A VIAGEM À LUA (1902) - FILM REVIEW
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
O rei que terminou seu reinado sem trono, sem coroa, esquecido.
Parece triste... E é. Uma das figuras mais importantes da história do cinema, perdeu tudo para ganharmos nosso entretenimento de hoje. Mesmo assim, criou uma das cenas mais memoráveis da história do cinema: a Lua com uma bala de canhão fincada nos olhos. Na trama de Viagem à Lua, o professor Barbenfouillis (Georges Méliès) convence seus colegas a participarem de uma viagem de exploração à Lua. Eles partem em uma nave que aterrissa no olho direito da Lua. Lá, eles encontram habitantes hostis que o levam ao seu rei. Os terráqueos conseguem fugir quando descobrem que os inimigos viram fumaça a um simples toque de um guarda-chuva.
De forma muito criativa, Méliès filmava seus truques de mágica, aliados a trucagens visuais, acrescentando uma curta narrativa. Viagem à Lua foi um dos primeiros filmes que se tem conhecimento de ficção científica. Uma parte perto do final foi animada, fazendo com que esse seja um dos primeiros filmes animados também. Na realidade, muita coisa foi perdida. Não só de Georges, mas grandes incêndios tragaram histórias que só poderiam ser contadas por aqueles que as vivenciaram.
Embora nenhum crédito oficial esteja incluído, Georges Méliès deixou uma carta de 1930 com os créditos do elenco e da equipe técnica. As bailarinas do Théâtre du Châtelet retrataram as estrelas e os assistentes do foguete, enquanto os Selenitas foram retratados por acrobatas do Folies Bergère. O diretor trabalhou extensivamente com a ex-bailarina Jehanne d'Alcy, durante a produção. Ela serviu como figurinista do filme e atuou em um pequeno papel. Os dois se casariam 23 anos depois.
Quando o filme foi feito, os atores também atuaram anonimamente e nenhum crédito foi dado. A prática de fornecer créditos iniciais e finais foi uma prática posterior. No entanto, os seguintes detalhes do elenco podem ser reconstruídos a partir das evidências disponíveis: Georges Méliès como o Prof. Barbenfouillis. Bleuette Bernon como Phoebe (a mulher na lua crescente). Méliès a descobriu na década de 1890, quando se apresentava como cantora no cabaré L'Enfer. Ela também apareceu em seu "Cinderela" de 1899. François Lallement como o oficial dos fuzileiros navais. Ele era um dos operadores de câmera assalariados da Star Film Company. Henri Delannoy como o capitão do foguete.
Jules-Eugène Legris como líder do desfile. Legris foi um mágico que atuou no teatro de ilusões de Méliès, o Théâtre Robert-Houdin em Paris. Victor André, Delpierre, Farjaux, Kelm e Brunnet como os astrônomos. André trabalhou no Théâtre de Cluny; os outros eram cantores em music halls franceses. Ballet do Théâtre du Châtelet como estrelas e como assistentes de canhão. E por fim, acrobatas do Folies Bergère como selenitas.
Pirataria no cinema mudo? Temos.
Após terminada as filmagens, Georges Méliès teve intenção de lançar o filme nos Estados Unidos e lucrar com ele. Infelizmente, o técnico Thomas A. Edison já tinha secretamente feito cópias, e em poucas semanas, o filme já estava em terras americanas. Méliès nunca conseguiu nenhum dinheiro do sucesso que fez nos Estados Unidos, e faliu alguns anos mais tarde, enquanto Edison fez uma fortuna em cima do filme. Inclusive, até hoje, há uma considerável retaliação da Edison por isto.
Nero
Em 2011, Martin Scorsese nos deu "A Invenção de Hugo Cabret" mostrando Paris nos anos 30. Hugo Cabret (Asa Butterfield) é um órfão que vive escondido nas paredes da estação de trem. Ele guarda consigo um robô quebrado, deixado por seu pai (Jude Law). Um dia, ao fugir do inspetor (Sacha Baron Cohen), ele conhece Isabelle (Chloe Moretz), uma jovem com quem faz amizade. Logo Hugo descobre que ela tem uma chave com o fecho em forma de coração, exatamente do mesmo tamanho da fechadura existente no robô. O robô volta então a funcionar, levando a dupla a tentar resolver um mistério mágico.
Por trás desta história, uma figura real unirá estes personagens. Um vendedor em uma singela lojinha de brinquedos na estação. Ninguém menos que Georges Méliès. Cinco anos antes, após "juntar os trapos" com Jeanne d'Alcy (citada no início deste post), fizeram um quiosque de brinquedos e guloseimas na estação Montparnasse. Méliès casou-se com ela e eles começaram a administrar a loja juntos. Lá, ele seria reconhecido mais tarde por Léon Druhot, diretor do Ciné-Journal, que o resgatou do esquecimento.
Méliès morreu no Hospital Léopold Bellan em Paris, vítima de câncer em 1938, mas poderia muito bem ter falecido de depressão. De forma resumida, Georges criou, criou, aumentou, expandiu (comprando um teatro para exibir seus filmes), comprou um estúdio novo, fundou a Star Films, fez mais de 400 filmes, inventou um punhado de coisas. O investimento neste mundo o fez ficar pobre, pois em certo momento, seu declínio o fez se tornar arrojado (ou desesperado) para se recuperar.
Méliès fez algo inimaginável. Não se sabe ao certo se foi desgosto por terem lhe passado a perna. Ou cair na repetição de velhas fórmulas, ou mesmo o insucesso de tentar se readequar. Veio a Primeira Guerra, e tudo se complicou ainda mais. Em 1923, o Théâtre Robert-Houdin foi demolido para reconstruir o Boulevard Haussmann. Naquele mesmo ano, a Pathé finalmente conseguiu assumir a Star Films (de Georges) e o estúdio Montreuil. Furioso, Méliès queimou todos os negativos de seus filmes que havia armazenado no estúdio de Montreuil, assim como a maioria dos cenários e figurinos. Como resultado, a maioria dos seus 500 filmes se perdeu...
Com sua "redescoberta", as atenções se voltaram para tentar recuperar algumas de suas obras. E cerca de duzentos filmes tiveram um destino feliz. Fico imaginando o tamanho da decepção de Méliès com um mundo que tornava sua vida mais difícil enquanto ele só queria entreter. Fico imaginando seu desespero a ponto de cometer um suicídio artístico, destruindo sua obra.
O reconhecimento da sua importância, vindo de forma tão tardia, jamais compensará seu esforço. Cinema para ele, era apenas mais uma forma de mostrar seus números. Ele jamais imaginou que estava dando o pontapé inicial para a criação de um monstro que o tragaria.