IT - CAPÍTULO 2 (2019) - FILM REVIEW

Isto - capítulo 2.

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo

Vivemos tempos nostálgicos. E o filme It - Capítulo 2 constrói sua narrativa em cima dela: a nostalgia. Ela é um elemento de cena, movendo os seus personagens para o fim. Talvez seja a obra que melhor resgate os grandes momentos das melhores adaptações de Stephen King para as telonas. O elenco abraça os personagens com paixão e admiração, como se eles mesmos quisessem viver aquela parte boa da história. Ter um amigo de infância para dizer um “Conta comigo” e quem sabe um dia, resgatar passagens vividas, ou pelo menos, aqueles que a memória selecionar para ficarem disponíveis.

Na história, 27 anos depois dos eventos de "It - A Coisa", Mike (Isaiah Mustafa) percebe que o palhaço Pennywise (Bill Skarsgard) voltou à cidade de Derry. Ele convoca os antigos amigos do Clube dos Otários para honrar a promessa de infância e acabar com o inimigo de uma vez por todas. Mas quando Bill (James McAvoy), Beverly (Jessica Chastain), Ritchie (Bill Hader), Ben (Jay Ryan) e Eddie (James Ransone) retornam às suas origens, eles precisam se confrontar a traumas nunca resolvidos de suas infâncias, e repercutem até hoje na vida adulta.

O bullying, orientação sexual ou mesmo a repressão são tratadas pela trama como outdoor de causa e efeito, um verdadeiro painel para explicitar o quão errado era e só quem sofreu entende e se identifica. Não à toa, alguns membros do elenco principal fizeram lobby para entrar no filme após assistirem o primeiro em 2017.

Quando anunciado o antecessor, a notícia geral era de que Will Poulter (Dopesick, Midsommar: O Mal Não Espera a Noite e O Regresso) seria o palhaço que se alimenta do medo. E cá entre nós, seria perfeito. Mas de repente, Bill Skarsgård apareceu como Pennywise e ficamos sem entender o que aconteceu. Depois o diretor Andy Muschietti esclareceu, dizendo que Poulter perdeu o interesse em Pennywise com a saída de Cary Fukunaga, que dirigiria o longa.

E Bill nasceu para o papel. O ator Bill Hader não sabia que Bill Skarsgård pode realmente mover seus olhos em duas direções diferentes. Hader perguntou a Skarsgård que tipo de edição foi feita para obter o efeito no primeiro filme. Skarsgård, em traje completo e maquiagem, respondeu dizendo "Oh, você quer dizer isso?" e mostrou a ele como ele pode fazer isso naturalmente, surpreendendo Hader.

Skarsgård afirmou que se divertiu mais no set durante este filme porque ele realmente conseguiu conversar e sair com seus colegas de elenco adultos. Ele teve contato mínimo com suas co-estrelas infantis em It: A Coisa (2017), para que eles tivessem um medo mais genuíno de Pennywise assim que o vissem.

Segundo o roteirista Gary Dauberman, a cena em que Bill encontra o lojista e compra sua velha bicicleta, Silver, no antiquário de Derry, foi escrita como uma espécie de piada. O roteiro descrevia o lojista como "alguém que se parece muito com Stephen King". Por fim, os cineastas conseguiram que o próprio King interpretasse o lojista.

No final ele ainda tira sarro com a própria deficiência: incapacidade de dar um final digno em suas obras. Uma crítica recorrente sobre os romances de Stephen King é sua falta de inspiração para finais, mesmo em romances bem aclamados. Isso é repetidamente abordado no filme, onde Bill recebe os mesmos comentários sobre seus livros.

Além disso, no antiquário pode ser vista a placa "CQB 241", que é a mesma de Christine, o Carro Assassino (1983). E o valor que ele pede pela bicicleta, a mesma quantia que George LeBay inicialmente oferece para vender o carro. O multiverso de King neste filme é mais sutil, como a estampa do skate de Dean, com o mesmo desenho do carpete do Hotel Overlook em O Iluminado (1980) ou o claro aceno a Conta Comigo quando o filme caminha para a última cena.

O elenco adulto foi extremamente elogiado principalmente devido às semelhanças físicas com os atores mirins. Um dos problemas que algumas pessoas tiveram com a minissérie It - Uma Obra Prima do Medo (1990) foi que a maioria dos atores adultos não se parecia em nada com os atores mirins.

Um dos traços de caráter de Richie Tozier é sua capacidade de fazer "vozes" e imitações. Bill Hader, que interpreta Richie adulto, é um conhecido impressionista, famoso pelas imitações de celebridades que fez durante anos no Saturday Night Live. Com isso em mente, o roteirista Gary Dauberman escreveu uma cena em que Richie faz uma imitação de Al Pacino, uma voz na qual Hader é ótimo. No entanto, Hader solicitou que a imitação fosse removida do roteiro porque ele não queria fazê-lo novamente.

Isaiah Mustafa foi o mais aplicado do elenco, e leu o romance de Stephen King oito vezes antes de filmar para que pudesse entender completamente o personagem. No romance, Eddie pondera que pode ter se casado com Myra porque ela o lembrava de sua mãe. No filme, a mesma atriz, Molly Atkinson, interpreta tanto Myra Kaspbrak (esposa de Eddie) quanto Sonia Kaspbrak (mãe de Eddie), realçando o grave efeito do controladorismo da mãe.

E nesse sentido, o filme é muito forte. O medo é muito bem construído ao longo da produção, e cada personagem é obrigado a enfrentar seus maiores traumas materializados em monstros. As quase três horas assustam num primeiro momento, mas passam tão rápido com a imersão na história que você mal percebe. Os efeitos especiais são inacreditavelmente épicos (considerando um filme de terror ou mesmo uma adaptação de King).

Há também uma extrema coincidência com o número 27 (que é o intervalo de tempo que o Palhaço reaparece). Este filme foi lançado em 6 de setembro de 2019 (9+6+2+0+1+9 = 27). O 1º capítulo It: A Coisa (2017) foi lançado em 8 de setembro de 2017 (9+8+2+0+1+7 = 27). Há uma diferença de idade de 27 anos entre Isaiah Mustafa (Mike Hanlon) e Chosen Jacobs (jovem Mike), bem como Teach Grant (Henry Bowers) e Nicholas Hamilton (jovem Henry).

No final do filme, Bill é visto trabalhando em seu último romance. O parágrafo que ele escreveu diz: "Talvez não existam coisas como bons ou maus amigos, existem apenas amigos, pessoas que ficam ao seu lado quando você está ferido e que ajudam você a não se sentir tão sozinho..." A frase diz que It, no final das contas, não é somente uma obra-prima do medo, mas uma gigantesca reflexão sobre as pessoas que dão sentido à nossa trajetória de vida, e como elas se perdem no caminho.

E se em Conta Comigo, não há volta para os 4 amigos, aqui eles são obrigados a reviverem suas experiências, encararem seus traumas, redescobrirem sentimentos perdidos e finalmente, darem início a um novo ciclo de vida mais próximos.