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ENIGMA DO OUTRO MUNDO (1982) - FILM REVIEW


A coisa.

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo


De maneira geral, os remakes são mal vistos, como se carregassem um peso de serem ofensivos à memória dos clássicos mais queridos. O que é um erro absurdo, já que na pior das hipóteses, o remake joga luz no clássico, muitas vezes trazendo-o de volta para novas exibições na TV, cinema, relançamento em Home video ou mesmo, textos enaltecedores.

E refilmar um clássico dos anos 50, roteirizado e co-dirigido por Howard Hawks, filme esse que influenciou diretores como Ridley Scott, John Frankenheimer e Tobe Hooper, é uma ideia no mínimo infeliz. Mas eis que John Carpenter fez "O Enigma de Outro Mundo", uma obra-prima que dá de 10 a 0 no original. E por isso, sempre acredite na força de um remake, porque por vezes acertam de uma forma que jamais poderíamos imaginar. 

Uma curiosidade ainda sobre O monstro do Ártico, é que há uma crença que Howard Hawks assumiu a direção de Christian Nyby (seu ex-editor) durante a produção, e sempre foi reconhecido por Nyby que Hawks foi a mão orientadora. No entanto, em uma entrevista, o ator James Arness disse que, embora Hawks passasse muito tempo no set, foi Nyby quem realmente dirigiu o filme, não Hawks.

O próprio John Carpenter disse em uma entrevista que fez essa pergunta a Hawks em 1971; Hawks disse a ele que apenas deu algumas sugestões a Nyby. Carpenter observou, no entanto, que mais tarde na vida, Hawks começou a reivindicar cada vez mais crédito pela direção do filme, e que o filme completo tem muito mais marcas registradas de Hawks do que o trabalho posterior de Nyby.

Mas voltando ao melhor dos mundos.

O Enigma de Outro Mundo conta uma história situada na Antártica, na remota Estação 4 do Instituto Nacional de Ciências dos Estados Unidos, onde estão 12 homens (cientistas e operários), que observam com espanto dois noruegueses tentarem de todas as maneiras matar um cão, a ponto de serem ameaças até para os americanos. Mas a morte de ambos omite a razão daquela atitude.

 Após isto o cachorro fica na base e os americanos começam a querer saber o que realmente aconteceu. O piloto de helicóptero J.R MacReady (Kurt Russell) se oferece para viajar até a base norueguesa e tentar achar alguma explicação. Chegando lá descobrem que o local foi destruído e descobrem um corpo mutilado, que parece de uma pessoa. 

Eles o levam para a base americana para ser estudado e só então surgem pistas do acontecido, pois o cachorro se transforma em uma terrível criatura que ataca os pesquisadores. Gradativamente concluem que estão diante de um alienígena, que pode se transformar em uma cópia exata das suas vítimas. Isto significa que membros da equipe podem ser mortos e a cópia assumir o lugar deles.

De acordo com John Carpenter, ele leva muito a sério o motivo que leva um filme seu ao fracasso, mas a recepção negativa inicial de "O Enigma de Outro Mundo" foi a que mais o decepcionou. Não foi apenas uma bomba de bilheteria, mas os críticos detonaram seus efeitos sangrentos, tom e personagens. 

Vincent Canby, chamou-o de "aparência muito falsa para ser nojento. Ele se qualifica apenas como lixo instantâneo". Dave Kehr escreveu que era "difícil dizer quem está sendo atacado e difícil de se importar". Da mesma forma, Roger Ebert ficou desapontado com as "caracterizações superficiais e o comportamento implausível" e descartou o filme como nada mais do que uma imitação de Alien - O 8º Passageiro (1979). 

Carpenter ficou particularmente chateado quando Christian Nyby, o diretor do original O Monstro do Ártico (1951), denunciou publicamente a versão de Carpenter, dizendo: "Se você quer sangue, vá ao matadouro. Em suma, é um ótimo comercial para o Whisky J&B" Em resposta ao bombardeio comercial do filme, o estúdio cancelou o contrato de várias filmes que tinha com Carpenter. 

O orçamento do filme de 15 milhões foi substancialmente maior do que a média dos filmes de terror da época. Sexta-Feira 13 (1980) custou apenas 700.000 mil, enquanto o Halloween original de John Carpenter: A Noite do Terror (1978) custou insignificantes 375.000 mil.

Carpenter foi convencido a fazer o filme pela cena do exame de sangue. Ele também fez questão de criar um filme de monstro onde a criatura não fosse obviamente interpretada por um homem de terno, algo que o incomodou um pouco enquanto assistia a "Alien - O 8º Passageiro (1979) ".

Este é o primeiro longa-metragem de John Carpenter que ele mesmo não compôs. A escolha original foi Jerry Goldsmith, mas ele foi reprovado. A função foi para Ennio Morricone que compôs uma trilha sonora muito discreta, semelhante ao estilo de Carpenter, repleta de acordes de baixo taciturnos e ameaçadores. E acredite, a trilha foi indicada de para o prêmio Framboesa de ouro como pior trilha sonora.

Os produtores atribuem o decepcionante desempenho de bilheteria do filme ao desejo do público por uma interpretação mais benigna de uma presença alienígena na Terra, como resultado de ET: O Extraterrestre (1982) de Steven Spielberg, lançado várias semanas antes. E Carpenter surfou na mesma onda, e lançou dois anos depois Starman - O Homem das Estrelas.

O Enigma de Outro Mundo estreou no mesmo dia que Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), de Ridley Scott. Ambos os filmes tiveram reações desfavoráveis ​​da crítica após a estreia. Do início dos anos 90 em diante, eles passaram a ser considerados dois dos maiores filmes já feitos. Isso mostra que certas obras de arte são maiores que seu tempo e por isso, são momentaneamente incompreendidas.

Épocas diferentes, pânico igual.

O Monstro do Ártico refletia a paranoia da Guerra Fria nos EUA.  Com o fim da Segunda Guerra em 1945, travada entre os países do Eixo (que eram, basicamente, Alemanha, Itália e Japão) contra os Aliados (resto do mundo...). A vitória (óbvia?) dos Aliados, gerou um virtual novo conflito, novamente pelo poder e controle: a Guerra Fria, entre os vitoriosos EUA e URSS.

É chamada "fria" porque não houve uma guerra direta entre as duas superpotências. A corrida armamentista pela construção de um grande arsenal de armas nucleares foi o objetivo central durante a primeira metade da Guerra Fria, estabilizando-se na década de 1960 até à década de 1970 e sendo reativada nos anos 1980 com o projeto do presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan chamado de "Guerra nas Estrelas". 

Nesta época houve toda a questão espacial, gerando muitas teorias de conspiração, inclusive uma de que os EUA não foram à Lua como exibido na TV, sendo aquilo um filme dirigido por Stanley Kubrick!! para iludir as pessoas sobre a suposta superioridade norte-americana na corrida espacial. Para quem não lembra, a URSS já havia mandado Yuri Gagarin no espaço, saindo na frente da corrida.

A guerra, como dito, não ocorreu. Mas os efeitos da Guerra Mundial e da iminência de um novo conflito gerou pavor, tensão e paranoia na população. E as manifestações artísticas, eram fortemente influenciadas por esta questão. 

E o cinema não ficou de fora, claro. O conflito foi reinterpretado em vários e vários filmes, principalmente nos filmes de ficção. Geralmente tratavam de temas como morte coletiva, monstros radioativos, testes nucleares, bases subterrâneas, mísseis, satélites, supercomputadores e até mesmo o "botão vermelho".

Os filmes de ficção dos anos 50 e início dos anos 60, carregaram em seus DNAs os efeitos desse pavor, transformando os vilões em alienígenas, principalmente.  Sempre norteados pelo conceito da invasão, ainda que no final sejam vítimas do otimismo em um mundo melhor, com menos tensões. Filmes como "O Dia em que a Terra Parou", "Vampiros de Almas" e "Guerra dos mundos" se tornaram referências indiscutíveis.

Já a obra de Carpenter reflete outro momento: o medo crescente da AIDS, então se tornando conhecida. A ideia de que você não poderia dizer quem estava infectado apenas olhando para eles, e apenas exames de sangue revelariam, não passou despercebida pelos roteiristas. 

Habilmente, na parede de uma sala do posto avançado, onde ocorre a cena do exame de sangue, está pendurado um cartaz da Segunda Guerra Mundial alertando sobre os perigos das doenças sexualmente transmissíveis, mostrando uma caricatura de uma mulher exageradamente promíscua. A trama do filme mostra que os perigos podem ser tão destrutivos quanto ocultos.

Who Goes There?

Na Antártida, um grupo de pesquisadores descobre uma espaçonave alienígena destruída acidentalmente. Entretanto, uma criatura extraterrestre é resgatada e descongelada, revivendo como um ser (a "Coisa") que pode devorar e imitar qualquer ser vivo, enquanto mantém a massa corporal original para reprodução posterior. 

Familiar não? Who Goes There? é um livro ficção científica do escritor norte-americano John W. Campbell Jr., sob o pseudônimo Don A. Stuart e publicado pela primeira vez em agosto de 1938 na revista Astounding Science Fiction.

William F. Nolan escreveu um rascunho do remake de O Monstro do Ártico, que era mais fiel ao conto original, antes de John Carpenter assumir o projeto. No livro, existiam 37 personagens no local remoto do Ártico. O roteirista Bill Lancaster reduziu para 12 e trocou o Ártico pela Antártida.

Em 2018, descobriu-se que Who Goes There? era, na verdade, a versão resumida de Frozen Hell, um romance escrito anteriormente por Campbell. O manuscrito expandido, que inclui uma introdução totalmente diferente, foi encontrado em uma caixa de manuscritos enviados pelo escritor à Universidade Harvard.

Easter eggs

Ao criar a atmosfera sufocante de O Enigma de Outro Mundo, Carpenter deixou pequenas dicas escondidas, caso consiga perceber, das soluções dos acontecimentos.

Por exemplo, na sala de recreação da base americana tem duas máquinas de fliperama, Asteroids e uma máquina de pinball "Heat Wave", e cada uma prenuncia elementos da trama. Asteroids faz alusão ao antagonista alienígena do filme, enquanto "Heat Wave" relaciona-se à arma usada para matar o alienígena - o fogo.

Há também um prenúncio de quais os humanos assimilados (ou mortos antes mesmo de acontecer). Os seis (dos doze) têm sobrenomes terminados com a letra 'S' (Nauls, Childs, Fuchs, Windows, Bennings, Norris). Os que eram humanos confirmados tem os sobrenomes terminados com outras letras (MacReady, Copper, Palmer, Blair, Garry, Clark).

E um último detalhe que poucos percebem. Childs (Keith David) está entre os infectados, fato confirmado pelo próprio Carpenter. Na cena final, onde restam ele e MacReady (Russell), mesmo com o frio cortante, não vemos a respiração de Childs. 

Ou seja, nesse momento, percebemos que o monstro rouba tudo, até mesmo a consciência do infectado.

Focando na coisa do outro mundo

O que pode ser mais aterrorizante que estar acuado em um local gélido onde não há qualquer tipo de socorro? Local esse que seu grito ecoa sem sentido e sem destino? O Enigma de Outro Mundo faz do medo seu ponto de ignição para criar uma atmosfera de isolamento, desesperança, incógnitas, pesadelos reais vindos de onde menos se espera.

O cartão de visitas do horror é entregue justamente pelo melhor amigo do homem, um adorável Husky siberiano. E neste momento, quando todo cenário já era desfavorável, descobrimos que o monstro está dentro de qualquer um. A trama faz um paralelo com a vida do lado de fora das telas, mostrando que os monstros reais estão camuflados de amigos, vizinhos, pais, crianças... e não há como identificá-los de antemão, porque quando percebe, é porque provavelmente você já está sendo a vítima.

Ou assimilado. 


 

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