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O CÃO BRANCO (1982) - FILM REVIEW


Cão branco.

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo


A educação nunca é imparcial.

Este é sem dúvidas um filme sobre parcialidade. Não sobre preconceito. E ao final da projeção, podemos perceber como a educação é parcial. Somos doutrinados desde a infância. É um fato imutável, por mais que muitos tentem lutar contra as evidências. No filme de Fuller, o cão nos representa. Ele aprende a atacar negros. Muitos pensavam que se tratava de um cão racista, mas o racismo é praticado pelo seu antigo dono. Ele apenas faz o que aprendeu, sem discernir o certo do errado. 

No filme, Julie Sawyer (Kristy McNichol), uma jovem aspirante a atriz, encontra um cão branco perdido na rua e resolve adotá-lo. Ela aos poucos percebe que se trata de um animal treinado a vida toda para atacar pessoas negras (a exemplo dos 'cães brancos' da África do Sul). Ao perceber o comportamento racista do cachorro, ela o entrega a Keys (Paul Winfield), um treinador de animais, ele próprio negro, para tentar reeducar o animal.


A produção é baseada em uma história verdadeira. Uma vez, quando a atriz Jean Seberg morava em Hollywood com o seu marido, o escritor Romain Gary, ela trouxe para casa um grande cão branco que tinha encontrado na rua e que parecia simpático e brincalhão. No entanto, quando o animal viu seu jardineiro negro, o atacou violentamente, ferindo-o. Após o ocorrido, o casal manteve-o no quintal, mas um dia, ele saiu e atacou outro homem negro na rua e ninguém mais. Depois que isso aconteceu pela terceira vez, eles perceberam que alguém havia treinado o cão para atacar e ferir apenas negros. Gary escreveu um artigo de revista sobre ele para a Life em 1970, que se tornou um livro ficcional inteiro.

Durante o desenvolvimento do filme, os executivos da Paramount que incluíam tanto Michael Eisner, como o futuro super produtor Don Simpson, foram citados por dizerem que queriam que o Cão Branco fosse o "Tubarão com patas (Jaws with Paws)", em referência ao filme de Steven Spielberg. A trilha sonora é de ninguém menos que Ennio Morricone. E foi ideia da esposa de Fuller, Christa Lang, de contratá-lo. Lang faz uma ponta em Cão Branco com uma enfermeira. Em 1981, Lang co-fundou a Chrisam Films com Fuller.


Samuel fez mudanças pontuais no filme, se compararmos com o livro.  Por exemplo, na obra, o instrutor era um negro muçulmano cheio de ódio que havia deliberadamente treinado novamente o cachorro para atacar pessoas brancas. Ele foi convertido no personagem de Keys, que genuinamente desejava curar o animal. Consequentemente, o final do filme se tornou mais pessimista.

A principal razão pela qual o filme foi enterrado pela Paramount deveu-se às críticas alegadas pela NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) afirmando que o filme estava tentando levar uma mensagem racista em suas representações das ações do cachorro, enquanto o filme estava em pré-produção. Uma vez que a data de lançamento foi marcada, a NAACP ameaçou a Paramount com boicotes, o que logo assustou os executivos em grande parte devido ao tema do filme. A produção então teve seu lançamento limitado em apenas algumas cidades como Seattle, Denver e Detroit e a Paramount finalmente abortou seu lançamento nos EUA engavetando o filme logo em seguida.


O Diretor Samuel Fuller se manifestou na época: "- Engavetar o filme sem deixar ninguém vê-lo? Fiquei chocado. É difícil expressar a dor de ter um filme pronto trancado em um cofre, para nunca ser exibido para um público. É como alguém colocando seu bebê recém-nascido em uma prisão de segurança máxima para sempre..." Samuel se mudou para a França depois do episódio. Ele disse: "- Mudar para a França por um tempo aliviaria algumas das dores e dúvidas com as quais eu tive que viver por causa do Cão Branco".

A produção deste filme foi turbulenta desde o início. Roman Polanski foi contratado pelo estúdio para dirigir o filme em meados da década de 70, mas antes de iniciar as filmagens, ele foi acusado de estupro por uma menor e por conta disto fugiu dos EUA interrompendo a produção por alguns anos. O filme então passou para a mão do então desconhecido Tony Scott, que naquela época era apenas o irmão de Ridley Scott, que já era conhecido pelos filmes Alien: o 8º passageiro e os Duelistas. Seria o début do irmão como realizador, mas acabou não acontecendo (ainda bem). Scott iniciou sua carreira com a obra-prima Fome de Viver, em 1983 e para muitos, seu melhor filme. 


Cão Branco acabou se tornando um filme "maldito". Infelizmente, as histórias ruins ligadas ao filme não pararam. Como dito acima, a história se baseia nas experiências de Romain Gary e da atriz Jean Seberg, que foram transformadas em livro por ele. Para quem não se lembra, Jean fez com Jean Paul Belmondo uma das grandes obras do cinema, Acossado, de Jean Luc Godard e protagoniza uma das cenas mais famosas do cinema (foto acima).

Na noite de 30 de agosto de 1979, Seberg desapareceu. Em 8 de setembro, nove dias depois de seu desaparecimento, seu corpo em decomposição foi encontrado enrolado em um cobertor no banco de trás do seu Renault, estacionado perto de seu apartamento em Paris. A polícia encontrou evidências consistentes de que ela havia se suicidado.


Romain Gary, que além do escritor do livro, também foi o segundo marido de Seberg, convocou uma coletiva de imprensa logo após sua morte, onde culpou publicamente a campanha do FBI contra Seberg por sua deterioração da saúde mental. Gary alegou que Seberg "ficou psicótica" depois que a mídia relatou uma história falsa que o FBI plantou sobre ela. Seberg se tornou famosa pelo seu envolvimento em movimentos de direitos civis, especialmente no controverso "Panteras Negras", que irritou o FBI. Informações da época sugerem que ela foi colocada na famosa "Lista negra" de Hollywood.

Pouco mais de um ano depois, em 2 de dezembro de 1980, foi a vez do próprio Romain Gary tirar sua própria vida. E como podem observar, ambos próximos ao ano de início das filmagens do Cão Branco, e por consequência disto, nenhum dos dois teve o prazer de ver a obra traduzida nas telas...


Entendam as tensões que acometiam os EUA e que afetaram o lançamento do filme.


O período anterior ao lançamento do filme (e o posterior, evidentemente, basta lembrarmos de Rodney King) era repleto de tensões. Em 1965 ocorreu o fatídico "Domingo Sangrento". As marchas de Selma a Montgomery foram três manifestações (sendo a primeira conhecida como “Bloody Sunday”) do movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos que conduziram à aprovação da Lei dos Direitos ao Voto de 1965. Seiscentos manifestantes protestavam contra a morte de Jackson e a permanência da exclusão do processo eleitoral, quando foram atacados pela polícia local e estatal com cassetetes e gás lacrimogênio.

“Em julho de 1967, distúrbios raciais também desencadeados por atuações policiais contra a população negra causaram 43 mortes em Detroit (eventos mostrados no filme Detroit em Rebelião, de 2017)”.

O assassinato em 4 de abril de 1968 de Luther King, também desencadeou uma onda de violentos distúrbios raciais em 125 cidades dos EUA nos quais 46 pessoas morreram, 2.800 ficaram feridas e mais de 26 mil foram detidas. A capital do país, Washington, foi a mais afetada, com 13 mortos e incontáveis saques e destruição.


Os eventos acima marcaram este final de década de 60 e início de 70.  Ao longo da década de 70, vários incidentes marcaram os EUA, sempre mantendo vivo o preconceito no país. O mais marcante talvez seja os três dias de distúrbios que acabaram com 18 mortos e mais de 400 feridos no bairro negro de Liberty City em Miami entre os dias 17 e 20 de maio do ano de 1980. A violência foi provocada após a absolvição de quatro policias brancos julgados pelo assinado de um motociclista negro que havia furado o sinal vermelho no ano anterior em Miami.

Lido este breve infográfico, insira o lançamento de um filme sobre um cão branco que odeia negros... Faz um pouco mais de sentido o filme ter sido engavetado na época, não? Mas no final das contas, era um barril de pólvora sem pavio, pois o foco da obra era mostrar que aprendemos de tudo nesta vida, inclusive o preconceito racial.

O que importa nesta equação, portanto, são os nossos professores.

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