirmou que ainda que "eu pudesse falar para vocês por três semanas sem parar, ainda assim eu só poderia descrever uma pequena parte da dor que eu sofri pela mutilação deste meu trabalho tão sincero".
Ouro e Maldição é a adaptação do romance "McTeague", de Frank Norris, escritor norte-americano ligado ao estilo de Émile Zola. Uma das características mais fortes do romance, transpostas fielmente para o filme, é a recorrência de alguns traços do Naturalismo, como a inalienável força da hereditariedade, o poder teriomórfico dos instintos (principalmente no que se refere aos impulsos do sexo e da violência), as precárias condições de vida das classes mais baixas – reveladas no modo da denúncia de um ultra-realismo. Fiel ao ultra-realismo preconizado no livro, Stroheim exigiu que as filmagens fossem feitas nas próprias locações mencionadas no romance e, na busca por uma adaptação o mais fiel possível, descartou o uso de um roteiro adaptado e procurou filmar todo o livro, página a página, ponto a ponto.
Ouro e Maldição consta na lista de melhores filmes de diversos diretores, críticos e amantes do Cinema, como Andre Bazin, Claude Beylie, Claude-Jean Philippe (Cahiers du Cinéma), Orson Welles, Luchino Visconti, Rogerio Sganzerla, Walter Lima Junior, Aki Kaurismäki, dentre outros mais.
Além de ter participado, no papel de vilões, de alguns filmes de D.W. Griffith, Erich von Stroheim foi também assistente do diretor em O Nascimento de uma Nação e Intolerância, fato que provavelmente o influenciou no emprego de alguns recursos narrativos em Ouro e Maldição, como a montagem apurada em algumas sequências e a sobreposição de imagens.
Ao longo do filme, Stroheim lança mão de alguns recursos narrativos interessantes, como a utilização de um casal de canários amarelos como uma metáfora do clima da casa em algumas tomadas. Uma demonstração disto pode ser visto, por exemplo, quando McTeague e Trina estão a sós na noite de núpcias e os pássaros dão a impressão de se beijar; já quando McTeague e Trina estão discutindo, os pássaros parecem brigar. Já em um outro momento o diretor usa a imagem de uma gato como um índice de perigo, como na sequência em que ele apresenta e fixa a imagem do gato de olho na gaiola com o casal de canários pertencente a McTeague como metáfora visual para o invejoso Marcus, "de olho" na felicidade do casal McTeague e Trina.
Para termos uma ideia da obsessão de Stroheim pelo máximo de realismo, contrariando a vontade dos produtores da MGM, que queriam que o final do filme fosse rodado em estúdio, ele decidiu fazer a sua maneira: levou toda a equipe para o deserto, no Death Valley (fronteira entre o Estado da Califórnia e Nevada), numa região inóspita e sob um calor de mais de 40° (na época isto é um forno), onde os equipamentos tinham que ser resfriados a todo instante com toalhas geladas. Como consequência do rigor e perfeccionismo exigidos pelo diretor, e também devido ao forte calor e à desidratação (a água de toda a equipe teve que ser racionada), o ator Jean Hersholt chegou a passar mal, tendo que ser hospitalizado durante as filmagens.
Dentre os muitos relatos que chamam atenção com respeito ao filme, um que perdurou até os nossos dias diz respeito às filmagens das cenas finais. Consta que, numa das sequências de luta entre os dois atores principais, Stroheim já bastante irritado com os atores e estes com o diretor, mandou voltar e refilmar reiteradas vezes a mesma cena, sob alegação de não tê-la achado suficientemente boa. De acordo com o relato, consta que o diretor ficava sentado numa cadeira, assistindo tudo, e incitando os atores, dizendo: "Lutem um contra o outro como se estivessem lutando comigo mesmo!".