QUANDO FALA O CORAÇÃO (1945) - FILM REVIEW
Se levarmos em conta o efeito produzido pela sua extensa filmografia nas pessoas, Alfred Hitchcock é o maior diretor do cinema. De exímio marketeiro a experimentador incansável (fez filmes em 3D, matou a personagem principal na metade da trama, realizou remake de sua própria obra, melhorando-a, utilizou técnicas nunca vistas), Hitch é para ser admirado e estudado.
Hoje vamos falar um pouco sobre "Quando fala o coração", filme que reúne Gregory Peck e Ingrid Bergman e mostra a Dra. Constance Petersen (Ingrid Bergman), que trabalha como psicóloga em uma clínica para doentes mentais. O local está prestes a mudar de direção, com a substituição do Dr. Alexander Brulov (Michael Chekhov) pelo Dr. Edward (Gregory Peck). Ao chegar o Dr. Edwards surpreende os médicos locais pela sua jovialidade e também por seu estranho comportamento. Logo Constance descobre que ele é na verdade um impostor, que perdeu a memória e não sabe quem é nem o que aconteceu com o verdadeiro Dr. Edwards.
Hitch usava, com maestria, o macGuffin, um dispositivo de enredo que ele ajudou a popularizar, e que nada mais era que um artifício para fazer a trama girar. Andar em alguma direção ou mesmo, mudar no meio do caminho. Hitch fazia do macGuffin um aviso de que seus filmes nunca eram o que pareciam ser.
Salvador
Alfred Hitchcock era um grande admirador da obra de Salvador Dalí e percebeu que ninguém entendia melhor as imagens dos sonhos. O produtor David O. Selznick se opôs a usar Dalí porque entendia que iria encarecer a obra, até que percebeu que o ganho de marketing poderia valer a pena.
Portanto, a sequência do sonho que vemos na tela foi desenhada por Dali. Bom, em parte, o que gerou talvez o desconforto mais conhecido do filme. Originalmente a cena deveria durar um pouco mais (informações que ela duraria 22 minutos são puro delírio). Havia uma cena em um salão de baile com pianos pendurados e figuras paradas fingindo dançar, seguida por John Ballantyne (Gregory Peck) dançando com o Dr. Petersen (Ingrid Bergman), que então se transforma em uma estátua. Para criar a ilusão de uma sala de grande tamanho, pessoas de pequeno porte foram usadas no fundo em um cenário em escala reduzida, mas o resultado final não satisfez Hitchcock ou Dali e nem mesmo o produtor. Ela então foi então cortada.
Mas há mais histórias por trás da cena. Selznick a achou chata (em suas palavras) e contratou William Cameron Menzies, do clássico "Daqui a cem anos" e que já havia trabalhado com ele em "E o vento levou", para refazer as ideias de Dali para a sequência, que filmou novos close-ups do corte no olho gigante. Houve tantos cortes, novos takes e novas dublagens que o produtor decidiu que a cena não seria creditada mais somente a Dali, e sim dele associado a outros trabalhos. Mas por contrato, continuou creditada a Dali, porque se não fosse por este motivo, Selznick o retiraria por completo.
Tempos depois, quando Dali viu o filme pronto, lamentou a quantidade imensa de cortes. E Hitchcock, que obviamente ficou descontente, disse que suas visões eram surreais demais, mesmo para Hollywood. O fato curioso é que, dizem os fofoqueiros, que Menzies não gostou do resultado e pediu para não ser creditado.
Mesmo assim, a cena inspirou diversas obras no cinema e um dos cineastas que fizeram de forma mais notável foi Roman Polanski, que usou em Repulsa ao sexo (1965) e O Bebê de Rosemary (1968).
O. Selznick queria que grande parte do filme fosse baseado em suas experiências em psicoterapia. Ele até trouxe seu psicoterapeuta no set para ser um consultor técnico. Ele e Hitch discutiram sobre o assunto, e disse que Selznick estava levando a produção a sério demais. Alfred convenceu o produtor a comprar os direitos de adaptação do livro de John Palmer e Hilary St. George Sanders a fim de adaptá-lo. O roteirista Ben Hecht consultou muitos dos principais psicanalistas da época.
Como a psiquiatria ainda era um assunto relativamente novo para Hollywood, o elenco e a equipe tiveram que receber aulas de como pronunciar os termos técnicos. Rhonda Fleming, que foi uma descoberta de Selznick, teve que perguntar à mãe o que era uma ninfomaníaca antes de ir ao estúdio para interpretar uma. A atriz, que faleceu em outubro de 2020, começou a carreira dois anos antes, fazendo pontas não creditadas. "Quando fala o coração" é seu primeiro papel.
O filme entrou em produção em 7 de julho de 1944. Em 10 de julho era o aniversário de casamento de Ingrid Bergman, então o diretor Alfred Hitchcock ordenou que um grande bolo fosse entregue no set após as filmagens do dia. Ela era casada, desde 1937, com Petter Lindström, com quem teve uma filha, Pia. Em 1949 divorciou-se e casou-se com o diretor italiano Roberto Rossellini, uma união que causou muita polêmica, pois ambos eram casados quando se apaixonaram e abandonaram as respectivas famílias para viverem juntos. Essa paixão fez com que Ingrid fosse acusada de adúltera e de mau exemplo para as mulheres e levou-a a ficar anos sem filmar nos Estados Unidos. Detalhe: Rossellini também não cometeu adultério? Mas a bomba só estoura para o lado da mulher não é?
Continuando...
Paralelamente, Selznick na época estava envolvido com seu drama familiar da Segunda Guerra Mundial, Desde que partiste (1944), tendo que se ausentar das filmagens de vez em quando. Mesmo assim, o diretor Alfred Hitchcock manteve sua palavra sobre filmar com eficiência. Ele estava filmando em média quatro páginas e meia do roteiro por dia e, no final do primeiro mês, estava uma semana adiantado.
"Desde que partiste" concorreu a 8 Oscars (incluindo filme) e venceu 1 (melhor score, de Max Steiner). Já "Quando fala o coração", concorreu a 6 Oscars (incluindo filme) e venceu 1 (melhor score, de Miklós Rózsa). Ou seja, Selznick sabia mesmo escolher suas trilhas...
A trilha sonora de Miklós Rózsa neste filme inspirou a carreira do compositor de filmes Jerry Goldsmith . Gregory Peck gostou tanto desta trilha que, em seus últimos anos, ele a usou em seu programa de palestras em turnê, "Uma noite com Gregory Peck".
O diretor, que aparece em cena aos 40 minutos, ao sair do elevador do Empire Hotel (ele está carregando um violino e fumando um cigarro), teve problemas com a dupla central, mas isso não o impediu de trabalharem novamente em algumas ocasiões. Bergman teve dificuldades em cenas mais emocionais. Hitch deu um conselho prático: "Ingrid, finja!" Mais tarde, ela o consideraria a melhor orientação que já recebeu. Ao longo de sua carreira, ela se lembraria de seus conselhos sempre que se deparasse com problemas semelhantes.
Já Peck tinha um número bastante limitado de expressões faciais. Ele próprio disse que não conseguiu produzir as expressões faciais que Hitch queria. Hitchcock era um sujeito externo, e Peck teve treinamento no Sistema Stanislavski, o que significa um trabalho voltado para o interior do personagem. Ou seja, tinha atitudes opostas em cena.
Mas que bom que os opostos se atraem, e Hitch, com todos estes percalços, entregou mais uma obra referência em sua filmografia.