IGOR COTRIM - RESPONDE ÀS 7 PERGUNTAS CAPITAIS
1) É comum lembrarmos com carinho do início da nossa relação com o cinema. Os filmes ruins que nos marcaram, os cinemas frequentados (que hoje, provavelmente, estão fechados), as extintas locadoras de VHS que faziam parte do nosso cotidiano.
Você é um apaixonado por cinema? Conte-nos um pouco de como é sua relação com a 7ª arte.
I.C.: Meu pai, quando eu tinha 9 anos lá em Guarulhos, fez um quarto separado de casa para mim. Tinha alçapão com uma escada Santos dumont e lá eu tinha uma televisão. Então eu pude ver filmes de madrugada, na Globo, na TV Cultura. E por causa dela, passei a conhecer Akira Kurosawa, John Ford, François Truffaut e passei a ser irradiado pelo cinema, neste quarto.
Curioso que as pessoas têm tanto medo de spoilers e eu tenho uma história engraçada sobre isto. No meu colégio, o diretor do colégio Cerqueira César, Guadal, colocava no jornal da tarde os filmes que passariam à noite e com isto eu já sabia o que eu iria assistir. E eu tinha uma coleção da Revista Mad, que fazia sátiras dos filmes desenhadas pelo Mort Drucker e o Angelo Torres, que não só davam spoilers dos filmes, mas sacaneavam as obras. E mesmo assim, eu conseguia absorver o filme, ver como a história era contada. E isto criou aquela magia, mesmo aos 9 anos. Ao mesmo tempo você descobre o porquê da classificação indicativa (risos). Imagine eu assistindo "Sob o domínio do medo", de Sam Peckinpah, com o Dustin Hoffman matando todo mundo e eu tendo espasmo assistindo,
Meu pai contribuía ainda me levando em sebos para colecionar selos (e lá tinha muito material de cinema) e levava nos cinemas para ver os filmes, e tudo isto me levou a gostar de cinema.
2) Muitos adoram fazer listas de filmes preferidos. Outros julgam que é uma lista fluida. Para não te fazer enumerar vários filmes, nos diga qual o filme mais importante da sua vida.
E há uma razão para a produção que citar ser destacada?
I.C.: O ator que eu mais gosto desde pequeno é o Jack Nicholson. Eu ia para o colégio, para o clube ACM Guarulhos, com uma pasta com críticas do ator. Não era uma pasta com fotos do Jack Nicholson, mas eram textos sobre ele. Eu por exemplo, conhecia toda a história do Roger Corman, que o ajudou, bem como deu chance ao De Niro, Joe Dante, Francis Ford Coppola. Ele era um grande diretor, que eu adoro em "Pequena loja dos horrores".
E o filme mais completo para mim é Um estranho no ninho, do Milos Forman. Foi o segundo filme na história do Oscar a ganhar os 5 principais, que são Filme, Direção, Ator (Nicholson), Atriz (Louise Fletcher) e Roteiro de Bo Goldman. Os outros dois filmes que venceram os 5 são Aconteceu naquela noite (1934), de Frank Capra e O Silêncio dos inocentes (1991), de Jonathan Demme.
Um estranho no ninho, além de ter comédia e drama, tem uma crítica muito forte à instituição manicomial, sem contar que o filme tem um dos maiores vilões da história do cinema, que é a Ratched (Louise Fletcher), quase a personificação do demônio. Jack faz um rebelde chamado McMurphy que protagoniza uma das histórias mais lindas de amizade, entre ele e o Bromden (Will Sampson). É um filme que mexe comigo, que ainda tem Christopher Lloyd, Danny Devito e até Vincent Schiavelli, que fez o fantasma do filme Ghost, do outro lado da vida.
M.V.: Duas curiosidades sobre isto. Vincent Schiavelli faleceu precocemente de câncer, em 2005 aos 57 anos. Patrick Swayze, que atuou em Ghost como todos sabemos, faleceu precocemente de câncer, em 2009 aos 57 anos.
E Ghost concorreu ao Oscar em 1991, ano que saiu Silêncio dos inocentes, que venceria o Oscar no ano seguinte. E mais interessante ainda, citou De Niro e Francis Ford Coppola acima. De Niro concorreu ao Oscar por Tempo de despertar, neste mesmo ano de Ghost. E Coppola por Poderoso chefão 3. E para fechar, no mesmo ano de Ghost, Dante lançou Gremlins 2 e concorreu e venceu alguns prêmios em 1991. Estas coincidências mostram que seus exemplos têm conexão e que Corman tinha um faro ótimo para talentos.
3) Você estreou no teatro, foi para a Tv e fez diversos programas famosos, trabalhou em novelas, filmes, fez um brilhante papel em O Matador, primeiro longa-metragem brasileiro da Netflix. Qual o conselho deixaria para a geração que está começando na área? Quais são os erros mais comuns que um ator iniciante deveria evitar?
I.C.: Eu me formei em teatro na Escola de Arte Dramática da USP, e logo que concluí o curso me chamaram para fazer uma participação no Sandy & Júnior. Eu iria fazer apenas dois domingos, e acabei ficando 3 anos e meio. Foram 4 anos de série. O personagem era para se chamar "Osvaldo", mas como era para ser algo engraçado, perguntei ao diretor se podia mudar o nome para Cleosvaldo. E aí o personagem fez o maior sucesso e foi querido do público.
Então, o que eu falo para as pessoas que estão começando, mesmo que estejamos em outro momento, em que até os likes e quantidades de seguidores no instagram são determinantes, isto não é o resultado, pois o importante é estudar, se alimentar de cultura, ler, assistir filmes, se interessar pelos assuntos, se preparar. Uma característica essencial para você ser um intérprete: ter empatia.
M.V.: Verdade. Acho que a grande maioria que faz sucesso hoje, desta geração mais nova, não tem qualificação nenhuma. Podem até ter notoriedade, mas é uma jornada pessoal completamente vazia. E muitas vezes, sem empatia.
I.C.: Sim. Outra coisa. Tipo, o Bruno Ganz, ele não precisou ser alinhado com as ideias do Hitler para fazer um ótimo personagem em a "A queda". Quando eu fiz "Os príncipes", do Luiz Rosemberg Filho, que é um filme muito importante sobre a banalização da violência, meu personagem é violento e totalmente diferente de mim. Mas eu tive que tentar entrar neste mundo para poder fazer, e também, tem que se despedir dos personagens para você ficar bem.
4) Algumas profissões rendem histórias interessantes, curiosas e às vezes engraçadas. E certamente, quem trabalha com cinema, tem suas pérolas.
Lembra de alguma história legal que tenha acontecido durante a execução de algum trabalho seu e que possa compartilhar conosco? Alguma história de bastidores por exemplo…
I.C.: Eu tenho 3 situações de quando eu fiz Elvis e Madona, dirigido pelo Marcelo Laffitte, que ganhei 6 prêmios, inclusive um importantíssimo que foi o da Astra Rio, a Associação de Travestis e Pessoas Transexuais do RJ, que me deixou muito emocionado de ter ganho.
Mas voltando, com o filme, tive que passar por situações muito complicadas. Primeiro, eu estava com o pessoal da produção, que me pediu para eu passar numa farmácia para comprar o mesmo esmalte de unha que eu estava usando, por causa da continuidade. Chegando lá, tinham quatro homens. Coloquei as mãos sobre o balcão, e com as unhas vermelhas descascadas, perguntei para eles: "Vocês têm Gabriela?" Eles me olharam com "aquela" cara, mas me entregaram e não falaram mais nada. Foi engraçado e constrangedor.
Numa segunda situação, foi engraçado eu ter que colocar meu "pacote" para trás, por eu estar de collant e não poder aparecer. Então eu pedi um esparadrapo, mas eles erraram e pegaram para mim um remédio de contratura, tipo um "Emplastro Sabiá" com cânfora. Quando coloquei, aquilo começou a queimar, tive que sair correndo e fui tomar um banho sentado na pia para aliviar.
E para fechar, a terceira situação que passei no Elvis e Madona, que foi a mais engraçada. Quando o filme estava pronto, fomos assistir e depois de mais de meia hora de filme minha tia Miriam, pergunta preocupadíssima:
"-Cadé o Igor?". E Responderam: "- O Igor é o que faz a travesti, a Madona".
E ela: "Ai Meu Deus!!!".
5) Se pudesse, por um dia, ser um ator (ou atriz) do cinema clássico (de qualquer país) e através deste dia, ver pelos olhos dele (a), uma obra prima sendo realizada, quem seria e qual o filme?
I.C.: Eu queria estar nos olhos de Jack Nicholson e ver todo o trabalho dele em "Um estranho no ninho". Em uma cena em particular, a enfermeira faz uma votação para mudar o horário da sessão de terapia. Ele consegue 9 votos, mas ela diz que são 18 pessoas, por tanto, ele precisa de mais 1 para formar a maioria. E ele faz a cena de forma desesperada (com atores e no meio deles, pessoas que são realmente pacientes, e você percebe isto) tentando convencer as pessoas de darem o voto decisivo.
Estava 9 a 9, e os outros votos eram das pessoas desta ala do hospital. Ele finalmente consegue convencer o índio a votar. Mas a enfermeira diz que a votação havia sido encerrada quando estava empatado. Daí ele sai com raiva, senta na frente da pequena televisão e começa a narrar um jogo de baseball imaginário. E todos os internos ficam emocionados com ele.
Esta cena é para mim uma das coisas mais legais do cinema. Eu queria estar dentro do Jack Nicholson, tipo "Quero ser John Malkovich", quando ele atuou nesta sequência.
6) Agora voltando à sua área de atuação. Qual trabalho realizado você ficou profundamente orgulhoso?
E em contrapartida, o que você mais se arrependeu de fazer, ou caso não tenha se arrependido, teria apenas feito diferente?
I.C.: Fiz muitas coisas que tenho muito orgulho. Adoro Sandy & Júnior, por exemplo, mas “Elvis e Madona” é o que tenho mais orgulho porque nele tem a função social do ator. E outro que posso citar, por ser um personagem muito sofrido e interessante pela minissérie Amor de 4, escrita por Marcelo Santiago e dirigida por ele e pelo José Joffily, com produção do LC Barreto, a Paula Barreto produzindo junto com a Caravela Filmes e calhou que foi o maior sucesso do Canal Brasil e vai estrear em março / 2021 a segunda temporada, chamada de Amor de 4 + 1, porque entra mais um personagem no romance da história, com dois casais com uma tensão sexual (e social) sem limites. Meu personagem é o Miguel e ainda tive o prazer de contracenar com o grande Antônio Pitanga. Ela estréia dia 5 de março.às 22:30 no Canal Brasil.
Até as coisas que não deram certo tiveram importância. Um exemplo que seria meio óbvio de falar é que eu me arrependo de ter feito a Fazenda, porque é um Reality show, mas não.Eu consegui fazer uma coisa tão bacana neste Reality, que tinha Karina Bacchi, foi um aprendizado tão grande que as pessoas vieram enaltecer meu caráter no programa. Então, mesmo algo que poderia ser considerado um "senão" na minha carreira, foi produtivo. Todas as experiências da nossa vida, mesmo aquelas não tão boas, nos trazem coisas positivas. E eu como artista, como intérprete, vou pegando tudo isto e filtrando. E na minha visão, fiquei feliz pelo que fiz lá.
7) Para finalizar, deixe uma frase famosa do cinema que te represente.
I.C.: Vou falar uma frase que é muito famosa, e não é para fazer brincadeira com os chineses nesta Pandemia. O filme é Chinatown, filme de Roman Polanski, com o roteiro do Robert Towne e também um trabalho maravilhoso do Jack Nicholson, onde muita coisa deu errado e desde a pré produção havia discussões A produção, do Robert Evans, queria um final feliz e o Polanski não aceitou de forma nenhuma. E na cena que encerra o filme, após uma cena trágica, o J.J. Gittes (Nicholson) fica atônito, desolado, sem saber o que fazer, e um dos personagens diz a ele:
Forget it, Jake. It's Chinatown.
M.V.: Obrigado amigo. Foi um prazer imenso poder falar com você e escutar suas histórias.
I.C.: O prazer foi meu. E fique de olho nos meus próximos projetos. Este ano vou fazer Nietzsche o em "O Martelo e a Coroa" do diretor Bruno Souza, com Werner Schunneman, que mostra o encontro de Nietzsche com Dom Pedro II. E vou participar do meu primeiro longa internacional, do Scott Eldridge, chamado The Cabbie da Cintámani Films, que será um filme de arte, filmado em Santiago no final de 2021 e eu farei o protagonista. Eu fiz recentemente um filme chamado Amado, muito interessante, do Eduardo Felistoque e Erik de Castro, com Sérgio Menezes, Adriana Lessa e Sérgio Cavalcante, que é um filme de ação sobre a corrupção da polícia, além de um seriado chamado “Rally, paixão e fúria” filmado nos sertões do Brasil, com Adriana Lessa, Jarbas Homem de Mello, Cacau Melo, Maximiliana Reis e dirigido por Rony Guilherme Deus. A gente também vai fazer um curta metragem sobre gravidez na adolescência, e a Adriana faz a mãe e eu o pai, e o diretor é o responsável pela fotografia de Amado e eu tive uma colaboração no roteiro. O curta se chamará "Estou aqui" e o diretor, Lucci Antunes.
Agora você imagina, passamos uma Pandemia, e consegui fazer um monte de coisas boas. E todos os trabalhos foram feitos com distanciamento, precauções, teste de COVID e muito álcool em gel.
Grande abraço e foi um prazer.