UM BARCO E NOVE DESTINOS (1944) - FILM REVIEW
Uma das séries mais famosas dos anos 80 trazia um personagem que, quando se deparava com situações adversas e com pouco material, fazia objetos mirabolantes para salvá-lo das mais improváveis situações. Parecia mentira, mas o que Angus MacGyver fazia era possível, agindo sempre no improviso. Esta criatividade de fazer muito com pouco disponível é qualidade de poucos diretores. Como se esquecer de pérolas como Enterrado vivo, de Rodrigo Cortés, em que o personagem passa todo o filme dentro de um caixão? Ou Cubo, de Vincenzo Natali, onde seis pessoas estão presas dentro de um cubo, buscando uma saída.
Lidar com poucos atores, orçamento baixo e prazos curtos para entregar o filme pronto é um exercício de criatividade e neste sentido, Alfred Hitchcock era um mestre. Ele construía tensão como ninguém e por isto ficou conhecido como o Mestre do Suspense. Na realidade, ele foi muito mais que isto. Um gênio completo, capaz de entregar obras primas que nunca mais saíram do hall das grandes obras do cinema.
E o filme de hoje é "Um barco e nove destinos", baseado em um conto de John Steinbeck, e que se situa no período da Segunda Guerra Mundial. A história se passa inteiramente em um barco vagando sem rumo pelo Atlântico Norte com grupo heterogêneo de pessoas. Os náufragos, civis americanos e britânicos, acabam resgatando mais um homem do mar, e descobrem que ele é o capitão do barco alemão que afundou sua embarcação.
Não confie num alemão nazista
Como denunciam alguns enquadramentos e sombras, o nazista aparentemente gente boa e disposto a ajudar não é nada mais que um nazista. A história pontua isto desde sempre, mas nós, telespectadores, tendemos a confiar no ser humano e entender que há algo de bom na pessoa. De quebra, Hitch coloca no barco personagens americanos e ingleses, fazendo um paralelo com sua jornada cinematográfica, que se iniciou no cinema Inglês e que graças ao produtor americano David O. Selznick, foi convencido a mudar-se para Hollywood.
Este é o único filme que Alfred Hitchcock fez para a Twentieth Century Fox, sob o comando de Darryl F. Zanuck na época. Hitchcock foi emprestado pela Fox enquanto estava sob contrato com o produtor David O. Selznick . A produção terminou de ser rodada em meados de novembro do ano de 1943, e o orçamento final ficou na casa do 1 milhão e meio de dólares. O diretor, que foi contratado para realizar dois filmes, gastou tanto tempo no desenvolvimento e pré-produção, que o segundo filme não foi feito.
O filme foi rodado inteiramente em um set no qual o barco estava bastante seguro em um grande tanque de estúdio. Alfred Hitchcock, sempre lutando pelo realismo, insistiu que o barco nunca permaneceria parado e que sempre haveria um toque adicional de névoa do oceano (feita com gelo seco). E ainda por cima, Hitch insistiu que o filme fosse filmado em sequência, mesmo que isto ocasionasse um aumento no valor da produção.
Para obter todos os ângulos de câmera de que precisava, Alfred usou quatro barcos para o filme. Dois eram completos e os outros dois foram cortados ao meio, um longitudinalmente à popa e o outro de bombordo a estibordo para ele ter espaço suficiente.
Problemas, problemas e mais problemas...
Diversos problemas de saúde marcaram a produção. William Bendix substituiu o ator Murray Alper (que adoeceu) antes mesmo de começar as filmagens. Já o diretor de fotografia Arthur C. Miller foi o primeiro diretor de fotografia, mas foi substituído por Glen MacWilliams após as duas primeiras semanas de filmagem, quando Miller adoeceu.
O elenco também passou por problemas de saúde ligados ao excesso de contato com água e frio. Tallulah Bankhead contraiu pneumonia duas vezes e Mary Anderson também adoeceu e a produção precisou ser interrompida. Hume Cronyn quebrou duas costelas e quase se afogou quando foi pego por um ativador de água causando ondas para uma cena de tempestade. A produção foi temporariamente pausada de novo para permitir a sua recuperação.
No final de tudo, Tallulah Bankhead ganhou um Terrier do diretor pelo sacrifício da atriz de vencer a pneumonia e terminar as filmagens. Como ela adorava cães, ficou muito grata e nomeou o cachorrinho de... Hitchcock. Homenagem ou ironia? Nunca saberemos...