SUSPEITA (1941) - FILM REVIEW
Hitckcock é um diretor único. Sua genialidade transcende as telas e o tempo, mostrando como suas obras são sempre atuais para novas gerações conhecerem e admirarem. Suas experimentações viraram referência para as gerações que viriam. Um Brian de Palma, por exemplo, moldou sua carreira emulando, com muita propriedade, os melhores momentos dos filmes de Hitch.
Suspeita é mais um filme genial de sua gigante filmografia, não só em tamanho, mas em importância. Pessoas dedicam tempo ao estudo de seus filmes, métodos e ensinamentos. Eu mesmo fiquei dias fazendo um post sobre as aparições de Hitch nas telas. Descobri que algumas delas ninguém jamais encontrou, de tão bem escondidas. Este era Alfred, fazia sempre pegadinhas. Até quando recebeu seu American Film Institute, um prêmio tipo um Oscar Honorário, simulou o roubo da estatueta (uma enorme estrela), ao escondê-la no paletó. Isto foi em 1979, 1 ano antes de falecer, aos 79 anos.
Na história de Suspeita, o playboy e apostador Johnnie Aysgarth (Cary Grant) conhece Lina McLaidlaw (Joan Fontaine) em um trem na Inglaterra e a encanta, apesar da forte desaprovação de seu rico pai, o general McLaidlaw (Sir Cedric Hardwicke). Ela foge de casa com ele, e depois de uma lua de mel luxuosa, Lina descobre que Johnnie não tem emprego nem renda, habitualmente vive com dinheiro emprestado. Ela o convence a conseguir um emprego, e ele vai trabalhar para seu primo, o agente imobiliário Capitão Melbeck (Leo G. Carroll).
Gradualmente, Lina descobre que Johnnie continuou o vício de apostar, apesar de prometer largar esta vida. Aos poucos, os gastos excessivos e o questionável senso de humor do cônjuge são o prelúdio para que ela perceba ser ele um homem perigoso, dissimulado e possivelmente capaz de atos violentos para obter o que deseja. Ao descobrir seu interesse por grandes crimes e venenos infalíveis, ela se sente uma vítima em potencial de alguém que não consegue deixar de amar.
Alfred Hitchcock versus Produtores
Os produtores não permitiram que o final do livro fosse reproduzido fielmente no filme. Cary Grant deveria preservar sua figura de mocinho e o desfecho original era trágico por demais segundo eles. A solução não foi rápida e a dúvida permaneceu já com as filmagens iniciadas. Muito se cogitou e escreveu, até que o fim satisfatório para ambas as partes, diretor e produtores, fosse finalmente encontrado. Alfred Hitchcock originalmente queria Johnnie como o culpado, mas o estúdio achou que o público não aceitaria Cary Grant como um assassino. Uma das autoras do roteiro foi Alma Reville, mulher de Alfred Hitchcock e sua mais chegada colaboradora. Ela contribuiu em todos os filmes do marido, e geralmente não era creditada.
Este desencontro ocorreu por um motivo: em novembro de 1939, Nathanael West foi contratado como roteirista pela RKO Radio Pictures, onde colaborou com Boris Ingster em uma adaptação cinematográfica do romance. Os dois escreveram o roteiro em sete semanas, com West focando na caracterização e no diálogo, enquanto Ingster trabalhava na estrutura narrativa. Quando RKO designou "Before the Fact" para Hitchcock, ele já tinha seu próprio roteiro, substancialmente diferente, creditado a Samson Raphaelson, Joan Harrison (seu assistente pessoal) e Alma Reville.
Em alguns momentos, o roteiro de Suspeita segue fielmente o enredo do romance. No entanto, existem várias diferenças importantes entre o romance e sua versão cinematográfica. Por exemplo, a infidelidade de Johnnie Aysgarth não aparece no filme: a melhor amiga de Lina com quem Johnnie tem um caso não aparece, e Ethel, sua empregada, não tem um filho ilegítimo de Johnnie.
O final, modificado pelo estúdio, gerou diversas controvérsias e teses ao longo dos anos, já que muitos apostam que Hitch odiou fazer o final do filme diferente do livro. E que isto foi tema de diversas discórdias. Outros dizem que Hitch apenas opinou sua preferência, sendo o final que vimos ser de comum acordo.
Como no romance, o general McLaidlaw se opõe ao casamento de sua filha com Johnnie Aysgarth. Nas duas versões, Johnnie admite livremente que não se importaria com a morte do general, porque espera que Lina herde uma fortuna substancial, o que resolveria seus problemas financeiros. O livro, no entanto, é muito mais sombrio, com Johnnie incitando o general a se esforçar até o ponto em que ele cai e morre. No filme, a morte do general McLaidlaw é relatada apenas e Johnnie não está envolvido.
Originalmente, a dupla George Sanders e Anne Shirley iria estrelar a produção, que seria um filme “B”. Mas quando Alfred Hitchcock se envolveu, o orçamento aumentou e Laurence Olivier e Frances Dee foram chamados. Mas como de costume, mudaram o par central para Cary Grant e Joan Fontaine. Fontaine teve que ser emprestada a David O. Selznick por um valor alto. Valeu a pena. Joan tornou-se a única atriz a ganhar um Oscar (na categoria de melhor atriz principal) pela atuação num filme de Hitchcock.
Mas muitos especialistas acham que ela venceu porque não ganhou no ano anterior, quando foi indicada para Rebecca, uma Mulher Inesquecível (1940). Esta forma compensatória do Oscar é outra "mania" de Hollywood, pensando que estão, assim, corrigindo injustiças.
Joan Fontaine gostou tanto do personagem de Lina, que enviou uma nota a Alfred depois de ler o romance "Before the Fact" oferecendo interpretar o papel de graça, se necessário. Já Cary Grant não se entusiasmou com Joan, achando-a temperamental e pouco profissional. Segundo a historiadora do cinema Felicia Feaster, a frustração de Cary Grant com Alfred Hitchcock decorreu do comportamento atencioso em relação à protagonista, Joan Fontaine. Grant sentiu que Hitchcock deu a Fontaine tratamento preferencial em detrimento de seu personagem. Esse comportamento levou a um relacionamento amargo ao longo da vida entre Grant e Fontaine, exacerbado pelo sucesso do Oscar e pelo desprezo percebido por Grant neste filme.
O historiador do cinema Ben Mankiewicz observou que Cary Grant ficou tão descontente com sua experiência com o diretor Alfred Hitchcock durante a realização deste filme, que ele prometeu publicamente nunca mais trabalhar com Hitchcock. No entanto, Grant e Hitchcock colaboraram em mais três filmes, Interlúdio (1946), Ladrão de Casaca (1955) e Intriga Internacional (1959).
O retrato de um gênio
Em entrevistas, Alfred Hitchcock disse que um executivo da RKO ordenou que todas as cenas em que Cary Grant parecesse ameaçador fossem excluídas do filme. Quando o corte foi concluído, o filme durou apenas 55 minutos. As cenas foram restauradas mais tarde, disse Hitchcock, porque ele filmou cada pedaço de filme para que houvesse apenas uma maneira de editá-las corretamente.
Hitch sempre foi um sábio marqueteiro e pertencia a seleto grupo de gênios insubordinados. Para ver suas obras chegarem às telas como queria, fazia uso de uma característica que os gestores dos grandes estúdios não tinham: visão. Alfred via depois da curva, e colocou nas telas imagens que nós nem sabíamos que precisávamos ainda, mas que hoje são essenciais.