TEMPESTADE DO SÉCULO (1999) - SÉRIE REVIEW
Tempestade do século
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
"O homem é o lobo do homem" é uma ideia tornada célebre pelo filósofo inglês Thomas Hobbes, que significa que o homem é o maior inimigo do próprio homem.
Tempestade do século é tida erroneamente como a melhor adaptação para a TV, baseada em uma obra do mestre. Diferente do que se imagina, não é uma adaptação. Stephen King escreveu o roteiro direto para a TV (posteriormente o livro foi lançado, mas em forma de roteiro de cinema, nos EUA, talvez por isso tenha se tornado uma das melhores histórias. O formato original do filme era como uma minissérie em três episódios, que foram posteriormente compilados em um longa-metragem de 4 horas de duração.
A produção conta a história de uma cidade, com sua rotina alterada quando está prestes a receber uma violenta tempestade de neve. Paralelamente, Andre Linoge (Colm Feore), um ser estranho, chega na pequena cidade e cria pânico e morte entre os moradores.
Ele sabe tudo sobre todos. Mike Anderson (Timothy Dale), o policial da cidade, tenta manter cada um em alerta contra a forte tempestade e Linoge. Porém, enquanto as pessoas batem cabeça na cidade, ele repete sem cessar: "Dê-me o que quero e eu irei embora", sem explicar o significado exato destas palavras.
King arma seu circo, muitas vezes com elementos parecidos: grupo de pessoas ilhadas tem que lidar com algum evento, normalmente sobrenatural e, ao mesmo tempo, lidar com as diferenças (de forma violenta, na maioria das vezes).
Kingverso da loucura
Stephen King tem o hábito de intercalar suas histórias por meio de citações, homenagens ou mesmo breves participações especiais de personagens de outras obras suas. Em “A Tempestade do Século”, Little Tall, a ilha onde a história acontece, é a mesma onde se passa a história de “Eclipse Total” (Dolores Clairborne).
Durante um trecho do filme, um dos moradores faz um comentário relacionado a Derry, local onde se passam diversas das histórias de King, inclusive a obra-prima do medo: IT. Em um trecho podemos ver um dos personagens lendo o livro “The Little Pig”, um dos favoritos de Danny Torrance, o garotinho do livro “O Iluminado”.
King também costuma fazer uma participação especial na maioria dos filmes que se baseiam em suas obras. Com “A tempestade” não foi diferente. Ele é o homem que aparece no programa que está sendo exibido na TV de Martha Clarendon, logo no início.
Dando vida à tempestade
Stephen King escolheu pessoalmente Craig R. Baxley para dirigir após assistir Conectado Com A Morte (1996).
O nome de Linoge é uma deformação da palavra francesa "la neige". Os personagens de Stephen King costumam ter sobrenomes franceses ou derivados do francês, já que seu cenário favorito, o Maine, tem inúmeros habitantes descendentes de imigrantes franco-canadenses.
As audições foram marcadas para 9 de janeiro de 1998, em Southwest Harbor, ME. E numa daquelas ironias da vida, uma forte tempestade de chuva congelante chegou naquele dia e deixou todo o estado de alerta. Três outros estados e quatro províncias canadenses também foram afetados; partes de Quebec e Ontário foram mais atingidas do que o Maine.
Todas as tomadas aéreas da ilha, incluindo a balsa do capitão Henry Lee e a cena final de saída da ilha, são, na verdade, de Frenchboro, Maine. É uma grande área geográfica, mas o censo atual (2024) é de apenas 30 residentes. É um passeio de balsa de 50 minutos do continente de Bass Harbor e Southwest Harbor, onde as cenas da rua principal foram filmadas.
O mal
O filme faz um interessante paralelo entre A tempestade e Linoge. Ambos são fortes, muitas vezes mudam de direção rapidamente, e após passarem, podem deixar um rastro de destruição. Mas no caso de Linoge, a destruição é interna. Mediante uma morte, ele expõe as mazelas da cidade, enquanto observa as pessoas se perderem em meio aos seus pecados e desmandos.
Ele se assemelha a um demônio, que busca um filho, um sucessor. E através disto, joga um espelho na sociedade, que reflete a realidade bem longe do ideal. Ao final, quando ele propõe a escolha: morrem todos ou um só, já não restarão dúvidas em nós, telespectadores, que eles sacrificarão um membro, remetendo ao antigo testamento. E Linoge faz às vezes de um Deus maligno, buscando seu Jesus para substituí-lo em algum momento.
As "viagens" que King faz em suas histórias são quase sempre alegóricas, mostrando o que o ser humano é capaz de fazer em uma situação limite. A tempestade do século acontece, na realidade, no próprio ser homem.
Tempestade do ser humano
"O homem é o lobo do homem" como eu disse no início. Essa metáfora aponta para a capacidade do homem de cometer atrocidades e barbaridades contra seus semelhantes.
No final, é isso que se trata "Tempestade do século". Há uma capa de sacrifício envolvendo a história, mas Linoge vem e vai, para mostrar do que o homem é capaz. Mesmo que envolva uma escolha difícil, afinal, todos precisam escolher entre o sacrifício de um em prol da vida de vários, enquanto a consequência não pode ser evitada: viver...como um monstro, carregando a culpa da suposta incapacidade, quando na realidade, é a culpa do alívio provocado pela decisão amoral.
King é um autor que sabe, definitivamente, criar uma realidade imersiva numa história ficcional. E em Tempestade do século, fez até o mundo girar em torno de sua história.
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