O REGRESSO (2015) - EXPLICAÇÃO DEFINITIVA
Hoje vou desvendar um filme que considero uma obra prima, para variar, injustiçada no Oscar: O Regresso. Um dos grandes plot twists do cinema está na cara de todo mundo, já com spoiler no título original, mesmo assim ninguém percebe.
E o post de hoje não é um review do filme. É para provar um fato que muitos não tem a menor noção, mesmo os que amam a obra: Aos 53 minutos, Hugh Glass (Di Caprio) morre. Isto mesmo.
Para quem não sabe, o filme é dirigido por Alejandro González Iñárritu, baseado numa história real e conta a passagem de Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), que parte para o oeste americano disposto a ganhar dinheiro caçando. Atacado por um urso, fica seriamente ferido e é abandonado à própria sorte pelo parceiro John Fitzgerald (Tom Hardy), que ainda rouba seus pertences. Começa a sua árdua jornada em busca de vingança.
Para começar, Revenant, que é o título inclusive de uma série de TV sobre zumbis, significa alguém que (supostamente) morreu e voltou a viver. O duplo sentido foi jogado no telespectador, que preferiu pensar como um Retorno à vida pela força de vontade. Um Regresso. Mas o que não falta na "sobrevida" é motivação, seja pela morte da família, preconceito diante de ter uma família com índios, ou seja, reações por amor. E motivação maior não há. Seu espirito só terá paz quando se vingar.
E o que foi o gatilho foi o fato de que os remanescentes do ataque dos índios deixam Hugh Glass para trás, morrendo, com um acompanhante em especial: justamente o que tinha problemas com o Hugh, que no filme é interpretado por Tom Hardy. Não demora nada, Tom tenta matar Leo, mas o filho dele (Hawk) tenta o salvar, é assassinado. Di Caprio vê tudo e sua motivação está formada.
Mas seu corpo jamais será "concertado". E ai acontece algo como Obi Wan Kenobi em Guerra nas estrelas (1977). Ele morre, para ficar mais forte. Repare no filme que as cenas buscam sempre dois ângulos específicos: o da ascensão (do espírito) e o de inferioridade, quando o personagem olha para cima. Na cena que Di Caprio retorna, a mão do personagem é mostrada saindo da terra.
Ele volta como um espírito rastejante. Os índios crêem que a energia vem da terra e do universo (por isto, várias vezes, vemos o céu, assim como a cena do retorno, o personagem sai da terra).
A representação do seu comportamento sugere um paralelo com o umbral, uma Zonas de Sofrimento de astral inferior em que a pessoa vai após seu desencarne, porém o tempo e a consciência que ele tomará dessa experiência, depende das suas atitudes nessa encarnação. Como veremos a seguir, em vários pontos, sugere uma passagem de tempo, quando a ação é cortada para o personagem de Tom Hardy indo para o forte.
3 minutos após sua morte, vemos uma tomada no céu, como se o espírito estivesse viajando, assimilando a própria morte. O seu retorno ao corpo físico vem com 1 hora, quando ele efetivamente acorda, tentando entender como prosseguirá sua vingança. Ele rasteja até um penhasco, e temos uma visão do vale, do alto, como se ele fosse um espirito vendo de cima.
Se observarmos bem, a melhora física dele não é sutil. Ele rasteja porque morreu naquela condição, mas seu corpo melhora consideravelmente rápido se olharmos o estado caótico que ficou. Enquanto isto, somos pontuados pelo resto do grupo, que mais tarde vamos descobrir que serão mortos e também não tem consciência disto.
Enquanto tenta beber água, é observado por um corvo. O corvo pode simbolizar a morte, a solidão, o mau presságio. Por outro lado, pode simbolizar a astúcia, a cura, a sabedoria, a fertilidade, a esperança. Dois lados de uma mesma moeda.
Neste ponto, os índios conseguem vê-lo e tentam matá-lo. Eles não estão obviamente mortos. Mas a conexão entre as crenças e mundos semelhantes que vivem, fazem com que eles vejam Glass, mas não conseguem acertá-lo. Basicamente, eles veem um fantasma e reagem a ele.
Glass ainda rasteja com espírito. Ele precisa encontrar um guia para tirá-lo da confusão e trazê-lo para os trilhos. Com 1 hora e 25 minutos, um Índio novamente o vê, reconhece como um espírito perturbado (rastejando).Ele diz a seguinte frase: "Seu corpo está podre. Precisa cicatrizar ou pode morrer". Hora, ele já se recuperou bastante dos ferimentos, porque o índio disse isto? A resposta é simples: a alma dele pode morrer se não cuidar. No caminho, Glass come restos mortais de animais, comida podre, vê lobos e até aparentemente uma hiena, que são representações do estado de perturbação que se encontra.
Aparentemente, o índio está vagando também. Ele teve sua tribo morta pelos Sioux e está procurando mais Pawnees. Ele diz que seu coração sangra. Mas é perceptível que é um espírito mais evoluído. E diz que Hugh irá com ele.
O Índio faz o ritual para que Glass tenha força para se vingar e seu espírito descansar. Paralelamente, aos 90 minutos, o personagem de Tom hardy conta que enterrou Glass (de fato vemos isto).
Um detalhe: quando Glass encontra o índio, ele está comendo o coração de um animal. Comer o coração de um animal recém-morto era tradição entre alguns nativos americanos. Com isso, os índios acreditavam que poderiam receber todas as qualidades do animal - bravura, força e agilidade.
Continuando...
Glass tem o primeiro encontro com o filho em um santuário, que parece ser uma antiga igreja. Porém o espírito do filho se vai (deixando a igreja em ruinas) pelo fato de Glass ainda ser um espírito perturbado. Glass acorda e vê o Índio morto. Dai percebemos que ele já estava morto, era um espírito vagando sem objetivo. E quando finalmente conseguiu ajudar Glass, ele teve paz e seu espírito foi embora (e Glass encontra seu corpo).
Glass tem upgrade, como aquele personagem de Ghost, do outro lado da vida, tenta ensinar a Sam (Swayze) a mexer a moeda e assim interagir com os vivos. Na sequência, pela primeira vez, Glass consegue interferir nos acontecimentos. Ele ajuda uma Índia (que o vê) a não ser estuprada. Repare que ela quem domina a situação (ele passa a arma para ela) que mata o soldado para ter sua própria vingança. Hugh apenas domina a situação. Ambos fogem ao mesmo tempo, porém em direções opostas. Suas jornadas Kármicas se diferem.
Repare como durante a fuga, o olho de um cavalo entra em foco. O cavalo nativo americano representa a liberdade, que é exatamente o que está acontecendo na sequência.
No meio da fuga, acontece uma cena fundamental para entendermos a parte final. Tom Hardy e seu chefe tem uma discussão sobre um dinheiro devido, que enfurece Hardy.
Com 1 hora e 49 minutos, Glass faz mais um contato com o espírito da mulher, agora já com uma representação mais evidente da espiritualidade que cerca os personagens. Os índios novamente veem Glass, que foge e voa para cima de uma árvore (numa cena absurdamente impactante)..Observe como as cenas sempre mostram Glass contemplando a natureza ou vagando sozinho, enquanto interage com animais mortos e ajuda ou é ajudado por índios ou espíritos em perturbação.
Duas linhas de pensamento.
Agora, há duas formas interpretativas. A de que Hugh voltou do mundo dos mortos fisicamente. Ou ele só é visto por índios ou humanos mortos. De toda forma, vou expor as duas possibilidades.
Quando um homem vagando chega ao forte (outro um espírito que anda?), ele dá uma dica que leva ao pessoal do forte a supor que seja Glass vivo ou seu filho Hawk. Ele diz também que todos os homens que estavam com ele estão mortos. Eles partem para procurá-lo e estranhamente o acham rapidamente Quando retornam Fitzgerald foge. Glass e o comandante partem em busca de Fitzgerald.
Possibilidade 1: O grupo no forte vive num limbo de almas perdidas em combate, ladeados por índios que pouco interagem com eles. Este grupo pode ser sido morto por caçadores Sioux ou pelo personagem de Tom Hardy, que se viu acuado e prejudicado pelos superiores.
Possibilidade 2: Glass aparece fisicamente, diz que sua missão é matar Fitzgerald, explica o porque e parte em seu encalço com o oficial, chefe de Tom Hardy.
A esta altura já sabemos que nem Fitzgerald nem o Capitão retornarão ao mundo dos vivos, e teriam a morte espiritual a seguir. Preste atenção no diálogo entre o Capitão e Hugh.
"Ele sabe de onde eu vim para pegá-lo"
"Não o achará sem mim"
"Já morri uma vez"
É possível que Hugh seja uma presença física no filme, á partir do encontro com o filho na Igreja. Mas acho mais plausível que o forte seja um local onde os espíritos transitam com os índios. Eles se comportam como se suas vidas tivessem presas à aquela realidade, sem um futuro a almejar.
O Grand finale, é quando o espírito de Glass chega a conclusão que a vingança não está em suas mãos. E ele assim, entrega o corpo ainda vivo de Tom Hardy para índios que aparecem ali do nada. Glass tem sua vingança completa e sua paz espiritual para ir para o "outro lado".
E ele o faz, ao encontrar sua esposa.
Mesmo assim, o filme se encerra com um detalhe interessante, como uma cereja do bolo: ao terminar sua jornada e contemplar a beleza de sua esposa, Glass encerra o filme olhando para nós (quebrando a quarta parede) e certamente pensando se é digno de toda aquela beleza.
Sua jornada encerra ai, definitivamente, com um banho de sabedoria.