AMARGO PESADELO (1972) - FILM REVIEW
Amargo pesadelo é um dos filmes seminais dos anos 70, uma das grandes décadas para o cinema, não só pelos filmes feitos, mas pelos cineastas que ali despontaram. Era a Nova Hollywood que ditou as regras do cinema para as décadas a seguir.
O filme conta a história de quatro amigos, Ed Gentry (Jon Voight), Lewis Medlock (Burt Reynolds), Bobby Trippe (Ned Beatty) e Drew Ballinger (Ronny Cox),que decidem descer de canoa um rio das florestas da Geórgia, antes que toda a região se transforme em uma represa. Depois de advertências dos habitantes locais, Drew participa de um Duelo de Banjos com um menino mudo e então eles iniciam a viagem.
Inicialmente se exultam com a beleza da natureza e a emoção inicial das correntezas. No entanto, no dia seguinte, as coisas começam a tomar um rumo pior, quando Bobby e Ed decidem descansar na margem, depois de se separarem de Lewis e Drew. Dois montanheses armados saem da floresta, amarram Ed e um deles estupra Bobby. Lewis e Drew os resgatam, mas o ataque que sofreram, muda totalmente o clima da viagem. Além disto, o rio fica cada vez mais perigoso.
Para minimizar os custos de produção o filme não teve dublês, obrigando os atores a realizarem todas as suas cenas. Por conta desse detalhe Marlon Brando, James Stewart e Henry Fonda recusaram o papel de Lewis Medlock. Jack Nicholson concordou em interpretar Ed., mas o salário exigido (junto com o de Brando), fez eles serem descartados. Curiosamente a dupla faria pouco tempo depois o filme "Duelo de gigantes", de Arthur Penn.
E uma curiosidade sobre estes nomes: Brando foi para Poderoso chefão em que Burt foi cotado para ser Michael. Mas o destino quis que eles seguissem caminhos diferentes. Em 1973, os dois filmes foram concorrentes no Oscar, mas Poderoso chefão levou a melhor. E Al Pacino, que fez o papel de Michael, teve sua carreira catapultada. Por outro lado, Burt seguiu a linha do "sacana esperto que se dá bem", como em "Agarra-me se puderes" de 1977. Tanto na comédia como em filmes policiais.
Lee Marvin também foi cotado e depois de ler o roteiro, disse que ele e Brando eram muito "velhos" e seriam incapazes de lidar com as difíceis cenas do rio, e sugeriu que Boorman usasse atores mais jovens. Brando e Marvin tinham 48 anos. Os atores escolhidos estavam na faixa dos 34 para 36 anos. Donald Sutherland recusou o papel de Ed porque se opôs à violência do roteiro. Mais tarde, ele disse que se arrependeu dessa decisão.
Porém, como não eram dublês, o risco de se machucarem aumentou exponencialmente. Burt Reynolds quebrou seu cóccix enquanto descia as corredeiras quando a canoa virou. Originalmente, um boneco de pano foi usado, mas parecia muito falso, sendo nítido que era um boneco caindo em uma cachoeira. Enquanto Reynolds se recuperava, ele perguntou como foi sua atuação. O diretor John Boorman prontamente respondeu: "Como um manequim caindo em uma cachoeira."
Outros exemplos de "economia" da produção: foi o próprio Jon Voight quem escalou o penhasco. Também para diminuir os custos e aumentar o realismo, os residentes locais foram escalados para os papéis do povo da montanha.
A obra foi toda filmada em sequência, à exceção da cena do "Duelo dos Banjos", entre Cox e um local (também no início), que foi a primeira cena filmada. Billy Redden, o menino com o banjo, adorava Ronny Cox, mas não tinha nenhuma simpatia por Ned Beatty. No final da cena do duelo dos banjos, o roteiro pedia que Billy endurecesse sua expressão em relação ao personagem de Cox, mas Billy não podia fingir que odiava Cox. Para resolver o problema, eles fizeram Beatty se aproximar de Billy no final da cena. Quando Beatty se aproximou, Billy endureceu a expressão e desviou o olhar. Quem não conhece esta história, fica sem entender a reação do garoto.
De acordo com o diretor, a dança do frentista do posto de gasolina durante esta cena foi improvisada e espontânea. A maior parte dos diálogos foi retirado quase literalmente do romance original. Sam Peckinpah tinha interesse em levar o livro de James Dickey ao cinema, mas John Boorman foi mais rápido ao assegurar os direitos da adaptação. Sam acabou indo para outra obra: Sob o domínio do medo.
O excelente diretor de fotografia Vilmos Zsigmond, falecido em 2016, teve um trabalho extra na produção, pois grande parte do filme teve que ter sua cor dessaturada porque o rio parecia muito bonito. Isto é visível desde a primeira cena. John Boorman queria Vilmos Zsigmond como diretor de fotografia porque ele filmou a famosa invasão soviética da Hungria em 1956. Boorman calculou que qualquer pessoa que tivesse filmado sob a ameaça de tanques e armas russos seria ideal para uma filmagem intensiva e estafante, o que este filme prometia ser.
A cena de escalada do penhasco, citada mais acima, foi filmada durante o dia e foi aplicado um tom azulado adicionado na pós-produção para dar a sensação de que era mais tarde. A filmagem do tipo "dia por noite" era comum até o final dos anos 1970 por causa dos estoques de filme lentos e das lentes anamórficas que não deixavam entrar tanta luz quanto as lentes esféricas, exigindo muitas luzes.
Para a chocante cena do estupro, John Boorman estava procurando um ator para interpretar o caipira desdentado, quando Burt Reynolds sugeriu Herbert "Cowboy" Coward, que não tinha dentes da frente, era analfabeto e gaguejava. Reynolds já havia trabalhado com Coward em um show do Velho Oeste em Maggie Valley, Carolina do Norte.
Era bastante comum a imersão dos atores nos personagens, mas no caso de Amargo pesadelo, um fato curioso aconteceu: o autor James Dickey só se dirigia aos atores chamando-os pelos nomes dos personagens. Sobre a coragem dos quatro atores principais fazendo suas próprias acrobacias sem proteção, Dickey enalteceu o grupo, dizendo como eram bravos e aplicados, além de aparentemente, não terem noção do risco que corriam E foi o próprio Dickey que deu a Burt Reynolds alguns dias de aulas de arco e flecha.
Spoiler Alert
Para a cena da morte do personagem de Ronny Cox não usou próteses. Ronny Cox tem hipermobilidade (em termos leigos, ele é "articulado"). Ele sugeriu a John Boorman que seu braço parecesse torcido em volta do pescoço quando seu corpo fosse descoberto.
E quando os amigos o deixam, o ator treinou prender a respiração e não piscar por dois minutos. Pela cena ser tão chocante e crua, Boorman ficou sob grande pressão para cortar a maior parte da cena da morte de Bill McKinney. Depois de uma discussão acalorada, ele excluiu apenas seis quadros.
Fim do Spoiler Alert
Um final alternativo foi filmado, mas cortado da versão final. Acontece algumas semanas, talvez meses, após os eventos principais. Ele apareceu no roteiro original de James Dickey como parte da sequência final do sonho, mas não como a conclusão literal da história. Lewis caminha com uma muleta (no roteiro de Dickey, sua perna é amputada abaixo do joelho). Ed, Lewis e Bobby se encontram com o xerife Bullard perto da represa em Aintry.
O xerife os direciona a um corpo em uma maca e o descobre para que possam olhar seu rosto. Nenhum detalhe identificável do corpo é mostrado, uma escolha deliberada para deixar o público em dúvida se o homem morto é Drew, Don Job ou o Homem desdentado. No roteiro, Ed acorda do sonho, apavorado, pouco antes de o rosto do cadáver ser revelado.
E para finalizar, o Duelo dos Banjos e o Gângster.
"O duelo dos banjos" foi arranjado e tocado para o filme por Eric Weissberg e Steve Mandell e foi incluída em sua trilha sonora. Como Arthur "Boogie" Smith não foi reconhecido como compositor pelos diretores, ele os processou e ganhou. Ela foi escrita em 1955 e foi usada em um episódio de The Andy Griffith Show (1960) em outubro de 1963.
Curiosamente, todos foram no "rastro" do erro provocado pelo filme. Até Grammy de Melhor "Canção Original", a música venceu.
O que nos leva ao Disco de ouro da canção, que ficava na casa do diretor John Boorman. Ele foi roubado por Martin Cahilll. Cahill se tornou um notório criminoso irlandês de Dublin. Na mídia, ficou conhecido pelo apelido "O General". Ele era um dos seis irmãos, todos criminosos.
Boorman retratou o crime em seu filme sobre Cahill, O General (1998). Mas ai, claro, já é outra história....