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IVAN O TERRÍVEL, NA HISTÓRIA E NO CINEMA DE SERGEI EISENSTEIN


IVAN - REALMENTE TERRÍVEL

Ivan, o Terrível, não ganhou esse nome à toa. O primeiro czar da Rússia reduziu vilarejos a pó e matou até o próprio filho. Historiadores acreditam que ele não era apenas mau: era maluco.

Ivan Vassilievich acreditava que todos conspiravam contra ele. O czar, soberano da Rússia com o nome de Ivan IV, já havia matado membros do governo, amigos, amigos dos amigos e até alguns parentes. Havia eliminado famílias e vilas inteiras, mesmo que as vítimas nada tivessem a ver com o motivo de sua fúria. Ivan só não havia ainda tocado em seus familiares mais próximos. Isso mudou em uma noite do outono de 1581. Muito religioso, o czar repreendeu a nora por usar roupas que ele achou inadequadas. O castigo foi o espancamento. Ela estava grávida. Os golpes dados pelo monarca acabaram provocando o aborto de seu futuro neto.

Indignado, Ivan Ivanovich, herdeiro do trono, resolveu enfrentar o pai em defesa da esposa. A fúria do czar então se voltou contra o filho: com sua bengala de ferro, Ivan o golpeou na cabeça. Onze dias depois, o ferimento levaria Ivan Ivanovich à morte. Por causa de uma discussão, o monarca tinha exterminado seus herdeiros diretos. Não foi à toa que ele passou à história como Ivan, o Terrível. Apesar de ter centralizado o poder e conquistado importantes territórios, o primeiro czar da Rússia acabou eternizado por sua violência. Mas, recentemente, pesquisadores têm visto no monarca mais do que simples maldade. Ele teria sofrido graves desequilíbrios mentais.

Ivan nasceu em 25 de agosto de 1530, nos arredores de Moscou. A cidade, que não parava de crescer, era a capital do Grande Reino de Moscóvia, governado pelo pai de Ivan, Vassili III. O território era cercado por povos tártaros, que viviam em Estados conhecidos como “khanatos” (comandados por líderes chamados “khans”). Não eram raras as guerras dos moscovitas contra os vizinhos. Quando Vassili III caiu doente e morreu, em 1533, o pequeno Ivan foi proclamado grande príncipe, o líder do Reino de Moscóvia. Como ele era muito jovem, Elena Glinskaya, sua mãe, assumiu o trono. Em 1538, ela também morreu, provavelmente envenenada. Na ausência de Elena, explodiram as disputas internas pelo poder no reino. Os protagonistas da briga eram os boiardos, nobres proprietários de terras que faziam parte do governo e que, de vez em quando, entravam em guerra uns contra os outros.

Órfão aos 8 anos, Ivan passou a ser criado sob a supervisão dos boiardos. O fato de ser príncipe não lhe garantiu uma infância privilegiada: o garoto foi tratado de forma brutal e chegou a passar fome. Não é de se estranhar que, com um exemplo péssimo desses, Ivan tenha aprendido a lidar com os outros da mesma maneira. Começou jogando gatos e cachorros pelas janelas do palácio em que morava, dentro dos muros do Kremlin (a fortaleza que até hoje abriga o governo russo). Passou então a maltratar servos e, mais tarde, a matá-los por pura diversão. Era um ensaio para os grandes massacres que iria promover.

A péssima criação de Ivan, entretanto, não basta para explicar seu comportamento na época adulta. “Quando jovem, ele provavelmente viu algumas cenas cruéis da luta entre várias facções da corte. Esses conflitos eram típicos em qualquer corte do século 16”, afirma o russo Sergei Bogatyrev, professor de História Russa Antiga do University College de Londres, Inglaterra. Ora, se a crueldade era comum em outros reinos, por que somente Ivan foi tão sanguinário? O americano Richard Hellie, professor de História Russa da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, afirma que o czar era mesmo doente da cabeça. “Muito do comportamento de Ivan pode ser justificado por teorias modernas que explicam tipos comuns de paranoia, como mania de perseguição e megalomania.”

Aos 16 anos, em janeiro de 1547, Ivan se tornou o primeiro a ser coroado czar, o “grande príncipe de toda a Rússia”. Monarcas anteriores já haviam recebido o título (derivado dos “césares” de Roma), mas nenhum deles havia sido abençoado e reconhecido pela poderosa Igreja Ortodoxa. Acredita-se que os distúrbios mentais de Ivan tenham começado justamente após sua coroação: a cerimônia fez com que ele acreditasse ser mesmo um líder enviado dos céus. Mas, antes de mergulhar a Rússia em um inferno, Ivan até que melhorou a vida de seus súditos. Nos primeiros anos de reinado, ele centralizou o poder em Moscou e derrubou o velho esquema medieval, em que cada nobre era soberano no seu pedaço de terra. O ódio que Ivan tinha dos boiardos fez com que ele se livrasse de boa parte deles, dando altos cargos públicos a pessoas comuns. Representantes populares ganharam espaço no Zemsky Sobor, a “assembléia da nação” instituída pelo czar, que reunia também membros da nobreza e do clero.

Enquanto colocava ordem na casa, Ivan ia botando as manguinhas de fora e expandindo seus domínios. Conquistou grandes territórios dos inimigos tártaros a leste e ao sul, chegando até o mar Cáspio e mais tarde atingindo a gélida Sibéria. A expansão das fronteiras trouxe tranqüilidade ao povo da Rússia, já que os tártaros, durante suas invasões, costumavam capturar russos e vendê-los como escravos. Para comemorar a derrota dos tártaros, que eram muçulmanos, Ivan mandou construir um enorme templo ortodoxo em Moscou. Após o fim dos seis anos de obras, iniciadas em 1555, o czar ficou extremamente impressionado com o resultado (a bela e colorida catedral de São Basílico é até hoje um dos maiores símbolos da Rússia). Diz a lenda que, em vez de premiar os responsáveis pela construção, Ivan teria mandado cegá-los, para garantir que eles não construíssem nada mais belo que aquela igreja.


O lado assassino de Ivan teria sido despertado, segundo historiadores, por causa da morte da esposa, a czarina Anastácia, em 1560. A fatalidade pôs fim a 13 anos de casamento. “A morte dela foi quase imediatamente seguida de um ato irracional. Ivan culpou seus conselheiros pelo fato e ordenou a realização de um julgamento religioso para declará-los bruxos”, relata o professor Richard Hellie. Até Aleksey Adashev, seu auxiliar mais próximo, não escapou da ira do czar: foi preso e cometeu suicídio na prisão. Depois de Anastácia, Ivan tentou, em vão, se firmar com outra mulher. Casou-se mais sete vezes – algumas dessas uniões terminaram em poucas semanas. Em vez de se preocupar com a felicidade conjugal, o czar voltou sua atenção à perseguição de supostos traidores da pátria. Essa paranoia fez com que, em 1565, Ivan formasse a Oprichnina (termo que, em russo antigo, significa algo como “Estado separado”). Com a medida, um terço de todo o território do Reino da Moscóvia ficou apenas sob seu governo, sem a interferência dos boiardos ou da assembléia de representantes que ele mesmo criara.

Ivan se apropriou das melhores terras e nelas implantou um regime de terror, colocado em prática por sua guarda pessoal. “Um dos mais cruéis atos durante a Oprichnina foi uma expedição punitiva contra a cidade de Novgorod, em 1570, em que foram mortas entre 3 mil e 15 mil pessoas”, diz o professor Sergei Bogatyrev. Todas essas mortes ocorreram porque as tropas de Ivan, que tinham autonomia para matar qualquer um, estavam perseguindo apenas dois administradores locais acusados de traição. Ao mesmo tempo em que perseguia sem dó o povo russo, Ivan mandava, secretamente, que religiosos rezassem pelas vítimas dos massacres – afinal, ele era um homem de fé. Séculos mais tarde, uma lista da época foi encontrada, com nada menos que 4095 nomes de defuntos que mereceram orações encomendadas pelo czar. Segundo o professor Richard Hellie, a lista indica que os assassinatos durante a vigência da Oprichnina, que durou até 1572, podem não ter ultrapassado esse número.


Enquanto dentro da Rússia o desequilíbrio mental de Ivan causava morte e destruição, no exterior suas tropas levavam surras homéricas. Desde 1558, elas estavam metidas em uma guerra para conquistar a Livônia (que hoje corresponde a grande parte da Letônia e da Estônia). Lá, poloneses e suecos mostraram ser inimigos bem piores que os tártaros. O czar não era um general brilhante nem ia muito ao campo de batalha. A guerra durou 25 anos e, ao final, nenhum pedaço de terra foi ganho. Do lado russo, as baixas mais importantes não foram feitas pelos inimigos, mas por Ivan. “Alguns bons diplomatas e comandantes militares se tornaram vítimas da Oprichnina”, diz o professor Sergei Bogatyrev.

Em 1581, quando a derrota na Livônia estava próxima, ocorreu o incidente que selou o destino do czar: a morte do filho – e do neto, ainda na barriga da mãe. “O assassinato acidental de Ivan Ivanovich foi a maior tragédia da vida de Ivan, o Terrível”, afirma Bogatyrev. Meses após o ocorrido, o monarca teve um colapso físico: sua barba embranqueceu e ele perdeu os cabelos e o vigor. Enquanto a vida do monarca ia mal, a dos russos ia pior ainda. Vilas inteiras haviam sido eliminadas durante seu regime. Muitos trabalhadores abandonaram os campos e a produção agrícola entrou em declínio. Os nobres e o clero, antes muito influentes, se recolhiam, temendo os ataques de loucura do czar. O medo e a pobreza dominavam o reino do homem que, naquela época, já era chamado de Ivan Grozny (a tradução da alcunha em russo para o português é “o horrendo”, mas a versão vinda do inglês terrible acabou ficando mais popular).

A hora de Ivan chegou em 18 de março de 1584. Morreu enquanto jogava xadrez, provavelmente vítima de um ataque cardíaco. Surgiram suspeitas de que o czar, como a mãe, tivesse sido envenenado. Depois de exumar seu cadáver, em 1968, pesquisadores descobriram que os restos mortais tinham traços de cianureto, o que continuou dando força a essa tese. Mas é bom lembrar que a substância, altamente tóxica, era utilizada na época para o tratamento da sífilis, doença que Ivan havia contraído. Um dos acusados de ter envenenado o czar foi Boris Godunov, seu auxiliar. Ele era tio de Fiódor, que assumiu o trono por ser filho do último casamento de Ivan. Na prática, era Godunov quem governava, pois o novo czar não se interessava pelo cargo. Assim como o pai, Fiódor era meio esquisito. Mas, em vez de matar pessoas, sua paixão era tocar sinos. Foi o que ele mais fez até morrer, em 1598. Como não havia outros herdeiros, Godunov acabou virando czar.



IVAN DE SERGEI

Sinopse:

Parte 1

Em 1547, Ivan IV (1530-1584), arquiduque de Moscou, se auto-proclama o Czar de Rússia e se prepara para retomar territórios russos perdidos. Superando uma série de dificuldades e intrigas, Ivan consegue manipular as pessoas destramente e consolidar seu poder.

Parte 2

Proibido por Stalin na URSS até 1958, o filme retrata o czar Ivan tentando criar um exército particular para o retorno a seu reinado, aliando-se a uma poderosa tia, que trama colocar seu próprio filho no trono.

Crítica:

Eisenstein é talvez o único diretor da história que pode fazer com que uma película com escopo panfletário, se torne universal. Era plena segunda guerra mundial, o estado soviético necessitava elevar a moral do povo e usou a história do Czar Ivan para seus objetivos. Conspirações, guerras, discursos pela unidade e a fortaleza da Rússia. Tudo isso poderia terminar mal,mas lá estava o mestre russo para criar uma extraordinária epopeia. Esta obra de arte provou que merece estar nos altares da história do cinema. Um filme perfeito.

A força visual é impressionante. O Barroquismo fílmico em todo seu esplendor. Detalhes bem explorados. Decoração sobrecarregada, vestuário espetacular, interpretações levadas ao limite. O uso das sombras projetadas na parede, acendendo o próprio Czar. Eisenstein conquista e impressiona com a inserção de primeiros planos e alucina com os gerais.O domínio técnico é estupendo,como se vê,por exemplo,na primeira seqüência da coroação. Uma verdadeira maravilha que se desfruta em cada segundo. Desde o momento da coroação de Ivan, vemos o que o filme irá contar-nos: as conjuras de uns e outros para derrotá-lo. E tudo mediante o uso de uma montagem perfeita. Não poderia ser diferente em se tratando do mago da edição. Para alguns,pode parecer rudimentar e tosco, mas, certamente, Eisenstein consegue mostrar em uma só seqüência os pensamentos dos personagens. A isso denomina-se economia de meios. O ritmo é extraordinário, não há interrupções no curso da história,que jamais resulta pesada.


As interpretações são próprias de teatro , fazendo com que tudo pareça exagerado, mas,certamente,dão tom perfeito à história.

Porém,entre tudo,destaca-se Cherkassov. Atuou em poucos filmes,mas,em todos,exibiu interpretações perfeitas. Porém,sem dúvida,sua caracterização do Czar Ivan atinge o zênite. Às vezes parecendo exacerbado,pois necessário,e seu contínuo movimento dota o personagem de excentricidade,já que era um autêntico paranoico. O roteiro mostra-nos como vai crescendo a demência de Ivan,sempre vendo como seus familiares pretendem destruí-lo mediante alianças com reinos inimigos,ficando patente o torvelinho de uma mente obcecada com a traição mas que deve liderar todo um povo em suas guerras.

O emprego das elipses é sensacional. Os anos passam e nem é preciso colocar legenda,basta reparar como cresce a barba de Ivan. Ele cresce,torna-se Czar, casa-se, tem filhos, vai-se de Moscou, luta em guerras. Sem estridências nem frases de enchimento. Elegante até com o passar do tempo.

O personagem Ivan (parece claro que a função primordial do filme era fortalecer a imagem de Stalin) flutuando por tudo em sua volta. Sonhador, intentará por todos os meios possíveis atingir seu objetivo. Não lhe será fácil. Deixará de confiar nas pessoas em que confia. Quando adoece,dar-se-á conta medianamente do que realmente tem como companheiros de viagem. Quando morre sua mulher, torna-se perdido, sem nenhum apoio. Seu amigo ambicioso e enamorado de sua esposa o abandonará logo após a morte da czarina.


A ressaltar a seqüência em que o falso amigo,acreditando que o Czar está morto, tenta convencera Anastasia a governarem juntos, enquanto um olho desenhado na parede os vigia. Esse olho atuará também como se fosse sua consciência, ao inteirar-se de que o Czar ainda está vivo.

A única batalha que aparece, nada fica a dever a nenhuma superprodução. Assombroso o plano geral no qual se vê o exército russo até a última montanha. Soldados que vão em fila deixando uma moeda, para facilitar a contagem,pelas moedas sobrantes,de quantos não retornaram da batalha. Uma vez mais aparecerá Kurbsky como um homem cruel, não hesitará em utilizar prisioneiros como escudos. Ficará para sempre marcada a lembrança do plano com Ivan endeusado,uma verdadeira maravilha!


Curiosidades

  1. Em 1945,o governo militar russo de Berlim ordenou fosse feita a dublagem deste filma para o idioma alemão.Wolfgang Staudte esceveu o texto e foi o diretor da dublagem.
  2. Demorou 3 anos para ser concluído.
  3. O projeto de Ivan, o Terrível previa a realização de três filmes que tratariam cada um de uma etapa específica da vida do czar. 
  4. A primeira parte ficou logo concluída e transformou-se imediatamente em um grande sucesso. Stalin ficou muito satisfeito e Eisenstein foi consagrado com o Grande Prêmio de Estado. 
  5. Porém, a mesma sorte não obteve a segunda parte, finalizada em 1946. 
  6. Nesta, Eisenstein apresentava Ivan como um louco assassino, como um paranoico que vivia a manipular o poder em proveito próprio.
  7. A identificação do filme com o presente era tão grande, que Eisenstein não hesitou em retratar-se.
  8. Ele projetava sua angústia e seu desespero frente ao regime stalinista na humilhante relação dos personagens Ivan (Stalin) e Wladimir (Eisenstein).
  9. Após concluir a segunda parte de Ivan, o Terrível, Eisenstein sofreu uma ataque cardíaco. Ao se recuperar, foi "convidado" a comparecer a uma audiência privada com Stalin. Nessa conversa, ficou decidido que refaria a segunda parte do filme, antes de dar início à terceira e que depois dirigiria um grandioso projeto : a produção de Cáucaso, Moscou, Vitória. Neste filme, 
  10. Eisenstein contaria a trajetória pessoal e política de Stalin. Mas seu estado de saúde não permite que ele prossiga. 
  11. Em 11 de fevereiro de 1948,Eisenstein morre sem ter tido tempo de concluir "seus" últimos projetos. 
  12. Com sua morte, a exibição de seus primeiros filmes foi proibida, assim como o ensinamento de suas teorias.

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