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DOIS ESTRANHOS (2021) - FILM REVIEW

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Dois completos estranhos.

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo


Eu sou particularmente fã de filmes em que o personagem vive o mesmo dia, repetidas vezes. São vários e marcantes, como Feitiço do Tempo (com Bill Murray) e No Limite do Amanhã (com Tom Cruise). Estas produções (fiz uma lista aqui) procuram propor um olhar interior do personagem central, a fim de que ele aprenda, com a repetição, melhores caminhos na sua vida. 

Mas nunca, nenhum deles, fez o que "Dois Estranhos" faz: propor um olhar exterior, mostrando a inevitabilidade de uma situação: que, no caso, é o racismo. Nos demais filmes, a repetição não te faz pensar ou te deixar reflexivo, mas apenas mostrar quais atitudes não estão dando certo, além das suas novas tentativas. 

Em "Dois Estranhos", cada repetição dói na alma de quem sente o preconceito, pois a morte do personagem central e seu sequente retorno, representa cada vida perdida desta mesma forma nos EUA. Já na primeira vez, ele diz o fatídico "I can't breathe", remetendo à brutal morte de George Floyd em maio de 2020.

Sua curta duração não diminui em nada seu impacto, pelo simples fato de que continuamos pensando por horas sobre aquela história de opressão, que se por um lado termina com o personagem dizendo que não vai desistir de "chegar em casa", por outro, nem quando convencido da inocência do personagem, o policial se dá por vencido, perpetuando o sentimento de ódio por conta de uma cor. E o personagem central tenta, a todo custo, mostrar para o mundo, que ele é bom. Uma boa pessoa. Correta. Mas a trama é fatalista, e suas tentativas são em vão.

Tal como Hitler, promoveu sua perseguição incansável aos judeus, com o propósito de purificar a raça. Na obra-prima de Quentin Tarantino, Bastardos Inglórios, o vilão nazista explica de forma ímpar a razão irracional do ódio pelos judeus tentando criar empatia do telespectador com uma comparação entre dois animais. O diálogo entre Hans Landa (Christoph Waltz), o “caçador de judeus”, e o fazendeiro Perrier LaPadite (Denis Menochet), suspeito de esconder uma família judia

Ele diz que se comparassem as qualidades dos judeus às de um animal seriam as mesmas do rato. Leia abaixo o diálogo na íntegra:

"Leve em consideração o mundo em que o rato vive. É um mundo bastante hostil. Se um rato entrasse pela sua porta da frente agora, o Sr. o receberia com hostilidade?

LaPadite: Suponho que sim.

Hans Landa: O rato lhe fez alguma coisa para criar essa animosidade?

LaPadite: Ratos espalham doença. Eles mordem as pessoas.

Hans Landa: Os ratos foram a causa da peste bubônica, mas faz tempo. Toda doença que o rato pode espalhar, o esquilo também pode. Concorda? Mas não sente pelos esquilos o mesmo que sente pelos ratos, não é?

LaPadite: Não.

Hans Landa: Embora ambos sejam roedores, não é? E exceto pelo rabo são bem parecidos, não são?

LaPadite: Pensamento muito interessante.

Hans Landa: Interessante o quanto possa parecer, não faz a menor diferença no que o Sr. sente. Se um rato entrasse aqui agora enquanto estou falando, o Sr. o receberia com um pires do seu leite delicioso?

LaPadite: Provavelmente não.

Hans Landa: Achei que não. Não gosta deles. Não sabe por que não gosta deles. Só sabe que os acha repulsivos."

Diálogo forte não?

Agora pegue o rato e substitua por um negro. 

E pegue a pessoa que acha os ratos repulsivos, e substitua por você.

Incomoda não? 

Pensar que estou te julgando, leitor ou leitora. Julgando que seja preconceituoso (a). Caso não seja, vai doer, não é? Eu estaria cometendo uma injustiça, não é?

É exatamente a sensação que essas pessoas assassinadas, tiveram momentos antes de serem mortas: "sou inocente", "não consigo respirar"...

Vidas negras importam. 

Alguém pode minimizar a dor deles, dizendo que "vidas" importam, num sentido geral. Bom, isto é óbvio, mas ao contrário dos demais, eles são os perseguidos, oprimidos, assassinados.

O próprio diretor, disse numa entrevista, que o filme nasceu da repetição de histórias sobre negros que eram mortos pela polícia sem parar. E ter que reviver a indignação, a tristeza e a dor, e então a aceitação desses eventos repetidamente e desta repetição, veio a ideia do filme.

“Dois Estranhos” é assim, te faz pensar, refletir se o caminho que está tomando é o correto. E tão cheio de nuances, que parecem easter eggs, mas na realidade, são apontamentos para uma direção que muitos ignoram.

Por exemplo, o título é um aceno para a canção "Changes" de Tupac Shakur, que apresenta a frase: "Aprenda a me ver como um irmão em vez de dois estranhos distantes". (A canção "That's the Way it Is" de Bruce Hornsby and the Range na qual "Changes" se baseia é uma melodia recorrente no filme). Tupac foi mais uma vítima deste ódio sem fim. 

E por falar em fim, o sangue no chão depois que o policial o matou perto de sua casa (a última morte que vemos acontecer) tem a forma do continente africano. 

Sutil, mas mostra o tamanho do sangue que temos nas mãos, às vezes diretamente, às vezes indiretamente ou mesmo por omissão. Sangue derramado toda vez que vemos uma injustiça e não tomamos partido. 

E não é ficar do lado do negro. É ficar do lado certo, o que, neste caso, é a mesma coisa.

#SayTheirNames 

#blacklivesmatter 


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