MULHER MARAVILHA 1984 (2020) - FILM REVIEW
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Era para ser um filme de heroína...
Mas se tornou uma droga.
Chega a ser inadmissível ver pouco tempo do belíssimo uniforme da Mulher-Maravilha em cena. E mais inadmissível ainda que ela protagonize filmes tão errados, cheios de problemas narrativos, mesmo sendo uma atriz tão carismática.
Para começar, o uso de 1984 no título não teve significado na história. Imagine se a onda pega? Teríamos Titanic 1912 ou O Resgate do Soldado Ryan 1944. Ridículo. Na trama, vemos Diana (Gal Gadot) em 1984 (uau), durante a Guerra Fria, entrando em conflito com o caricatural empresário de mídia, Maxwell Lord (Pedro Pascal), por conta de uma pedra que realiza os desejos.
De quebra, ela inspira Barbara Minerva (Kristen Wiig) a se tornar uma mulher mais ativa, porém, quando esta descobre que Maxwell sugou a pedra (isto mesmo) e que a Mulher-Maravilha precisa matá-lo, ela subentende que seu desejo (de se tornar uma grande mulher) será desfeito, daí ela se torna a "Mulher-Leopardo".
Difícil mensurar o tamanho das idiotices que vemos na tela. E uma das maiores é a duração de 2 horas e meia, sem ter 1 hora de história. Os personagens passam quase duas horas discutindo, conversando ou fazendo coisas que eu já até esqueci. Nada é produtivo na história.
Por exemplo, a belíssima cena inicial, que ao longo do filme, se mostra sem qualquer propósito. Depois Diana é vista fazendo coisas como evitando atropelamentos e assaltos, que são acidentes ou crimes simples, sem o menor grau de dificuldade. Para isto, sinal de trânsito e policiamento, resolveria.
Na realidade, ela quem se enrola ao lidar com os bandidos no shopping, já que fica balançando de um lado pro outro com seu laço amarelo reluzente. E mais curioso ainda é a preocupação dela de quebrar as câmeras, afinal, depois de ficar igual Tarzan num shopping lotado, sua intenção é que não seja gravada.
As filmagens começaram no dia 13 de junho de 2018 e terminaram no dia 23 de dezembro de 2018. O filme ficou parado por 2 anos. Não é possível que ninguém inteligente tenha assistido. Quando comentei que o filme era fraco em uma rede social, um cidadão me perguntou se eu queria um filme profundo como os de Truffaut.
Não respondi, lógico, mas a resposta é tão óbvia, que não perdi meu tempo: diversão pode e deve ser inteligente, interessante, mesmo que passageira. Veja, por exemplo, os filmes do Homem-Aranha, de qualquer época. Entretenimento puro, com ótimas histórias, ótimos atores, mas que não mudam sua vida.
E filmes de heróis ou heroínas precisam de contrapontos. A Mulher-Leopardo é uma vergonha. Ela não é má, apenas tem o cabelo atrapalhado e anda mal vestida. De repente, num banho de loja, vira "Uma linda mulher", e até ai, nada justifica que se torne vilã, afinal, o que ela precisava não eram superpoderes, mas autoconfiança (a personagem em nenhum momento tem atos vilanescos).
Há uma cena em particular completamente fora de contexto histórico. Situado nos anos 80 como sabemos, era uma época em que os homens mexiam com as mulheres por meio de assobios ou comentários machistas desagradáveis. A mulher se incomodava, mas não tinha "voz", digamos, para combater este comportamento totalmente inapropriado.
Porém, a personagem Bárbara se sentia feia, e quando fica bela, e leva uma cantada, sua reação não seria agredir o cara. Não, pelos menos, nos anos 80. Noutro momento, a belíssima armadura dourada é usada sem a menor necessidade, já que sua utilização estava associada a um momento limite, como o ocorrido no filme Liga da Justiça. Mas neste, é jogado na tela, num momento bobo, e 1 minuto depois, este uniforme já aparece faltando pedaço (no filme sugere ser uma armadura fortíssima). E o Jato Invisível? Melhor nem comentar.
Nos quadrinhos, Diana forma um vínculo curioso com Bárbara, cujo trabalho como arqueóloga e obsessão pelas Amazonas adiciona uma camada intrigante à amizade deles. Já a cena da briga dura dois minutos e a vilã simplesmente desaparece da história, sem que haja qualquer recompensa para o telespectador com a trajetória da personagem: foi presa? Redimiu-se? Aliás, a redenção final, mundial, como uma mensagem de que para o mundo mudar precisamos todos mudar e deixarmos nossos desejos particulares de lado, pelo todo, é de uma infantilidade utópica comparável apenas ao vilão que quer dominar o mundo.
E o tal empoderamento?
Perdeu os poderes. Dirigido por uma mulher, com uma mocinha e uma vilã mulher, nunca vi um espetáculo tão vazio, inclusive de empoderamento. Diana perdeu seu interesse amoroso, que digamos, foi apenas uma saidinha de final de semana, mas mesmo após 70 anos da sua morte, não soube lidar com o fato. A fila não andou e ela ainda estaria disposta a perder seus poderes por ele, que para piorar, nem é ele. É um corpo de um pobre coitado que deu azar de estar no lugar errado, sem nem mesmo sabermos que lugar foi este.
Diana se tornou uma sociopata egocêntrica (forte não?), capaz de qualquer coisa para atingir seus objetivos. Por um capricho amoroso, ela faz o seu ex assimilar o corpo de um estranho, que fica em transe, possivelmente sem entender quem era aquela mulher que estava transando com ele.
E não só isto. Como heroína (a droga, não a personagem!), ela deveria preservar a vida. Mas ao contrário, ela deseja, incessantemente, que a assimilação de seu ex prevaleça. E um perigoso jogo se estabelece, já que ela o enxerga da forma que ela quer. Se pensarmos que a personagem é influenciadora de comportamento, ensinar seu público a ver somente o que quer ver, é muito mais que perigoso.
E depois do corpo do cara bancar o uber do ex (não sabemos nem a orientação sexual dele, o que pode até configurar um estupro, já que ele estava vulnerável e manipulável, quase como se estivesse drogado), Diana o encontra "por acaso" na rua. O que era para sinalizar uma "segunda chance" para ela, na verdade, mostra apenas uma vida inocente que Diana queria tomar por um capricho amoroso.
E será que se eles fossem para a cama, ele teria um déjà vu? Para o nosso bem, nunca saberemos.