HOMEM ARANHA: DE VOLTA AO LAR - CRÍTICA
Homem aranha
Com sabem, não escrevo textos perdidos no tempo. Tento escrever informações úteis sobre o tema descrito de forma que em qualquer época que ler, ele faça sentido. Mas o cabeça de teia pedia algo maior, melhor e sem cortes.
O personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko nos anos 60 estava praticamente implorando para virar filme. Até então, ele tinha ganhado sua própria série de desenhos animados (exibida entre 1967-1970), um seriado de TV live-action com 13 episódios chamado "The Amazing Spider-Man" (entre 1977-79), e até um seriado japonês chamado "Supaida-Man", que estreou em 1978 e teve um total de 41 episódios, mostrando o herói às voltas com monstros e ninjas - e sim, ele também tinha um robô-gigante tipo "Jaspion" e "Changeman".
Mas embora fizesse sucesso na TV e nos quadrinhos, o Homem-Aranha continuava inédito nos cinemas. Isso, claro, relevando-se a famosa picaretagem turca "3 Dev Adam", de 1973, que trazia Capitão América e El Santo enfrentando um Homem-Aranha malvado que, além do uniforme pobretão, em nada lembrava o personagem dos quadrinhos, muito menos lançava teias!
Homem aranha de Sam Raimi
Em 1989, Batman de Tim Burton pavimentou, finalmente, a estrada que os super heróis iriam percorrer. Depois de muitos longos anos, um filme de herói foi levado a sério. Infelizmente, o mesmo personagem iria arrebentar este caminho, com Batman Eternamente e Batman e Robin. Porém, escreveu- se ali características que perduram até hoje como por exemplo, a inserção de muitos vilões a cada continuação e inversamente proporcional a qualidade de cada filme. Porém, foi no início dos anos 2000, 11 anos depois, que um certo grupo de mutantes fez grana com muitos personagens e no ano seguinte, o primeiro filme com "cara" de quadrinhos a fazer um estrondoso sucesso: Homem aranha.
Este sim, deu forma à estrada que seria amplamente percorrida nos dias de hoje. Mas Raimi caiu na mesma armadilha dos dois últimos Batmans: muitos vilões, orçamento inflado, muitos efeitos, mas história frágil. O próprio Sam Raimi declarou que o longa era "terrível". Ponto para ele, pois hoje a equipe da DC faz um filme fraco, e diz que a culpa foi deste ou daquele. Raimi assumiu e pulou fora. Esquadrão suicida 2 por exemplo, terá o mesmo diretor, mesmo após inúmeras reclamações. Batman vs Superman foi dirigido pelo mesmo do fraco Homem de aço. Enfim...erros repetidos.
Mesmo com o mea culpa, a moral do cabeça de teia parece inabalável. Cada filme bateu em torno de 800 milhões de dólares na bilheteria (e na época pré 3D, ou seja, ingressos mais baratos).
Homem aranha de Mark Webb
Em 2007 saiu o Homem aranha 3 e já em 2012, veio o novo começo. Feito por diretor fã do personagem (curiosamente, Web, no sobrenome do diretor, quer dizer teia!!!).
Inicialmente, o quarto filme do Homem-Aranha seria mais uma vez dirigido por Sam Raimi e estrelado por Tobey Maguire e Kirsten Dunst, responsáveis pela trilogia original. Entretanto, divergências entre a Columbia Pictures e Sam Raimi sobre os rumos do personagem e os altos salários que seriam pagos ao trio fizeram com que o estúdio optasse por dispensá-los e recomeçar a história do herói aracnídeo do zero.
Soou desnecessário, mas..."what a hell", resolveram contar nova origem com novo vilão e outro interesse amoroso. Funcionou, rendeu em torno de 700 milhões de dólares e aí veio a continuação, seguindo aquele esquema danado: muitos vilões, muitos efeitos, muita coisa acontecendo. O filme foi lançado em 2014.
Homem aranha de volta ao lar
Em 2008, o projeto Marvel tomou corpo com Incrível Hulk e Homem de ferro. As coisas foram acontecendo, e depois de muitos filmes, a Marvel conquistou um padrão de qualidade invejável. Mas por questões de direitos, o Homem aranha não poderia aparecer neste universo expandido, até que...em 2016, uma ponta em Capitão América - Guerra civil mudou tudo. Tom Holland parece ter nascido para o papel (pasmem, mais que Tobey Maguire!). E o frisson causado, catapultou o personagem para um novo filme solo de origem.
Parece inacreditável que o personagem esteja em sua terceira versão em poucos anos, já que no passado, era uma dificuldade levar o aranha para o cinema. Caras como James Cameron e Albert Pyun bem que tentaram (Leia mais abaixo).
Mas o fato é que tudo, absolutamente tudo no filme funciona. Aqui não há espaço para discursos tipo: "grandes poderes trazem grandes responsabilidades", pois ao invés de falado, ele é sentido. Peter Parker vai sofrendo o peso das atitudes necessárias e de como isto afeta todo seu mundo.
E não é mesmo um filme solo do aranha (sabiamente). Não faria sentido isolar o herói dos demais. O Homem de ferro aparece em momentos cruciais mostrando-se uma escada, para Parker galgar seu caminho em direção a maturidade.E a inserção de Peter neste universo é genial. As cenas que ligam este a Guerra Civil são inacreditáveis.
Ao contrário do vilão de Mulher Maravilha ou Batman vs Superman, o Abutre é um vilão com história, com camadas. Suas atitudes vilanescas não são gratuitas. Elas são impulsionadas por situações limites do seu meio.
As mudanças tecnológicas são necessárias, distanciando um pouco o Aranha da HQ, porém, como sabem, isto aqui é cinema.
E a pergunta mais feita na internet hoje: Este Aranha é melhor que os outros?
A resposta é simples: Este filme é mais redondo, sem altos e baixos. Os filmes de Raimi chegam a picos mais altos que este, mas desce em momentos ficando abaixo deste. Ele é mais regular dentro do que se propõe. Não dá para assistir "Curtindo a vida adoidado" achando que será o filme que mudará sua vida. Este Homem aranha é puro John Hughes.
Mas há momentos incríveis, como o diálogo entre Parker e o Abutre. (Sem Spoiler) Na cena em questão, o Abutre percebe quem é Peter Parker. Só um grande ator como Michael Keaton poderia ser tão sutil e genial numa cena como aquela.
Vejam sem medo e sem comparar com outros Homem Aranha. Este não é espetacular. É apenas Peter Parker tentando ser adolescente ao mesmo tempo que descobre seu papel no novo mundo.
Mas o fato é que tudo, absolutamente tudo no filme funciona. Aqui não há espaço para discursos tipo: "grandes poderes trazem grandes responsabilidades", pois ao invés de falado, ele é sentido. Peter Parker vai sofrendo o peso das atitudes necessárias e de como isto afeta todo seu mundo.
E não é mesmo um filme solo do aranha (sabiamente). Não faria sentido isolar o herói dos demais. O Homem de ferro aparece em momentos cruciais mostrando-se uma escada, para Parker galgar seu caminho em direção a maturidade.E a inserção de Peter neste universo é genial. As cenas que ligam este a Guerra Civil são inacreditáveis.
Ao contrário do vilão de Mulher Maravilha ou Batman vs Superman, o Abutre é um vilão com história, com camadas. Suas atitudes vilanescas não são gratuitas. Elas são impulsionadas por situações limites do seu meio.
As mudanças tecnológicas são necessárias, distanciando um pouco o Aranha da HQ, porém, como sabem, isto aqui é cinema.
E a pergunta mais feita na internet hoje: Este Aranha é melhor que os outros?
A resposta é simples: Este filme é mais redondo, sem altos e baixos. Os filmes de Raimi chegam a picos mais altos que este, mas desce em momentos ficando abaixo deste. Ele é mais regular dentro do que se propõe. Não dá para assistir "Curtindo a vida adoidado" achando que será o filme que mudará sua vida. Este Homem aranha é puro John Hughes.
Mas há momentos incríveis, como o diálogo entre Parker e o Abutre. (Sem Spoiler) Na cena em questão, o Abutre percebe quem é Peter Parker. Só um grande ator como Michael Keaton poderia ser tão sutil e genial numa cena como aquela.
Vejam sem medo e sem comparar com outros Homem Aranha. Este não é espetacular. É apenas Peter Parker tentando ser adolescente ao mesmo tempo que descobre seu papel no novo mundo.
Homem aranha de Tobe Hooper
Em 1984, Tobe Hooper era mais conhecido como um diretor de clássicos do horror, como "O Massacre da Serra Elétrica" e "Pague Para Entrar, Reze Para Sair". Mas também tinha fama de encrenqueiro e junkie (diz-se que fazia quilômetro de arrancada com cocaína nos bastidores das filmagens), e saiu brigado do blockbuster "Poltergeist - O Fenômeno" (1982), produzido por Steven Spielberg. Reza a lenda que Spielberg assumiu o comando do filme e dirigiu ele mesmo a maior parte.
Queimado em Hollywood, Hooper resolveu assinar um contrato para dirigir três filmes para a Cannon - e a produtora exigiu que um dos três fosse "O Massacre da Serra Elétrica 2". Sabe-se lá quem teve a ideia de colocar o sujeito para comandar o filme do Homem-Aranha, mas provavelmente Golan e Globus queriam aproveitar o fato de Tobe ter trabalhado com Spielberg em "Poltergeist".Enfim, era um desastre anunciado, e foi. Mas a culpa dessa vez não era de Hooper...
Acontece que a Cannon contratou o roteirista Leslie Stevens para escrever a adaptação para o cinema. Stevens era um veterano da TV norte-americana, que produziu e escreveu seriados como "Quinta Dimensão" (The Outer Limits, 1963-1965) e "Buck Rogers" (1979-1981), mas nunca deve ter lido um único gibi do Homem-Aranha. Ao invés de seguir a linha dos quadrinhos, resolveu dar sua própria visão do personagem, aproveitando apenas o nome do herói!
No roteiro de Stevens, Peter Parker seria um fotógrafo trabalhando para um poderoso laboratório chamado Zyrex Corporation. Seu diretor, o maligno Dr. Zyrex, faria experiências com Parker sem o consentimento do rapaz, bombardeando-o com raios radioativos. Quando uma inofensiva aranha entra na mistura, Parker sofre uma mutação estilo "A Mosca", transformando-se num monstro meio homem, meio tarântula, com oito patas (!!!). Zyrex convida o recém-criado "Homem-Aranha" para integrar seu exército de mutantes e dominar o mundo, mas ele prefere voltar-se para o lado do bem e combater o cientista e seus monstros, numa aventura que estava mais para "A Ilha do Dr. Moreau" do que para o Homem-Aranha que todo mundo conhece!
Hooper estava na pré-produção de dois outros filmes do seu contrato - o remake de "Invasores de Marte" e "O Massacre da Serra Elétrica 2" - quando começou a polêmica em torno do que seria o seu primeiro filme de super-herói. Um artigo da revista Cinefantastique sobre a adaptação de Homem-Aranha enfureceu os fãs do herói e o próprio co-criador do personagem, Stan Lee, que exigiu mudanças no roteiro para ficar minimamente parecido com os gibis.
Preocupados com a repercussão negativa, Golan e Globus voltaram à estaca zero: demitiram Leslie Stevens e chamaram Ted Newsom (que até então havia escrito apenas roteiros de filmes pornográficos!) e John D. Brancato para escrever um novo roteiro usando ideias do próprio Stan Lee. Só que, enquanto o novo roteiro era escrito, foi Tobe Hooper quem desligou-se do projeto. Seu terceiro filme para a Cannon acabou sendo "Força Sinistra", adaptação do livro "Space Vampires" que, num primeiro estágio de produção, seria dirigida pelo italiano Luigi Cozzi! Apesar de divertidíssimo, "Força Sinistra" foi outro naufrágio financeiro para a produtora: custou 25 milhões e rendeu apenas 11 milhões nos cinemas...
Homem Aranha de Joseph Zito
O Homem-Aranha da Cannon estava sem diretor, mas pelo menos tinha um roteiro novo, escrito a quatro mãos por Newsom e Brancato a partir dos pitacos de Stan Lee. Era bem mais fiel ao personagem dos gibis do que aquela aberração anterior, mas tomava algumas liberdades poéticas em relação à origem do Homem-Aranha: Peter Parker seria aluno do cientista Otto Octavius, o Dr. Octopus, e ambos ganhariam seus poderes a partir de um acidente no laboratório do mentor do herói.
A partir de então, enquanto Octopus inicia sua carreira de crimes, o jovem Peter aproveita seus novos poderes primeiro numa exibição de luta-livre com Hulk Hogan (!!!), depois participando do "The Tonight Show with David Letterman" - e sim, as duas celebridades estavam cotadas para aparecer no filme! Então seu Tio Ben seria morto pelo mesmo bandido que ele deixou escapar horas antes, fazendo surgir um Homem-Aranha bem fiel aos gibis.
Vários personagens e situações dos quadrinhos já apareciam nesse roteiro, como o valentão da escola, Flash Thompson, que abusava de Peter Parker, mas ao mesmo tempo era fã do Homem-Aranha. E, claro, o editor-chefe do Clarim Diário, patrão e arqui-inimigo do herói, J. Jonah Jamenson - que, vejam só, seria interpretado pelo próprio Stan Lee!
Mas o detalhe mais interessante deste roteiro era em relação ao interesse romântico do herói. Nem Gwen Stacy, nem Mary Jane Watson: Newtom e Brancato optaram por colocar Liz Allen que, nos gibis, foi o primeiro interesse romântico de Peter Parker! Ignorada em todas as outras adaptações para o cinema, ela era namorada de Flash Thompson e apareceu já nas primeiras aventuras do Aranha, entre 1962-1965, mas nunca chegou a realmente namorar Peter - pelo contrário, mais tarde ela acabou se casando com seu amigo, Harry Osborn!
Numa entrevista recente, Ted Newsom comentou a decisão de colocar Liz como interesse romântico do herói: "Nós não escolhemos Liz Allen, John e eu originalmente queríamos Gwen Stacy, e o filme terminaria com a sua morte nas mãos do Duende Verde e tudo mais. Mas Stan era totalmente contra isso, e ele queria usar o Dr. Octopus como vilão. Depois de Gwen, Liz Allen era nossa única escolha, porque Mary Jane não era a pessoa certa para Peter naquele momento. Seria como se Raquel Welch com 40 anos se apaixonasse por um moleque de 14 anos. Mary Jane conhece Peter na fase certa nos quadrinhos, mas antes disso ele não teria nenhuma chance com uma gata como ela. Assim, nossa Liz era o tipo de garota pela qual todo mundo ficaria atraído no colégio: bonita, mas não linda demais, inteligente e divertida".
O roteiro também foi aprovado pelo presidente da Marvel e produtor executivo James Galton, que, numa carta timbrada a Cannon, escreveu: "O script é soberbo. A esse ponto eu já li uns 12 roteiros e tratamentos para filmes do Homem-Aranha, mas esse é de longe o melhor!".(Na mesma carta, Galton reclama de um outro projeto que estava sendo tocado pela Cannon na época e que não saiu do papel: o filme do Capitão América, que seria dirigido por Michael "Desejo de Matar" Winner. Galton queixou-se que o roteiro de Winner e Stan Hey era "bloody awful", decretando a morte prematura da produção.)
Com Tobe Hooper abandonando a cadeira de diretor, a Cannon resolveu chamar outra das suas galinhas dos ovos-de-ouro para comandar o filme do Aranha: Joseph Zito, de "Sexta-feira 13 Parte 4", cujos trabalhos anteriores para a produtora ("Braddock - O Super Comando" e "Invasão USA", ambos com Chuck Norris) custaram pouco e renderam uma boa grana.Como curiosidade, o visionário Zito tinha colocado um trecho do velho desenho animado do Homem-Aranha numa cena em que Chuck Norris assistia TV em "Braddock", um ano antes de ser chamado para dirigir a versão live-action do herói!
O filme começou a tomar forma, novamente com James Galton e Joseph Calamari como produtores executivos. O dublê Scott Leva foi contratado para interpretar Peter Parker e o Homem-Aranha, e o inglês Bob Hoskins seria o Dr. Octopus. Embora Hoskins nunca tenha sido oficialmente contratado, Leva chegou a fazer fotos de divulgação vestindo o uniforme do Aranha, e uma delas foi usada na capa da revista "The Amazing Spider-Man" nº 262, de março de 1985 , atiçando ainda mais a curiosidade dos fãs.
A pré-produção não parou por aí: Zito escolheu estúdios na Itália e na Inglaterra para rodar o filme, e contratou os renomados ilustradores Mentor Huebner e Nikita Knatz para desenhar os storyboards. Foram feitos testes de efeitos especiais para ver como ficariam os movimentos do Homem-Aranha balançando em suas teias e dos tentáculos do Dr. Octopus. Também foi produzido um teaser trailer que não mostrava muita coisa além do uniforme do herói, anunciando "Joe" Zito como diretor. A Cannon gastou 1,5 milhão de dólares só nessa etapa de pré-produção do filme, e tudo indicava que agora o Aranha sairia dos gibis para o cinema. Tanto que a produtora chegou a comprar duas páginas na edição de outubro de 1985 da Variety para divulgar "Spider-Man - The Movie".
Mas aí recomeçaram os problemas: o roteiro já estava pronto e aprovado, mas Zito resolveu chamar seu amigo Barney Cohen (que escreveu "Sexta-feira 13 Parte 4") para "polir" o trabalho de Newsom e Brancato. Aí o próprio produtor Menahem Golan, usando o pseudônimo "Joseph Goldman", aproveitou para mexer no roteiro também, dando origem a um segundo tratamento que ficou pronto em 1986.
As principais mudanças em relação ao roteiro anterior é que o Dr. Octopus ganhou uma expressão característica ("Ookey-dookey", repetida toda hora) e um capanga chamado Weiner, que seria o responsável por matar o tio de Peter Parker. O herói também foi representado de uma maneira mais "dark" e violenta, inclusive surrando o rival Flash Thompson quase até a morte numa cena!
A Cannon já tratava "Spider-Man - The Movie" como seu principal lançamento de 1986, marcando a data de lançamento para o Natal daquele ano. Foram produzidos teaser posters e banners anunciando a chegada do Homem-Aranha aos cinemas em "Christmas 86", mas então um novo empecilho emperrou de vez a produção: os problemas financeiros que a pequena produtora enfrentava na época.
Como outros filmes de super-heróis feitos nos anos anteriores tinham dado prejuízo (entre eles o péssimo "Supergirl", em 1984), Golan e Globus achavam arriscado investir entre 15 e 20 milhões numa aventura do Homem-Aranha (era esse o orçamento previsto inicialmente). Eles precisavam de um outro projeto que fosse garantia de bom retorno nas bilheterias, e cujo lucro pudesse ser depois investido no filme do Aranha.
Ironicamente, a opção foi por "Superman IV - Em Busca da Paz"! A Cannon torrou 17 milhões, um valor expressivo na época, para colocar Christopher Reeve em sua quarta aventura como Super-Homem. Mas o resultado foi um fracasso: o filme arrecadou pouco mais de 15 milhões nas bilheterias, colocando a saúde financeira da produtora praticamente em coma.
No mesmo ano de 1987, outra cacetada: a Cannon investiu US$ 22 milhões em "Mestres do Universo", versão live-action do desenho animado do He-Man, estrelada por Dolph Lundgren. Tinha tudo para ser um sucesso, mas os fãs do desenho não engoliram a produção barateira - que, entre outras mudanças, transferia os personagens para o planeta Terra para economizar em cenários e figurinos. A resposta nas bilheterias ficou em 17 milhões, bem abaixo do custo do filme.
Com duas decepções em tão pouco tempo, ainda mais considerando que eram produções relativamente caras, os cofres da Cannon Films sofreram danos irreparáveis. E o filme do Aranha, claro, foi abortado pela segunda vez.
Homem Aranha de Albert Pyun
Em 1987, a Cannon perdeu temporariamente os direitos sobre o Homem-Aranha para a New World Pictures, mas a pequena produtora também não conseguiu levar o herói para os cinemas. Golan e Globus não desistiram e compraram de volta os direitos. "Spider-Man - The Movie" voltou a ser a menina-dos-olhos da Cannon em 1988. Albert Pyun foi o terceiro diretor contratado para levar o aracnídeo aos cinemas, e teria um orçamento irrisório de 10 milhões de dólares para cumprir a tarefa.
Mais tarde, os produtores resolveram filmar "Spider-Man" e "Mestres do Universo 2" ao mesmo tempo e reutilizando os mesmos cenários para economizar, e as duas aventuras seriam dirigidas "back-to-back" por Pyun! O diretor chegou a dar entrevistas falando sobre a adaptação do Aranha - uma delas publicada na revista Cinefantastique em 1988. Ele chamou o ator Don Michael Paul para escrever um novo roteiro, já que a história com o Dr. Octopus jamais poderia ser filmada com um orçamento tão baixo.
A essa altura, os executivos da Marvel já tinham deixado a produção executiva, que ficou com Tom Karnowski, o produtor habitual dos filmes baratos de Albert Pyun. A nova aventura do Homem-Aranha seguiria os passos da anterior, narrando a origem do herói, mas com um vilão "original": o cientista Russell Tanner, que se transformava num híbrido de humano e morcego chamado The Night Ghoul. Enquanto Don Michael Paul escrevia seu roteiro, os produtores publicaram sobre a pré-produção do filme na Variety de 24 de outubro de 1988. Meses depois, a revista fez uma reportagem sobre a obra e inclusive entrevistou Stan Lee, que falava otimista sobre a adaptação.
O problema é que quando o novo script ficou pronto, os produtores perceberam que este também tinha fugido do clima dos gibis - era uma história cheia de sangue e violência. Decidiram chamar às pressas Shepard Goldman (roteirista de "Salsa - O Filme Quente") para "corrigir" o script, dando um tom mais leve e censura livre à trama. Goldman acabou creditado como único roteirista em alguns materiais de divulgação, tal a quantidade de alterações que fez no script original de Don Michael Paul.
Apesar de nem haver um roteiro definitivo, a Cannon continuava marcando o "lançamento" do filme, dessa vez para o Natal de 1989. Mas precisou baixar ainda mais o orçamento, obrigando Pyun a buscar um novo roteiro. Dessa vez foi Ethan Wiley (diretor-roteirista de "A Casa do Espanto 2"!) quem assumiu o problema, dando origem a mais uma história sem pé nem cabeça, à altura daquela criada por Leslie Stevens lá em 1984.
Olha só : Peter Parker seria um pobre estudante de ciências vivendo no Queens, bairro pobre de Nova York, e que trabalha como pupilo para um cientista louco. Este cria uma poderosa droga batizada T-Devil, que vende para a Máfia. O entorpecente dá superpoderes aos usuários (!!!), mas seu consumo constante provoca a explosão do coração do infeliz! Finalmente, durante uma experiência frustrada, tanto o cientista quanto Peter ganham superpoderes: ele vira o Homem-Aranha, e o vilão uma mistura de homem e escorpião, que seria combatido pelo novo herói!
Até essa altura, o dublê Scott Leva continuava sendo sondado para viver Peter Parker/Homem-Aranha na telona. Ele leu todas as versões do roteiro feitas desde 1985, e, num artigo publicado pela revista Starlog em 2002, intitulado "The Man Who Was Almost Spider-Man", declarou: "O roteiro de Ted Newsom e John Brancato era bom, mas ainda precisava de alguns detalhes. Infelizmente, ele foi reescrito por outros roteiristas tantas vezes que foi do bom para o ruim, até chegar ao terrível!".
A Variety de 22 de fevereiro de 1989 traz mais uma vez o filme do Aranha como "futuro projeto" da Cannon, com data de início das filmagens marcada para março daquele ano, ao lado de outros filmes que realmente foram produzidos, como "De Volta Para o Futuro 2". Aí veio o golpe de misericórdia: tanto a empresa de brinquedos Mattel (que tinha os direitos sobre He-Man) quanto a Marvel rescindiram o contrato com a Cannon devido aos problemas financeiros da produtora, e a filmagem conjunta de "Mestres do Universo 2" e "Spider-Man - The Movie" foi cancelada de vez.
E como Pyun já havia gasto bastante dinheiro na pré-produção dos dois filmes, foi contratado para dirigir "Cyborg - O Dragão do Futuro", com Van Damme, praticamente de graça, usando cenários, figurinos e objetos de cena produzidos originalmente para as aventuras do He-Man e do Homem-Aranha! Esse acabou sendo o último filme da Cannon a chegar aos cinemas, já que a produtora pediu falência no final da década de 80.
Homem Aranha de James Cameron
No mesmo ano de 1989 em que a Cannon cancelou a produção do filme do Aranha, o "Batman" de Tim Burton estreou arrebentando e mostrando que aventuras inspiradas em heróis dos quadrinhos ainda podiam ser lucrativas. Afinal, a Warner faturou mais de 410 milhões de dólares no mundo todo com um filme que custou "apenas" US$ 35 milhões.
A Cannon já não existia mais a essas alturas, mas um de seus sócios, Menahem Golan, criou a 21st Century Film Corporation e achava que aquele era o momento certo para emplacar seu "Spider-Man - The Movie". Ele jogou no lixo todos aqueles scripts horríveis de baixo orçamento e recuperou o roteiro que Newsom e Brancato escreveram lá atrás em 1985 - aquele com o Dr. Octopus como vilão.
Em maio de 1989, no Festival de Cannes, Golan disse que começaria a filmar em setembro e conseguiu vender os direitos para lançamento doméstico, que ficaram com a Columbia Pictures. Através dela, o diretor Stephen Herek ("Criaturas") chegou a ser cogitado para comandar a adaptação.
Mas o estúdio pediu algumas alterações no script. Dois roteiristas foram contratados e entregaram seus tratamentos: primeiro Frank LaLoggia (diretor-roteirista de "A Dama de Branco"), depois Neil Ruttenberg (roteirista de "Deathstalker 2").
Enquanto isso, Golan não parava de publicar anúncios na Variety sobre a suposta "pré-produção" da aventura, numa tentativa de tentar atrair possíveis investidores. O primeiro anúncio saiu em 1990, e dizia: "1990 - O ano do Homem-Aranha!". O segundo é de 1991, e anuncia como roteiristas Ruttenberg e "Joseph Goldman" (o próprio Golan), além da produção executiva de Stan Lee e Joseph Calamari (de volta ao projeto depois da "fase Pyun").
O máximo que Golan conseguiu dessa vez foram alguns testes de efeitos especiais realizados em 1990 pela empresa canadense Light and Motion e pelo animador em stop-motion Steven Archer, que trabalhara em "Krull" e "Fúria de Titãs". Vencido pelas dificuldades de trabalhar com baixo orçamento, Golan desistiu do Aranha e partiu para a produção daquela aventura do Capitão América que também vinha tentando fazer desde os anos 80, e que seria bem mais fácil porque envolvia um herói mais humano, sem exigir grandes efeitos especiais. O resultado foi aquele trash dirigido por Albert Pyun em 1990, com Matt Salinger no papel principal.
Já os direitos sobre o Homem-Aranha passaram para uma outra companhia, a Carolco de "Rambo 3", "O Vingador do Futuro" e "O Exterminador do Futuro 2". E, graças à mudança de casa, um certo James Cameron acabou se interessando pelo projeto. Cameron resolveu escrever o seu próprio filme do Homem-Aranha, e enviou um pré-roteiro com 47 páginas para os executivos da Carolco em 1991. Esse tratamento conta a origem do herói e traz dois vilões de uma só vez, Electro e Homem-Areia (algo que depois viraria moda nos filmes de super-heróis).
Mas Cameron não se manteve tão fiel aos gibis, preferindo criar a sua própria versão da origem. O filme terminaria com uma batalha épica no topo do World Trade Center, quando Peter Parker revelaria a Mary Jane que era o Homem-Aranha. Embora o argumento tenha sido bastante elogiado à época, os produtores discordavam do tipo de aventura que Cameron pretendia fazer. Eles queriam um filme censura livre e divertido para a garotada, mas o pré-roteiro do diretor tinha violência, um Homem-Aranha que falava palavrões (inclusive xingando os vilões de "filho da puta") e até uma cena de sexo entre Parker e Mary Jane!
Com o andar da carruagem, o projeto começou a ser revisado. A Carolco anunciou nas páginas da Variety a pré-produção de "Spider-Man - A James Cameron Film", e o diretor de "Titanic" chegou até a mexer naquele antigo roteiro de Newsom e Brancato, anunciando que gostaria de ter Arnold Schwarzenegger como Doutor Octopus.
Mas aí foi a vez da Carolco falir, e com ela o Homem-Aranha acabou perdido nas teias da burocracia, passando de um estúdio a outro, numa trajetória longa e complicada demais para resumir aqui. Parecia até um projeto amaldiçoado, e, como tal, ninguém mais quis gastar dinheiro com ele.
Até a Columbia/Sony finalmente produzir o "Homem-Aranha" de Sam Raimi em 2002, quase 20 anos depois da primeira concepção de uma aventura cinematográfica do herói.
Coincidentemente, Raimi também era um diretor associado ao cinema de horror, como Tobe Hooper, que foi a primeira escolha para dirigir o filme do Aranha lá atrás, em 1984...
O resto é história: se a Cannon suava para juntar uns 20 milhões para poder fazer o seu "Spider-Man - The Movie", a Columbia transformou a primeira aventura do herói num blockbuster de US$ 139 milhões, que arrecadou, no mundo inteiro, assombrosos 821 milhões de dólares!