O HOMEM DE PALHA (1973) - FILM REVIEW
O homem de vime.
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Impossível assistir O Homem de Palha sem associá-lo imediatamente ao cultuado Midsommar, cultuado filme de Ari Aster, lançado em 2019. E para quem só conhece o último, fica o cartão de visitas para explorar o universo criado por Anthony Shaffer e dirigido por Robin Hardy em O Homem de Palha.
Na trama, o policial Neil Howie (Edward Woodward) chega à ilha de Summerisle, na Escócia, para investigar o desaparecimento de uma jovem. Logo ele descobre que os habitantes não estão nem um pouco dispostos a colaborar. A tensão e o mistério aumentam ainda mais quando ele conhece o Lord Summerisle (Christopher Lee), um poderoso fazendeiro que lidera uma estranha seita pagã.
Como os anos 60 foram agitados culturalmente na Grã-Bretanha, a repressão sexual foi lentamente diminuindo, resultando numa década de 70 mais liberal. Foi nessa época que os cineastas começaram a explorar a sexualidade de forma diferente. A nudez no filme, que antes era fonte de escândalo e provocação, começou a ser tratada com mais naturalidade. O diretor Robin Hardy, pretendia explorar isso, criando uma sociedade contemporânea e bastante liberal quando se tratava de sexo. Um dos temas recorrentes para os residentes de Summerisle, foi uma liberdade sexual que resultou em muitas mulheres nuas pulando e dançando. Isso foi usado para mostrar que os ilhéus tinham uma forte ligação com a natureza. A maioria dos residentes de Summerisle tem nomes de árvores, flores e plantas.
Apesar disto, a cena de nudez com as meninas em Stonehenge foi filmada com as atrizes vestindo macacões transparentes. Isso é mais aparente nas fotos de divulgação, onde a parte inferior das fantasias é visível na atriz mais próxima da câmera.
Christopher Lee disse que considera este um de seus maiores papéis de todos os tempos. Ele aceitou aparecer neste filme gratuitamente e ainda pagou do seu próprio bolso o tour para a imprensa e foi a todas as paradas, disposto a dar entrevistas sobre o filme.
A obra foi filmada em 1972 na maravilhosa Galloway, Escócia, e houve alguma controvérsia quando Britt Ekland o rotulou como o "lugar mais sombrio da Terra". Os produtores foram forçados a se desculpar com os moradores. A edição em Bluray consegue captar todo o esplendor do local.
Embora o filme se passe em território escocês e todos os personagens devam ser de nacionalidade escocesa, nenhum dos atores principais é escocês: Christopher Lee e Edward Woodward eram ingleses, Diane Cilento era australiana, Ingrid Pitt era polonesa e Britt Ekland é Sueca.
O roteirista Anthony Shaffer queria que este filme fosse "um pouco mais alto nível" do que a média dos filmes de terror. Ele queria especificamente um filme com um mínimo de violência e sangue. Ele estava cansado de ver filmes de terror que dependiam quase inteiramente de vísceras para serem assustadores. O foco desse filme foi cristalizado quando ele "finalmente encontrou o conceito abstrato de sacrifício".
Como as filmagens ocorreram entre outubro e novembro (o filme se passa entre abril e maio), não havia árvores em flor. As árvores nas cenas com as gestantes tiveram que ser trazidas e foram todas feitas à mão. Edward Woodward admitiu que uma das memórias das filmagens que ficou gravada em sua mente foi observar as árvores sendo trazidas na parte de trás de um caminhão, pois ele nunca tinha visto nada parecido.
Muitos anos após fazer o filme, Edward Woodward revisitou algumas das locações e afirmou que encontrou a cruz improvisada (que Howie faz com alguns pedaços de madeira) ainda intacta onde foi deixada na cena original. O diretor Robin Hardy explicou o significado da cena com a mulher com um ovo na mão amamentando um bebê enquanto estava sentada em um cemitério para Alan Cumming na Escócia, durante uma entrevista... Segundo Hardy, é um ritual de fertilidade e ela esperava por outro bebê.
Em várias cenas, Britt Ekland foi dublada por Annie Ross. E em algumas cenas de nudez, a dublê Lorraine Peters fez em seu lugar. Britt Ekland estava grávida de seu filho Nic Adler durante as filmagens e só concordou em filmar suas cenas de nudez da cintura para cima. Mas a dublê foi usada sem ela saber. As cenas foram filmadas depois que ela saiu do set. Quando as filmagens acabaram, Ekland ficou furiosa ao saber que uma dublê de corpo fora usada. Até hoje, sempre que ela é abordada por fãs para autografar fotos estáticas da cena totalmente nua, ela sempre se recusa, porque, como ela continuamente aponta, não é ela. Mas afinal de contas, quem não quis aparecer nua foi ela... Décadas depois, Hardy negou que Lorraine Peters tenha sido usada nas famosas cenas e que eles contrataram uma stripper.
As meninas na sala de aula deveriam ter cerca de 12 anos, mas Lesley Mackie (Daisy) tinha 21 anos na época. Já Lindsay Kemp, que interpretou o pai de Britt Ekland, era apenas quatro anos mais velho que ela.
O diretor originalmente queria Michael York para o papel do Sargento Howie. Quando se descobriu que ele não estava disponível, David Hemmings foi considerado antes que o roteirista Anthony Shaffer e o produtor Peter Snell recomendassem Edward Woodward, que sempre foi a primeira escolha de Snell para interpretar o papel.
Christopher Lee e Britt Ekland apareceram no filme de James Bond 007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro (1974). Diane Cilento foi casada anteriormente com o ex-James Bond, Sean Connery .
Alguns pontos interessantes da trama
Neil Howie fica chocado ao saber que os pagãos de Summerisle acreditam na partenogênese (nascimento virginal). Ao tentar rejeitar sua crença, Lord Summerisle o lembra que os cristãos acreditam no nascimento virginal de Jesus. A implicação é que Howie falha em reconhecer elementos pagãos no Cristianismo.
O sacrifício no final do filme é especificamente definido (no diálogo) como um ritual de morte e renascimento. Na mitologia comparada, tais rituais são associados ao tema da "divindade que morre e ressuscita". Essas são divindades que morrem ou ficam presas no submundo, mas voltam à vida. Este motivo de ressurreição é compartilhado por divindades como Adonis, Attis, Dionysus, Inanna-Ishtar, Osiris, Perséfone e Tammuz.
O conceito de "homem de palha" deriva de uma única frase dos "Comentários sobre a guerra gaulesa" de Júlio César. Ele alegou que os druidas dos gauleses construíram efígies com gravetos e colocaram homens vivos dentro, depois os incendiaram para homenagear os deuses. César também afirma que os homens escolhidos eram tipicamente criminosos ou escravos.
Os executivos de publicidade da empresa ficaram chocados com o final do filme e queriam que o roteirista Anthony Shaffer e o diretor Robin Hardy filmassem novamente a cena, sugerindo uma tempestade repentina que apagaria as chamas do Homem de Vime e salvaria a vida do sargento Howie. Eles recusaram.
Ainda bem que estes executivos não estavam mais na ativa quando Paixão de Cristo foi filmado, por exemplo. Provavelmente pediram para Jesus não ser crucificado... O Homem de palha é um filme sobre sacrifício, e seria no mínimo frustrante entregar uma obra cujo sacrifício não seria entregue por conta de uma simples chuva, já que, eventualmente, ela passaria. Seria uma solução pobre, que não afetou este filme, mas estragou o final de muitos e muitos filmes na história do cinema.