CABO DO MEDO (1991) - FILM REVIEW

Cabo do medo.

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo

Por razões diversas, remakes são odiados, mas no topo da lista está a simples pergunta: Pra quê revisitar uma obra pronta, estabelecida, muitas vezes de sucesso? Para que revisitar o que está bom? Quando mexem ainda em filmes com um grande número de fãs, é como mexer num vespeiro com a certeza que terminará picado. Mas ainda assim, por que fazer?

A meu ver, um remake se justifica apenas nos casos como da obra-prima "Fogo Contra Fogo", de Michael Mann. Quando ele realizou a primeira versão, não tinha um grande elenco e nem um grande orçamento. Na segunda, conseguiu tudo o que queria. Da mesma forma Hitchcock em O Homem Que Sabia Demais. Ele fez um remake para melhorá-lo.

Cabo do Medo é um ponto fora da curva. Scorsese reuniu um elenco ainda no auge e fez um filme de vingança magistral. Na trama, Max Cady (Robert De Niro), um psicopata que foi preso e condenado por estupro 14 anos atrás, cumpriu sua pena e agora está livre. Ele pretende se vingar de Sam Bowden (Nick Nolte), seu ex-advogado, que deliberadamente omitiu informações que alterariam a decisão do júri. Ele pretende agora aterrorizar ao extremo Sam, Leigh Bowden (Jessica Lange), sua mulher, e Danielle (Juliette Lewis), sua filha adolescente, mas pretende fazer isto da forma mais legal possível, pois enquanto cumpria pena estudou todos os aspectos legais possíveis.

Para ter uma ideia do comprometimento de todos evolvidos, o ator Robert De Niro pagou US$ 5 mil a um dentista antes do início das filmagens, para que ele deixasse seus dentes com um aspecto realmente ruim, que em sua opinião era o ideal para o personagem Max Cady. Após o término das filmagens, De Niro pagou mais US$ 20 mil para que o dentista deixasse seus dentes como estavam antes. Para compor Cady, De Niro foi tatuado com uma tinta com corantes vegetais, que sumiria alguns meses depois.

O forte sotaque que Robert De Niro usou para interpretar Max Cady deu arrepios até em Martin Scorsese. De brincadeira, De Niro ligava para a casa de Scorsese, deixando mensagens de voz como Cady. Eles tinham intimidade e fizeram 9 filmes juntos até hoje: Além de Cabo do Medo, os demais foram Caminhos Perigosos (1973), Taxi Driver - Motorista de Táxi (1976), New York, New York (1977), Touro Indomável (1980), O Rei da Comédia (1983), Os Bons Companheiros (1990), Cassino (1995) e O Irlandês (2019).

Curiosamente, a primeira escolha do diretor Martin Scorsese para o papel de Bowden foi Harrison Ford. Ele fez Robert De Niro ligar para Ford para tentar convencê-lo a fazer o papel; depois de alguma consideração, ele acabou recusando a oferta. E ainda bem. De Niro era muito aplicado em suas preparações. Ele, por exemplo, pesquisou crimes de predadores sexuais para o papel e sugeriu a cena em que seu personagem morde a vítima. Ele treinou vários meses para torná-lo o musculoso Max Cady,  reduzindo sua gordura corporal para apenas 3%.

Ele só entrou embaixo do carro dos Bowden após um dublê provar que era possível fazer a cena. De Niro ajudou até mesmo a figurinista Rita Ryack a escolher as roupas de Cady. Diane Keaton encontrou-se com Martin Scorsese e Robert De Niro para conversar sobre o papel de Leigh Bowden, acabou indo para Jessica.

Steven Spielberg foi originalmente escalado para dirigir. Mais tarde, ele recomendou Martin Scorsese para o trabalho e ligou pessoalmente para ele, informando-o de que se tratava de um filme comercial com potencial para ser um sucesso, o que exerceria mais poder para Scorsese fazer seus filmes. E ele tinha razão: a obra, que custou 35 milhões, rendeu quase 200 e rendeu ao filme indicações ao Oscar, Globo de Ouro e Bafta. Com ele, Martin conseguiu viabilizar o filme Cassino, com a própria Universal.

Martin Scorsese leu o roteiro original três vezes enquanto fazia Os Bons Companheiros e odiou todas as vezes, devido a como os Bowden eram uma família feliz. Spielberg també indicou Drew Barrymore para o papel de Danielle Bowden, mas seu teste foi "o maior desastre", em suas próprias palavras. Reese Witherspoon também fez o teste para o papel de Danielle. Este processo durou quase um ano. Nicole Kidman fez lobby para o papel de Danielle, mas Martin Scorsese queria uma atriz mais jovem.

George C. Scott deveria originalmente interpretar o tenente Elgart, mas por causa de problemas de saúde, ele desistiu alguns dias antes das filmagens e Robert Mitchum foi trazido. Curiosamente, Scott fez o filme Malícia, pouco depois, e com Nicole KIdman. Gregory Peck, que estrelou Círculo do Medo (1962), aparece como advogado de Cady. Robert Mitchum interpretou Max Cady na versão de 1962 e aparece como Tenente Elgart. E Martin Balsam, que interpretou Mark Dutton na versão de 1962, fez o juiz nesta versão.

Esta foi a última aparição de Gregory Peck no lançamento de um filme antes de sua morte em 12 de junho de 2003, aos 87 anos. Naquele mesmo ano fez "Com o Dinheiro dos Outros", de Norman Jewison e com Danny DeVito. Depois disto, forma 3 obras para a TV e só. Peck concluiu as filmagens de suas cenas em apenas um dia. Ao contrário de Nick Nolte e Robert De Niro, Gregory Peck e Robert Mitchum não se deram bem durante as filmagens de Círculo do Medo. Notavelmente, apesar de seus pequenos papéis no remake, Peck e Mitchum não aparecem em nenhuma cena juntos.

A partitura de Elmer Bernstein não é apenas um arranjo da partitura original de Bernard Herrmann para Círculo do Medo (1962), mas também inclui partes da partitura não utilizada de Herrmann para Cortina Rasgada (1966). Elmer Bernstein sempre gostou daquela trilha sonora original do filme de Hitch e perguntou a Martin se ela poderia ser usada no filme.

A cena no auditório do colégio foi completamente improvisada por Robert De Niro e Juliette Lewis, e feita na primeira tomada de forma correta, e que foi para a edição final. Mesmo assim, filmaram mais duas.  Ela foi originalmente planejada como uma cena de perseguição, mas Martin Scorsese queria que fosse uma sedução. Na cena, foi ideia de De Niro colocar o polegar em sua boca.

No roteiro original, Leigh conheceu Max Cady apenas no final. Jessica Lange sugeriu que a cena em que conversam fora de sua casa fosse adicionada ao roteiro, porque ela sentiu que deveria haver um encontro entre as duas antes do clímax. Quando Cady estrangula Kersek (Joe Don Baker) com a corda do piano, Steven Spielberg sugeriu que ele se vestisse como a governanta ao fazê-lo.

No filme "O Sol é para Todos" de 1962, o ator Gregory Peck interpretou um advogado em um julgamento de estupro. O romance em que foi baseado foi escrito por Harper Lee. Neste filme, Peck interpreta o advogado de um homem anteriormente condenado à prisão por estupro. Seu nome na história é Lee Heller. Robert Mitchum (Tenente Elgart) diz casualmente sobre Cady: "Se ele está desempregado, precisa de dinheiro ou vamos prendê-lo por vadiagem". O próprio Mitchum foi acusado de vadiagem em Savannah, Geórgia quando jovem.

A abertura do filme é muito semelhante à abertura de "Um Corpo Que Cai (1958)", tanto visualmente (o fade vermelho e preto do rosto feminino) como musicalmente (Elmer Bernstein emulando pontuação original de Bernard Hermann).

O filme está cheio de conexões com a atriz Tuesday Weld. Nick Nolte co-estrelou com Weld em Soldados da Morte (1978) e Robert De Niro co-estrelou com Weld em Era uma Vez na América (1984). Jessica Lange teve um filho com Mikhail Baryshnikov, que namorou Weld. Illeana Douglas era casada com Jonathan Axelrod, que namorou Weld. Gregory Peck também estrelou com Weld em O Pecado de um Xerife (1970).

Este foi o primeiro filme que Martin Scorsese filmou na proporção mais ampla de 2.39: 1, em oposição à proporção mais alta de 1,85: 1 em que ele havia filmado todos os seus trabalhos anteriores (exceto New York, New York (1977), que foi filmado em 1,66: 1). Por anos, ele parou de gravar seus filmes em 2.39: 1 com medo de que o pan-&-scan destruísse sua imagem. No entanto, em 1991 ele sabia que a mídia doméstica widescreen estava se tornando cada vez mais disponível, então ele decidiu finalmente gravar um filme em 2.39: 1, pois sabia que o filme seria lançado em tela widescreen para a mídia doméstica. 

Apesar disso, ainda havia um VHS pan-&-scan, mas ao lado dele um VHS widescreen  e o disco laser foram lançados. Por ter esse filme lançado em VHS pan & scan, Scorsese fez seus filmes posteriores A Época da Inocência(1993) e Cassino (1995) na relação de aspecto 2,39: 1, usando o formato Super 35.

Durante a cena da morte de Cady, ele parece estar falando algo sem sentido. Ele está realmente falando em línguas, rexultante com o fato de que pensa que está ascendendo aos céus. Ele realizou a vingança de forma convicta, consciente que era um ato justo, previsto por Deus. Uma verdadeira aula do extremismo que castigaria os EUA uma década depois, quando as Torres Gêmeas vieram abaixo. Só que a vida real foi bem mais trágica.