PSICOSE (1960) - FILM REVIEW
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Vou começar este post largando uma bomba: Psicose é a grande obra-prima de Alfred Hitchcock. Um Corpo que Cai é a obra de arte que costuma levar este posto, e já foi considerado o melhor filme do cinema. Não é exagero. Mas ainda considero Psicose um filme de encher os olhos. No filme, Marion Crane (Janet Leigh) é uma secretária que rouba 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha para se casar e começar uma nova vida.
Durante a fuga a carro, ela enfrenta uma forte tempestade, erra o caminho e chega a um velho hotel. O estabelecimento é administrado por um sujeito atencioso chamado Norman Bates (Anthony Perkins), que nutre um forte respeito e temor por sua mãe. Marion decide pernoitar no local, sem saber o perigo que a cerca.
O filme trata de um dos temas preferidos de Alfred: o voyeurismo. Afinal, o que é um voyeur? A palavra de origem francesa caracteriza a pessoa que tem prazer em observar a intimidade de outras pessoas. Não só atos sexuais como alguns pensam. Alguns entendem que é uma patologia. Voyeur significa "aquele que vê". Um caso pouco lembrado é dos realities. Há uns anos, o BBB utilizava a frase: Você gosta de olhar, não é? Ou seja, nós, que curtimos assistir, somos voyeurs.
Geralmente, o voyeur tira fotos ou filma, ainda que faça pouco proveito do material. Ele dificilmente se relaciona diretamente com quem é observado. Não é incomum, o voyeur desenvolver uma obsessão por um indivíduo específico e se tornar um stalker. Listas de filmes sobre voyeurs não podem faltar títulos de diretores como Tinto Brass, Brian de Palma, David Lynch, Paul Verhoeven e claro, Hitchcock que exploram explicitamente em suas filmografias, o tema.
Antes de ser apenas uma alternativa para o entretenimento, o cinema é um meio instigador de uma das nossas atitudes mais peculiares: o prazer que temos em observar. Ver o que está nas telas parece incitar o nosso olhar como se estivéssemos espiando pelo buraco da fechadura. Os olhos são a janela da alma. Olhos também são instrumentos do voyeurismo. E Hitchcock era um voyeur em sua vida pessoal. Esta é uma característica do diretor que pode ser vista em quase todos os seus filmes.
A fim de tornar os espectadores como companheiros voyeurs, Alfred usou uma lente de 50 mm em sua câmera de 35 mm. Isso dá a melhor aproximação da visão humana. Nas cenas em que Norman está espionando Marion, esse efeito é sentido.
Hitchcock é um dos cineastas mais importantes da história do cinema (se não "o"). Historicamente, sua filmografia é dividida em "fase inglesa" e "fase americana". Na fase inglesa, Hitchcock estabeleceu algumas inovações que caracterizaram seu estilo, uma delas é a introdução de um recurso de roteiro que virou uma de suas marcas registradas, o personagem inocente que é perseguido ou punido por um crime que não cometeu.
O sucesso destes filmes chamou a atenção dos produtores de Hollywood para a habilidade do diretor em usar o suspense, a partir de tramas plausíveis em que explorava psicologicamente os temores humanos. Em 1939, Hitchcock mudou-se para os Estados Unidos e assinou contrato com David Selznick, produtor de filmes como E o Vento Levou onde realizaria a maior parte de suas obras-primas.
Hitch era um visionário e sempre inovava em suas produções. Quando o elenco e a equipe começaram a trabalhar no primeiro dia, tiveram que levantar a mão direita e prometer não divulgar uma palavra da história. Hitchcock também reteve a parte final do roteiro de seu elenco até que ele precisasse filmá-la. Hoje, spoiler é uma palavra comum e facilmente entendida por todos, mas nos anos 60, este cuidado era algo novo. O diretor comprou os direitos do romance anonimamente de Robert. E então comprou o máximo de cópias do romance que pôde, para manter o final em segredo. O romance que deu origem ao filme foi inspirado na história verídica de Ed Gein, serial killer que também inspirou Confissões de um Necrófilo (1974), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e O Silêncio dos Inocentes ( 1991).
Aliás, revendo o filme para este post, percebi o quão único ele é. Um exercício de tensão pleno, mostrando cada situação passada por Marion como num filme de ação (a música e a edição são completamente responsáveis por isso). E somos levados, de forma sorrateira, a cair na armadilha preparada por Alfred. Ao acompanharmos a tensão recorrente no rosto de Marion, somos levados a acreditar em diversos desenrolares possíveis, menos que sua morte ocorreria no meio do filme, deixando o telespectador sem ação, sem chão, sem apoio, diante de uma das sequências de assassinatos mais memoráveis do cinema. A cena do chuveiro, em toda sua composição, é uma das mais citadas do cinema.
E justamente nela, perdemos nossa referência, para então entrarmos num novo mundo, habitado por Norman Bates, Norma Bates e o fio condutor de suas vidas. Perkins caiu como uma luva no personagem. Ele era uma pessoa extremamente tímida, e víamos isso nas telas. De acordo com a biografia, ele teve relacionamentos exclusivamente entre pessoas do mesmo sexo até o final dos 30 anos, incluindo o ator Tab Hunter, o artista Christopher Makos, o dançarino Rudolf Nureyev, o compositor e letrista Stephen Sondheim e o dançarino-coreógrafo Grover Dale. Perkins também foi descrito como um dos dois grandes homens na vida do compositor francês Patrick Loiseau.
Esta figura reprimida, maquiada de timidez, levou ele, anos depois, a se relacionar com mulheres também, principalmente como uma "suposta" forma de se desenvolver como pessoa e ser feliz. Eram outros tempos, e a mentalidade da época preenchia o eu da pessoa gay com dúvidas e culpas. Este tema foi tratado em livros sobre o ator.
Perkins foi diagnosticado com HIV durante as filmagens de Psicose 4, e morreu em sua casa em Los Angeles em 12 de setembro de 1992, de pneumonia relacionada à AIDS. Em 2001, um dia antes do nono aniversário de sua morte, a viúva de Perkins (sim, ele se casou com uma mulher como forma de cura-gay) morreu aos 53 anos nos ataques de 11 de setembro a bordo do voo 11 da American Airlines. Ela estava voltando para sua casa na Califórnia após umas férias em Cape Cod.
E assim como Janet Leigh (a primeira rainha do grito, título tomado por sua filha, Jamie Lee Curtis, duas décadas depois), Perkins ficou marcado por Psicose e em entrevistas posteriores, disseram que não se importaram com isso, já que na visão deles, é melhor marcar por um papel do que não marcar por nenhum...
Icônico
Psicose traz momentos e frames jamais esquecidos. A já citada cena do chuveiro, com a morte da atriz principal, entoada pela música de Bernard Herrmann é a primeira. Mas há momentos antológicos como o carro afundando na lama (e uma ligeira e aterrorizante parada) ou a queda do detetive Arbogast na escada. A casa de Bates foi em grande parte modelada em uma pintura a óleo do Museu de Arte Moderna de Nova York.
A tela é chamada de "House by the Railroad" e foi pintada em 1925 pelo icônico artista americano Edward Hopper. Essa pintura foi a primeira adquirida pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (em 1930). Os detalhes arquitetônicos, o ponto de vista e o céu austero são quase idênticos aos deste filme.
A cena em que a irmã de Marion descobre que a mãe de Norman está morta e é surpreendida por ele, transvertido da mãe é simplesmente genial. Ao ser capturado, Normam se desfigura, perdendo a peruca, mostrando que Noma Bates é seu Mr. Hyde.
Dr. Jekyll nunca esteve tão bem representado...