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O HOMEM QUE QUERIA SER REI (1975) - FILM REVIEW

 

O homem que queria ser rei,

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo


A necessidade de adoração não é ilegítima. Ela se manifesta das mais variadas formas, dentro ou fora das inúmeras religiões. O fato é que, ao eleger algo como superior, independente da entidade ou objeto criado pelo próprio homem, o ser humano se reconhece como inferior e mira na evolução do ser, pessoal e socialmente. 

E muitas vezes, ao depositar a sua genuína fé numa crença, é possível atingir grandes feitos. Ainda que sua crença eleja um nome como responsável, na maioria das vezes, é a energia gerada pela sua própria vontade, aliada a fatores como competência e sorte, algo que varia conforme o indivíduo.

Mas não há um sistema de conquista perfeito e a razão é capital: o próprio homem. Em todo reunião de adoração, há um guia espiritual e este guia, ainda que por vezes dotados de dons especiais, é um ser humano e por consequência, falho. E muitas vezes, pessoas depositam suas crenças em alguém que os leva para o fundo do oceano, como fez, literalmente, o Capitão Smith ao levar o Titanic num voo às cegas pelas águas do Atlântico Norte, ignorando avisos de icebergs em prol de uma realização pessoal na função: fazer o trajeto mais rápido possível para atestar sua competência e legado. 

Este líder espiritual geralmente se depara com dois caminhos à frente: o da soberba, principalmente com bons resultados iniciais e a tentação carnal. No primeiro, ele tende a ter o Complexo de Deus. No segundo, ele costuma eleger uma mulher, por desejo próprio, mas que, para efeito de convencimento, direciona seus seguidores para a ideia de que a divindade que o coroou, escolheu aquela mulher para ser companheira de jornada.

A obra-prima “O Homem Que Queria Ser Rei”, dirigida pelo maestro John Huston, traça uma jornada parecida. Narrado em flashback por um velho aparentemente perturbado (Caine) a Rudyard Kipling (Plummer), na redação de seu jornal, o filme conta a história de dois rudes ex-soldados britânicos, expulsos do exército, que no século XIX se dirigem à Índia, então sob domínio da Grã-Bretanha, em busca de aventuras e riquezas e acabam se tornando mais do que imaginavam para um povo da longínqua e inexplorada região do Cafiristão, onde nenhum homem branco havia posto os pés desde Alexandre, o Grande.

A ascensão ao trono acontece por acaso. Após Daniel Dravot (Connery) ser ferido em batalha por uma flecha no peito e nem sangrar, nem morrer (a flecha, na verdade, entrou numa bandoleira de couro que ele usava embaixo da roupa), passou a ser considerado divino pelos habitantes locais.

A queda vem por meio da cobiça a uma mulher, já que o povo não o tratava como guia espiritual, mas divindade, e como tal, não poderia ter uma mulher. Como dito acima, o homem foi o lobo do homem, e único responsável pela sua queda. Falho, queria ser Rei, mas ao se tornar um Deus, quis ter os prazeres do homem, selando seu destino.

O diretor, a concepção e a criatura

O filme é baseado na obra homônima de Rudyard Kipling. Huston era um ávido fã de Kipling desde a infância. Em um artigo de 1976 para a Film Encyclopedia, Huston comentou: "Eu leio tanto Kipling, está no meu inconsciente. Você começa um verso que eu termino. Kipling escreve sobre um mundo desaparecido, uma geografia perdida. É o mundo da aventura, alta honra e mistério". Michael Caine disse que seu poema favorito de todos os tempos é "If" de Kipling ao passo que Connery falou numa entrevista, anos depois, que o seu papel favorito foi Danny no filme de Huston.

John Huston tentou realizar o filme muitas vezes antes de, eventualmente, fazê-lo. Foi originalmente concebido para Clark Gable e Humphrey Bogart nos anos cinquenta. Bogart morreu antes que o filme pudesse ser feito, e enquanto Huston estava considerando quem poderia substituir Bogart, Gable também faleceu. A ideia era discutida com o produtor Mike Todd (de A Volta ao Mundo em 80 dias), mas ele também pereceu em um acidente de avião no final dos anos 50.

Mais tarde, ele o reimaginou como Burt Lancaster e Kirk Douglas, e depois, Richard Burton e Peter O'Toole. Quando foi considerada a dupla Robert Redford e Paul Newman, Newman sugeriu os nomes de Sean Connery e Michael Caine .

Embora o filme seja fiel à história original de Kipling, o final é diferente. O filme termina com Peachey deixando o saco com a cabeça de Daniel na mesa de Kipling. Na história, Peachey leva com ele. No dia seguinte, é encontrado rastejando na rua e levado para um manicômio, onde, no dia seguinte, morre de insolação.

O autor

Como em boa parte da obra de Kipling, a história é marcada pelos ideais do imperialismo britânico. A ideia de civilizar o mundo sempre foi atrelada à religião. A obra reflete o período vivido pelo próprio autor, que a lançou em 1888. Vários trabalhos seus ganharam os cinemas, como Gunga Din, Kim e talvez o mais adaptado até hoje: O livro da selva. Ele foi um dos escritores mais populares da Inglaterra no final do século XIX e início do XX. Renomados nomes como Henry James, George Orwell enalteceram ele, que foi laureado com o Nobel de Literatura de 1907, tornando-se o primeiro autor de língua inglesa a receber esse prêmio e, até hoje, o mais jovem a recebê-lo. 

A título de comparação, o autor Joseph Conrad, que publicou "Coração das trevas" em 1899, discorre sobre um tema parecido. Para quem não o leu, certamente viu o filme Apocalypse now e nele vemos o Coronel Kurtiz agindo como Danny. A diferença está no fato de que o militarismo o responsável pelo fim de Kurtiz.

A ideia de civilizar o mundo sofre do mesmo mal que a adoração, afinal sempre haverá o homem que queria ser rei, mas nunca saberá como permanecer no trono.


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