IURY PINTO - RESPONDE ÀS 7 PERGUNTAS CAPITAIS
Através das 7 perguntas capitais eu conheci o mundo, literalmente. Consegui conversar com pessoas que eu jamais imaginaria que seria possível. Foi um projeto incrível. São apenas 7 perguntas, mas que fornecem um pequeno mosaico da carreira e paixão do entreviado (a) pelo cinema.
E hoje, com vocês o montador,diretor e produtor Iury Pinto
Boa sessão:
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS que faziam parte do nosso cotidiano. Você é um apaixonado por cinema? Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte.
I.P.: Eu sempre fui fascinado pela arte de contar histórias. Quando criança, eu passava horas brincando com meus bonecos "comandos em ação" criando as aventuras mais inusitadas no universo do meu quarto. Sou da geração do VHS, mas lembro de frequentar os cinemas da Praça Saens Peña e da clássica Cinelândia no Rio de Janeiro, onde tive meu primeiro contato com o cinema. Mas a paixão surgiu mesmo em 1992 quando meu Pai me levou para fazer um teste para a novela "Amazônia: na extinta Tv Manchete, e eu passei!
No meio de mais de quatrocentas crianças, fui escolhido para ser o filho do ator Raul Gazolla na trama. Lembro perfeitamente de quando entrei pela primeira vez em um set de filmagem, e vi como toda aquela magia acontecia de verdade, como todas aquelas pessoas, cenários, figurinos e luzes, trabalhavam em favor de um único momento que seria captado por aquelas lentes e transmitido para todo o Brasil. Me marcou tanto essa experiência, que até hoje quando entro em um estúdio, me recordo do cheiro peculiar da madeira dos cenários que ficou gravado em mim naqueles dias.Em paralelo a isso, a paixão por cinema, games e desenhos animados me fizeram ter muito carinho pela animação.
Eu sempre gostei de desenhar, mas descobri que me saía melhor esculpindo, e comecei a esculpir meus próprios personagens. Descobri na animação Stop Motion uma oportunidade de fazer miniaturas daqueles cenários que me encantavam na infância, e ainda poder contar histórias com bonecos, da mesma forma que eu fazia quando criança em meu quarto.
Então na faculdade Unicarioca, cursei Design com especialização em animação. Fundei lá um núcleo chamado Animacarioca, e ao longo da minha formação participei de diversos projetos acadêmicos até me formar com uma monografia sobre o assunto. Quando me formei, tentei trabalhar no mercado de animação no Brasil mas foi muito difícil. A maioria das vagas eram para animador 2D, isso quando rolava.
Cheguei a fazer alguns trabalhos profissionais como escultor, e uma campanha utilizando a técnica Stop Motion, mas era muito raro conseguir uma oportunidade de exercer essa paixão. Foi então que parti para uma alternativa que eu vinha estudando em paralelo a animação, a Edição.
Era uma rotina parecida, também um trabalho de várias horas solitárias, que tive que aprender para editar meus primeiros projetos. Nunca fiz curso de edição, aprendi a editar com um grande amigo que me ensinou os comandos via rádio Nextel, ele da casa dele e eu da minha. Comecei ajudando meu pai em alguns trabalhos, depois trabalhei em algumas produtoras até chegar na Tv Globo onde hoje trabalho há 10 anos.
2) Muitos adoram fazer listas de filmes preferidos. Outros julgam que é uma lista fluida. Para não te fazer enumerar vários filmes, nos diga qual o filme mais importante da sua vida. E há uma razão para a produção que citar ser destacada?
I.P.: Muitos filmes foram inspirações para minha vida e minha carreira. Acredito que o cinema tem esse poder, de além de entreter, apresentar universos que jamais poderíamos conhecer em nossas vidas cotidianas. Um filme que para mim resume isso é o "Cinema Paradiso" que me representa naquela criança que se apaixona por cinema na infância e guarda com carinho aquela arte no coração.
3) Quem trabalha com cinema no nosso país, certamente o faz por amor. Mas muitas vezes não imagina o impacto que algum filme, série ou personagem tem na vida das pessoas. "A ilha de ferro" foi, na minha opinião, uma das melhores séries da história da tv (aberta ou fechada) mundial. E sem dúvidas, a edição teve uma participação fundamental. Muitos esquecem de valorizar a edição, que no Oscar, inclusive, é considerado um dos principais prêmios.
Como você vê o reconhecimento desta área no Brasil? E pensa em migrar para a direção de longas?
I.P.: A edição é uma arte invisível, se ela é boa em um filme, ela simplesmente não aparece. Acredito que o cinema passa por três etapas principais no processo de contar histórias. A história que é concebida pelo Autor, é traduzida pelo Diretor no set, e quando chega na ilha de edição é que de fato ganha forma e ritmo. No meio destes três processos, tudo pode mudar, já tive muitas experiências de mudar completamente na edição a ideia do que foi gravado, e colegas como o renomado Daniel Rezende passaram por isso também.
O filme "Tropa de Elite", por exemplo, foi completamente mudado na ilha de edição, ao ponto de colocar o Capitão Nascimento como protagonista de um filme que não foi escrito para ele. Contudo, ainda assim, a edição é uma arte invisível e de fato poucas pessoas, inclusive os profissionais mais próximos, sabem a fundo a responsabilidade que é montar um filme.
M.V.: Sim. Um filme que acho horrível e um dos piores vencedores do Oscar de melhor filme da história, se chama "As aventuras de Tom Jones". Quem trabalhou no filme disse que o resultado foi intragável, mas que ele foi completamente mudado e salvo, na ilha de edição.
I.P.: Temos diariamente uma pedra bruta nas mãos que se lapidada da forma correta vira uma linda joia, mas que, se perder a mão, ela se quebra e só os cacos são apresentados. O Ilha de Ferro foi um trabalho onde eu e os demais editores tivemos bastante abertura para propor criações na edição. O Afonso Poyart tem uma característica interessante do universos dos Video-clipes que ele imprimiu muito nessa obra, e nos permitiu ter um grande volume de material e de opções, que nos deu oportunidade de criar muito, principalmente nas cenas de ação e alucinação dos personagens.
Sobre a segunda pergunta, a resposta é sim, é um desejo meu dirigir um longa há muitos anos, e ao longo da minha carreira como editor vim realizando projetos como diretor, entre eles, campanhas de publicidade, video-clipes, filmes institucionais e diversos outros projetos audiovisuais. Atualmente estou utilizando o período de quarentena por conta da epidemia do coronavírus, para revisar o segundo tratamento do meu longa, que se Deus quiser estarei filmando em breve.
4) Se pudesse, por um dia, ser um diretor (ou diretora) do cinema clássico (de qualquer país) e através deste dia, ver pelos olhos dele (a), uma obra prima sendo realizada, quem seria e qual o filme? E claro…porquê?
I.P.: Este é um poder digno de super herói, hein? Que maravilha...eu poderia citar os grandes clássicos dos primórdios do cinema como os do Georges Méliès, ou ainda a época de ouro dos musicais de Hollywood dos anos 50. Se eu tivesse esse super poder, eu queria não ver pelos olhos dele, mas estar ao lado e dar um super abraço no Sr. Walt Disney.
Seria fantástico poder agradecer não só pela contribuição para o cinema de animação mas por todo o universo criado. Não posso nem pensar em como seria mais triste o mundo se esse diretor não tivesse passado por aqui. Para mim, ele é um dos maiores exemplos de Diretor/Empreendedor que já tivemos, e o legado que ele deixou movimenta intensamente a indústria do entretenimento mundialmente.
5) Agora voltando à sua área de atuação. Qual trabalho realizado você ficou profundamente orgulhoso?
E em contrapartida, o que você mais se arrependeu de fazer, ou caso não tenha se arrependido, teria apenas feito diferente?
I.P.: Ao longo da minha trajetória tive orgulho de trabalhar com ótimos diretores e de realizar belíssimos projetos. Dentre essas obras, tenho um carinho muito especial pela parceria com o diretor Luiz Fernando Carvalho. Ele é um grande mestre para mim e participou ativamente do meu desenvolvimento profissional como Editor e Diretor.
Logo na primeira obra que realizei em parceria com ele, (Alexandre e Outros Heróis, de Graciliano Ramos) concorremos ao Emmy Internacional, e em seguida tive o prazer de liderar equipes com grandes editores em todas as demais obras do Luiz, até sua saída da TV Globo. Fizemos a novela "Meu Pedacinho de Chão" que considero esteticamente uma das obras primas da TV Brasileira, que também venceu diversos prêmios, e em seguida veio "Velho Chico" que trouxe o cinema para o horário das 21 horas na TV Globo.
Certa vez conversando com o Luiz ele me disse: "Eu não faço distinção estética entre produzir série, filmes ou novelas, meu compromisso é entregar o melhor ao público". E de fato era esse o compromisso, fazer o melhor independente da limitação de colocar um capítulo de 50 minutos no ar por dia. Era um trabalho imenso de todos os departamentos. Na edição, mesmo com uma equipe de nove editores me ajudando, cheguei a ficar mais de 24 horas trabalhando sem parar para colocar alguns capítulos no ar.
Mas dentre todos esses trabalhos que fiz que me trouxeram orgulho, a última obra que realizei com o Luiz Fernando, "Dois Irmãos" foi meu projeto mais maduro. Me trouxe um orgulho ver impresso naquela obra, todo o aprendizado que tive ao longo do período com o Luiz. Dois Irmãos é um caleidoscópio de um Brasil Manauara que atravessa o tempo, contado pelas deliciosas palavras do escritor Milton Hatoum, e pelas interpretações geniais de um elenco impecável.
O processo de edição também foi intenso, e pude editar a obra praticamente sozinho, propondo diversas coisas ao Luiz na ilha de edição. Mudamos a abertura, o final, e diversas cenas foram criadas e cortadas na montagem. As narrações presentes em toda a história, foram originalmente gravadas pelo próprio Luiz, onde ele alterava o que tinha sido previamente escrito e testava novas coisas no processo de edição. Tivemos mais uma parceria maravilhosa, e o último dia de edição de Dois Irmãos durou 28 horas ininterruptas e chegamos ao fim de uma jornada de aprendizado e muito orgulho pelas obras realizadas.
Quanto ao que eu me arrependo, acho que no início da minha carreira, durante o intenso processo de edição, o fato de ter que liderar um grande time em meio a uma rotina de stress, que muitas vezes era inevitável, posso ter sido mal interpretado na busca incessante pela excelência. Foi algo que, com a maturidade que adquiri ao longo dos anos e projetos, modifiquei em mim e na minha forma de liderar, passando a valorizar não só a parte artística e técnica mas também incentivando as relações humanas da equipe.
6) Algumas profissões rendem histórias interessantes, curiosas e às vezes engraçadas. E certamente, quem trabalha com cinema, tem suas pérolas. Lembra de alguma história legal que tenha acontecido durante a execução de algum trabalho seu e que possa compartilhar conosco? Alguma história de bastidores por exemplo…
I.P.: Sem dúvida uma das histórias mais interessantes que vivi até hoje foi minha jornada em Los Angeles. Depois do sucesso de "Meu Pedacinho de Chão", o Luiz Fernando Carvalho me deu um presente pelo meu desempenho, ganhei uma bolsa de estudos para estudar por dois meses cinema em Hollywood. Era um sonho antigo que eu achava quase impossível de realizar.
Eu venho de uma família humilde, minha mãe foi professora a vida inteira de uma pequena escola onde estudei com bolsa de estudos, meu pai também trabalhou como diretor no mercado audiovisual, mas teve muitos altos e baixos ao longo da carreira, o que nunca nos proporcionou uma estabilidade que me permitisse concretizar esse sonho. Então quando aconteceu foi maravilhoso, e lá fui eu viver meu sonho americano.
Porém minha bolsa garantia estadia, o curso e uma ajuda de custo para alimentação, mas quem conhece de cinema sabe que qualquer filme que você faça custa caro, e eu viajei com a grana bem contada para passar 8 semanas gastando em dólar…No treinamento que tive, nós produzíamos um curta por semana, e eu não tinha ideia dos custos extras que eu teria para fazer esses filmes. A pouca grana que eu tinha foi secando semana a semana, e no final do período eu teria que produzir meu curta de conclusão de curso.
Alguns colegas de turma tinham muita grana, gente que investiu pesado em equipamentos, e até equipe contratada para realizar seus filmes. Eu porém, sem recursos tive que fazer absolutamente tudo, Escrever, Iluminar, Filmar, Dirigir, Editar, e contava apenas com a ajuda de dois colegas do próprio curso que davam uma força.
Então escrevi um roteiro bem enxuto, na maioria com locações externas, para aproveitar, é claro, o cenário da bela cidade de Los Angeles. Até então os curtas que eu havia produzido no curso eram rodados dentro da cidade cenográfica da Universal Studios e dentro das instalações da escola, porém, uma semana antes de gravar meu curta final, fui informado que TODO lugar que eu filmasse fora da escola eu teria que PAGAR para filmar.
Já com meu cofrinho completamente vazio, tinha uma semana para pensar em um filme que pudesse ser INTEIRAMENTE rodado dentro do quarto onde eu morava, na sala onde eu estudava (porque nem pelas dependências da escola poderia) e na garagem do condomínio onde eu estava hospedado, porque nas outras dependências também era ilegal, mas confesso que meia dúzia de takes foram na ilegalidade mesmo. Assim surgiu meu curta, uma homenagem aos clássicos do "Film Noir" que é um gênero que sempre gostei, e que eu poderia fazer barato, esconder coisas nas penumbras estéticas e produzir com 400 dólares, grana essa que foi doada por um amigo rico, companheiro de classe que virou um dos "Produtores" do filme.
E para minha surpresa o filme foi eleito um dos melhores da classe, e me formei com a maior nota mesmo sem ter a estrutura que meus colegas tinham. Até hoje essa é uma das histórias que mais me orgulho, pois as dificuldades não foram capazes de impedir meu sonho nem de impedir que eu chegasse em um bom resultado.
7) Para finalizar, deixe uma frase famosa do cinema que te represente.
I.P.: Como uma boa criança nascida nos anos 80, fã de animação e filmes de fantasia, eu digo: "May the force be with you"
Porque é essa força, de acreditar no bem, que é possível realizar nossos sonhos, e que tudo que você faz com amor prospera, que acredito que mais me representa. Sou movido por amor, e essa para mim é a maior força!
M.V.: Obrigado. Foi um prazer.
I.P.: Obrigado Marcus pela oportunidade da entrevista. Um grande abraço.
Era uma rotina parecida, também um trabalho de várias horas solitárias, que tive que aprender para editar meus primeiros projetos. Nunca fiz curso de edição, aprendi a editar com um grande amigo que me ensinou os comandos via rádio Nextel, ele da casa dele e eu da minha. Comecei ajudando meu pai em alguns trabalhos, depois trabalhei em algumas produtoras até chegar na Tv Globo onde hoje trabalho há 10 anos.
2) Muitos adoram fazer listas de filmes preferidos. Outros julgam que é uma lista fluida. Para não te fazer enumerar vários filmes, nos diga qual o filme mais importante da sua vida. E há uma razão para a produção que citar ser destacada?
I.P.: Muitos filmes foram inspirações para minha vida e minha carreira. Acredito que o cinema tem esse poder, de além de entreter, apresentar universos que jamais poderíamos conhecer em nossas vidas cotidianas. Um filme que para mim resume isso é o "Cinema Paradiso" que me representa naquela criança que se apaixona por cinema na infância e guarda com carinho aquela arte no coração.
3) Quem trabalha com cinema no nosso país, certamente o faz por amor. Mas muitas vezes não imagina o impacto que algum filme, série ou personagem tem na vida das pessoas. "A ilha de ferro" foi, na minha opinião, uma das melhores séries da história da tv (aberta ou fechada) mundial. E sem dúvidas, a edição teve uma participação fundamental. Muitos esquecem de valorizar a edição, que no Oscar, inclusive, é considerado um dos principais prêmios.
Como você vê o reconhecimento desta área no Brasil? E pensa em migrar para a direção de longas?
I.P.: A edição é uma arte invisível, se ela é boa em um filme, ela simplesmente não aparece. Acredito que o cinema passa por três etapas principais no processo de contar histórias. A história que é concebida pelo Autor, é traduzida pelo Diretor no set, e quando chega na ilha de edição é que de fato ganha forma e ritmo. No meio destes três processos, tudo pode mudar, já tive muitas experiências de mudar completamente na edição a ideia do que foi gravado, e colegas como o renomado Daniel Rezende passaram por isso também.
M.V.: Sim. Um filme que acho horrível e um dos piores vencedores do Oscar de melhor filme da história, se chama "As aventuras de Tom Jones". Quem trabalhou no filme disse que o resultado foi intragável, mas que ele foi completamente mudado e salvo, na ilha de edição.
I.P.: Temos diariamente uma pedra bruta nas mãos que se lapidada da forma correta vira uma linda joia, mas que, se perder a mão, ela se quebra e só os cacos são apresentados. O Ilha de Ferro foi um trabalho onde eu e os demais editores tivemos bastante abertura para propor criações na edição. O Afonso Poyart tem uma característica interessante do universos dos Video-clipes que ele imprimiu muito nessa obra, e nos permitiu ter um grande volume de material e de opções, que nos deu oportunidade de criar muito, principalmente nas cenas de ação e alucinação dos personagens.
Sobre a segunda pergunta, a resposta é sim, é um desejo meu dirigir um longa há muitos anos, e ao longo da minha carreira como editor vim realizando projetos como diretor, entre eles, campanhas de publicidade, video-clipes, filmes institucionais e diversos outros projetos audiovisuais. Atualmente estou utilizando o período de quarentena por conta da epidemia do coronavírus, para revisar o segundo tratamento do meu longa, que se Deus quiser estarei filmando em breve.
4) Se pudesse, por um dia, ser um diretor (ou diretora) do cinema clássico (de qualquer país) e através deste dia, ver pelos olhos dele (a), uma obra prima sendo realizada, quem seria e qual o filme? E claro…porquê?
I.P.: Este é um poder digno de super herói, hein? Que maravilha...eu poderia citar os grandes clássicos dos primórdios do cinema como os do Georges Méliès, ou ainda a época de ouro dos musicais de Hollywood dos anos 50. Se eu tivesse esse super poder, eu queria não ver pelos olhos dele, mas estar ao lado e dar um super abraço no Sr. Walt Disney.
Seria fantástico poder agradecer não só pela contribuição para o cinema de animação mas por todo o universo criado. Não posso nem pensar em como seria mais triste o mundo se esse diretor não tivesse passado por aqui. Para mim, ele é um dos maiores exemplos de Diretor/Empreendedor que já tivemos, e o legado que ele deixou movimenta intensamente a indústria do entretenimento mundialmente.
5) Agora voltando à sua área de atuação. Qual trabalho realizado você ficou profundamente orgulhoso?
E em contrapartida, o que você mais se arrependeu de fazer, ou caso não tenha se arrependido, teria apenas feito diferente?
I.P.: Ao longo da minha trajetória tive orgulho de trabalhar com ótimos diretores e de realizar belíssimos projetos. Dentre essas obras, tenho um carinho muito especial pela parceria com o diretor Luiz Fernando Carvalho. Ele é um grande mestre para mim e participou ativamente do meu desenvolvimento profissional como Editor e Diretor.
Logo na primeira obra que realizei em parceria com ele, (Alexandre e Outros Heróis, de Graciliano Ramos) concorremos ao Emmy Internacional, e em seguida tive o prazer de liderar equipes com grandes editores em todas as demais obras do Luiz, até sua saída da TV Globo. Fizemos a novela "Meu Pedacinho de Chão" que considero esteticamente uma das obras primas da TV Brasileira, que também venceu diversos prêmios, e em seguida veio "Velho Chico" que trouxe o cinema para o horário das 21 horas na TV Globo.
Certa vez conversando com o Luiz ele me disse: "Eu não faço distinção estética entre produzir série, filmes ou novelas, meu compromisso é entregar o melhor ao público". E de fato era esse o compromisso, fazer o melhor independente da limitação de colocar um capítulo de 50 minutos no ar por dia. Era um trabalho imenso de todos os departamentos. Na edição, mesmo com uma equipe de nove editores me ajudando, cheguei a ficar mais de 24 horas trabalhando sem parar para colocar alguns capítulos no ar.
Mas dentre todos esses trabalhos que fiz que me trouxeram orgulho, a última obra que realizei com o Luiz Fernando, "Dois Irmãos" foi meu projeto mais maduro. Me trouxe um orgulho ver impresso naquela obra, todo o aprendizado que tive ao longo do período com o Luiz. Dois Irmãos é um caleidoscópio de um Brasil Manauara que atravessa o tempo, contado pelas deliciosas palavras do escritor Milton Hatoum, e pelas interpretações geniais de um elenco impecável.
O processo de edição também foi intenso, e pude editar a obra praticamente sozinho, propondo diversas coisas ao Luiz na ilha de edição. Mudamos a abertura, o final, e diversas cenas foram criadas e cortadas na montagem. As narrações presentes em toda a história, foram originalmente gravadas pelo próprio Luiz, onde ele alterava o que tinha sido previamente escrito e testava novas coisas no processo de edição. Tivemos mais uma parceria maravilhosa, e o último dia de edição de Dois Irmãos durou 28 horas ininterruptas e chegamos ao fim de uma jornada de aprendizado e muito orgulho pelas obras realizadas.
Quanto ao que eu me arrependo, acho que no início da minha carreira, durante o intenso processo de edição, o fato de ter que liderar um grande time em meio a uma rotina de stress, que muitas vezes era inevitável, posso ter sido mal interpretado na busca incessante pela excelência. Foi algo que, com a maturidade que adquiri ao longo dos anos e projetos, modifiquei em mim e na minha forma de liderar, passando a valorizar não só a parte artística e técnica mas também incentivando as relações humanas da equipe.
6) Algumas profissões rendem histórias interessantes, curiosas e às vezes engraçadas. E certamente, quem trabalha com cinema, tem suas pérolas. Lembra de alguma história legal que tenha acontecido durante a execução de algum trabalho seu e que possa compartilhar conosco? Alguma história de bastidores por exemplo…
I.P.: Sem dúvida uma das histórias mais interessantes que vivi até hoje foi minha jornada em Los Angeles. Depois do sucesso de "Meu Pedacinho de Chão", o Luiz Fernando Carvalho me deu um presente pelo meu desempenho, ganhei uma bolsa de estudos para estudar por dois meses cinema em Hollywood. Era um sonho antigo que eu achava quase impossível de realizar.
Eu venho de uma família humilde, minha mãe foi professora a vida inteira de uma pequena escola onde estudei com bolsa de estudos, meu pai também trabalhou como diretor no mercado audiovisual, mas teve muitos altos e baixos ao longo da carreira, o que nunca nos proporcionou uma estabilidade que me permitisse concretizar esse sonho. Então quando aconteceu foi maravilhoso, e lá fui eu viver meu sonho americano.
Alguns colegas de turma tinham muita grana, gente que investiu pesado em equipamentos, e até equipe contratada para realizar seus filmes. Eu porém, sem recursos tive que fazer absolutamente tudo, Escrever, Iluminar, Filmar, Dirigir, Editar, e contava apenas com a ajuda de dois colegas do próprio curso que davam uma força.
Então escrevi um roteiro bem enxuto, na maioria com locações externas, para aproveitar, é claro, o cenário da bela cidade de Los Angeles. Até então os curtas que eu havia produzido no curso eram rodados dentro da cidade cenográfica da Universal Studios e dentro das instalações da escola, porém, uma semana antes de gravar meu curta final, fui informado que TODO lugar que eu filmasse fora da escola eu teria que PAGAR para filmar.
Já com meu cofrinho completamente vazio, tinha uma semana para pensar em um filme que pudesse ser INTEIRAMENTE rodado dentro do quarto onde eu morava, na sala onde eu estudava (porque nem pelas dependências da escola poderia) e na garagem do condomínio onde eu estava hospedado, porque nas outras dependências também era ilegal, mas confesso que meia dúzia de takes foram na ilegalidade mesmo. Assim surgiu meu curta, uma homenagem aos clássicos do "Film Noir" que é um gênero que sempre gostei, e que eu poderia fazer barato, esconder coisas nas penumbras estéticas e produzir com 400 dólares, grana essa que foi doada por um amigo rico, companheiro de classe que virou um dos "Produtores" do filme.
E para minha surpresa o filme foi eleito um dos melhores da classe, e me formei com a maior nota mesmo sem ter a estrutura que meus colegas tinham. Até hoje essa é uma das histórias que mais me orgulho, pois as dificuldades não foram capazes de impedir meu sonho nem de impedir que eu chegasse em um bom resultado.
7) Para finalizar, deixe uma frase famosa do cinema que te represente.
I.P.: Como uma boa criança nascida nos anos 80, fã de animação e filmes de fantasia, eu digo: "May the force be with you"
Porque é essa força, de acreditar no bem, que é possível realizar nossos sonhos, e que tudo que você faz com amor prospera, que acredito que mais me representa. Sou movido por amor, e essa para mim é a maior força!
M.V.: Obrigado. Foi um prazer.
I.P.: Obrigado Marcus pela oportunidade da entrevista. Um grande abraço.