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BOY ERASED: UMA VERDADE ANULADA (2018) - FILM REVIEW


Garoto apagado

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo


Não há como escrever algo do filme Boy Erased sem falar sobre política.

Antes de mais nada, a história gira em torno do jovem Garrard (Lucas Hedges) de apenas 19 anos que mora numa pequena cidade conservadora do Arkansas. Ele é gay e filho de um pastor da igreja batista. Chega um momento em que ele é confrontado pela família, ou arrisca perder sua família e amigos ou entra num programa de terapia que busca a "cura" da homossexualidade.

Bom... vamos voltar no tempo, até a época da ditadura militar no Brasil.
 
Como sabemos, os meios de comunicação tem um papel  importante como formador de opinião. Desta forma, qualquer regime autoritário busca censurá-los de alguma forma.  Recentemente escrevi sobre este fato, acontecido também na Tchecoslováquia (leia aqui) e como este período influenciou o cinema daquele país. No nosso Brasil, a ditadura vigorou por mais de 20 anos, entre 64 e 85 e desta forma, as artes foram severamente censuradas a fim de não haver interferência delas no governo.  O governo não aceitava ser desestabilizado, evidentemente.


Esse controle sobre a opinião pública e sobre todas as áreas da vida social era feito por diversos órgãos, tais como o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), que compunham as engrenagens de um sistema de desmobilização popular e de perseguição à dissidência a partir da repressão política, da censura e até mesmo da tortura.

Dando um salto no tempo, para janeiro de 2019.

A corrupção chegou ao limite máximo na história do nosso país. Numa avaliação simplista e até pessimista, parece que quase todos envolvidos na engrenagem política são corruptos. Esta engrenagem gere o Brasil. Em janeiro de 2019 assumiu o presidente eleito Jair Bolsonaro, com discurso feroz, defensor de armas, preconceituoso, extremista e cercado por militares (ele próprio inclusive). Ressurgiu das cinzas, a sombra do governo militar. E com ele, o medo da censura voltar.


Na escolha de seus ministros, Bolsonaro nomeou Damares Regina Alves, uma advogada e pastora evangélica brasileira, como ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ela classifica homossexualidade como aberração e participou dos infames grupos de cura gay.

(...) meninos vestem azul e meninas vestem rosa.

Estes são fatos, que infelizmente aconteceram. Não retratam minha opinião sobre ela, que confesso, não sei nada sobre sua vida. Mas posso dizer o que vi, por experiência própria, quando frequentei igrejas evangélicas. Aprendi que Deus é amor. Jesus andava com ladrões e prostitutas. Mas alguns pastores pregam ódio na forma de amor. E dentro deste contexto, são homofóbicos sim, levando em conta palavras do antigo testamento. Então, não há como duvidar dos dizeres da ministra, justamente por ser pastora evangélica.


E neste cenário, chegaria aos cinemas um filmes sobre a infame cura gay. Não que o filme seja polêmico, explícito ou algo do tipo. Simplesmente, veio na hora errada, considerando um cenário de censura se formando. Se olharmos "O Mau exemplo de Cameron Post", com Chloë Grace Moretz, ele não fez tanto barulho, justamente por sair antes. E assim como Boy Erased, é um filme comum, que trata um tema absurdo de forma singela e sem ofender ninguém, mostrando um pouco da realidade das pessoas que passam por esta imposição.

Previsto para estrear no Brasil entre janeiro e fevereiro de 2019, o filme “Boy Erased: Uma verdade anulada“ teve seu lançamento cancelado em cinemas no Brasil. E por pouco, nem saiu em DVD. O próprio Garrard Conley, autor do livro em que o filme se baseia, se manifestou no Twitter:

-'Boy Erased' censurado no Brasil. Sentia que isso poderia acontecer e estou muito triste que esse tipo de coisa aconteça em um país tão incrível.

Bom, evidentemente, negaram que houve censura. Mas o cenário é bem propício não acham?


É plausível, mas ainda que não tenha sido, reforça a tensão política que vivemos, talvez com medo de um governo que tenha um chefe ao invés de um líder. De uma pessoa que diz que nasceu para ser militar e não presidente, ou seja, não sabe fazer outra coisa a não ser mandar. Curioso o fato de que se o não lançamento do filme se desse há uns 4, 5 anos, não seria nada de mais. Veja o caso do filme Hereditário, obra-prima de terror que saiu nos cinemas em 2018. Por aqui, não saiu nem em DVD, e não se tratava de cura gay...

Garrard Conley

O autor do livro Boy Erased nasceu no Arkansas, nos Estados Unidos, e é filho de um pastor da igreja Batista. Em 1998, Conley escolheu passar pela terapia que o transformaria em “ex-gay”. Ele tinha 19 anos. Decisão esta baseada no amor (e pressão claro) pelos pais, vendo a decepção que seria se ele saísse do armário. Optou, assim, por passar por um calvário. Seu horror físico e psicológico funcionou como um campo de concentração, onde eles eram torturados e até mesmo levados à morte.


“Decidi escrever depois de aceitar alguns dos sintomas que experimentei por causa da terapia (um profundo sentimento de vergonha permanente, por exemplo), e senti que precisava dar voz às experiências dos outros.”

Como mostrado no filme, a bomba estourou quando Conley foi estuprado e seu agressor ligou para os pais do rapaz, revelando que ele é gay. O próprio autor revelou em dado momento que foi estúpido de aceitar passar por aquilo tudo. Mas sua imaturidade na época o impediu de uma decisão melhor. 

Seu livro de memórias foi publicado e ficou na lista de melhores do ano do The New York Times, e na lista Top 10 Biografias do Oprah’s Book Club, da apresentadora americana Oprah Winfrey. Quando as memórias de Garrard Conley foram divulgadas em 2016, vários estados americanos proibiram a terapia de conversão gay.


Boy Erased foi dirigido pelo ator Joel Edgerton, que havia feito apenas um filme até agora, O Presente , em 2015. O longa traz Nicole Kidman, Russell Crowe e Lucas Hedges no elenco principal. O filme foi indicado ao Globo de Ouro 2019 em duas categorias: Melhor Ator de Filme  Drama, pela atuação de Lucas Hedges, e Melhor Canção.

Edgerton não pretendia com o filme vencer prêmios ou ganhar mais reconhecimento. Ele o fez com o intuito de tornar a história conhecida e nós julgarmos o quão absurda é a cura gay e como ela é executada de forma cruel.

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