EMANCIPATION - UMA HISTÓRIA DE LIBERDADE (2022) - FILM REVIEW
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Numa rápida pesquisa na internet, o conceito da palavra Emancipação é definido como um ato irrevogável e, por isso, os pais devem ter plena convicção de que o menor possui maturidade suficiente para praticar e responder civilmente por todos os seus atos. São competentes para outorgar emancipação os pais do menor.
O filme do post em questão foi chamado de Emancipação (no original e aqui no Brasil). E o nome dialoga com o teatro do absurdo que é a realidade, afinal, a palavra nos remete a uma relação de "Dono e posse", mas não para por aí: mostra a incapacidade do "possuído" em caminhar com suas próprias pernas, daí vem a necessidade de ter um dono.
Assim era o escravo: incapaz. Era posse. Mão de obra gratuita. E a Emancipação se faz jus diante da libertação feita por Abraham Lincoln, porém, para muitos, precisou ser conquistada, pois qual dono queria se ver livre do trabalhador gratuito? O que nos leva ao filme Emancipation – Uma História de Liberdade, que conta a história de um homem escravizado que foge e atravessa os pântanos da Louisiana, nos Estados Unidos, em uma jornada tortuosa para escapar dos proprietários de plantações que quase o mataram.
Peter (Will Smith) é o homem em busca da sua liberdade, que escapa da escravidão confiando em sua inteligência, fé inabalável e profundo amor por sua família, fazendo o impossível para se livrar dos caçadores de sangue-frio nos implacáveis pântanos da Louisiana.
O filme é inspirado nas fotos reais, de 1863, de “Peter Chicoteado" (Whipped Peter), tiradas durante um exame médico do Exército dos EUA, que apareceram, pela primeira vez, na revista Harper’s Weekly. Uma destas fotos, conhecida como “As Costas Açoitadas” (The Scourged Back), mostra as costas nuas de Peter mutiladas pelas chicotadas de seus escravizadores e acabou contribuindo para a crescente oposição pública à escravidão, se tornando um símbolo das atrocidades cometidas em seu tempo.
O chicote e o corpo
O título da obra-prima de horror do gênio Mario Bava lançada em 1963 não poderia encaixar melhor na história de Emancipação, a qual é a história de “Peter Chicoteado" (Whipped Peter). A foto das "costas açoitadas" tornou-se uma das mais divulgadas do movimento abolicionista durante a Guerra Civil Americana e continua sendo uma das fotos mais notáveis dos Estados Unidos do século XIX.
Emancipação e a reconstrução de um passado perdido.
Não há tantos detalhes sobre a vida de Peter e mesmo incertezas como ele ter filhos, porque o passado foi sendo reconstruído com os anos. E muito foi perdido. Mas não importa muito quem ele era, mas o que se tornou: era um escravo e se tornou um símbolo. Ao vermos a foto, sentimos empatia e indignação. Projetamos em nossas mentes todo um cenário de dor, sofrimento e preconceito contra um ser humano que era tratado diferente apenas por ter uma cor, como outra pessoa qualquer (não há ninguém sem cor, segundo me consta).
Mas o fato de ser uma cor escura, fez dela uma catalisadora do ódio. Como vemos no filme, na sequência em que a menina denuncia a fuga: o ódio era ensinado. E ao crescer sob ensinamentos de ódio, você dificilmente será uma pessoa propagadora do amor.
E o teatro do absurdo tomava conta da história de Peter, e tantos outros, quando mesmo após a libertação, oficiais e soldados não eram encorajados a ajudar escravos para deixarem seus empregadores. Eles só não podiam obrigar ou autorizar seu retorno pela força.
Um típico negro
Em 4 de julho de 1863, no 87º aniversário da independência americana e um dia após o ponto alto da Confederação e a vitória crucial da União na Batalha de Gettysburg, a Harper's Weekly, revista mais lida nos Estados Unidos durante a Guerra Civil, publicou um artigo chamado "A Typical Negro", que apresentava três fotos de um homem que a revista chamava de Gordon.
Tapa na cara
O foco da beleza do filme (no sentido técnico como direção e atuação) foi roubado pela inusitada cena de Will Smith dando um tapa em Chris Rock enquanto ele apresentava o Oscar. Vivemos num consenso social em que a violência nunca deve ser revidada com violência. E aparentemente, Rock fez uma piada infeliz com a esposa de Smith, que vivia um momento delicado no casamento com ela e tinha bebido demais durante a premiação.
Rock merecia todas as punições cabíveis, mas Smith atraiu para si o foco do julgamento por uma sociedade notoriamente hipócrita. E isso matou as pretensões do filme em ser grande. Foi altamente especulado que o filme seria 'arquivado' por algum tempo, devido ao incidente ocorrido em 27 de março de 2022. No entanto, foi anunciado mais tarde que seria lançado em 2023, antes a ser transferido para a data de dezembro de 2022.
O filme foi dirigido por Antoine Fuqua e co-produzido por Will Smith, que estrela como o escravo fugitivo rumo a Baton Rouge, Will Smith recebeu 35 milhões de dólares pelo papel, o maior salário de sua carreira. E é talvez a grande atuação de sua carreira, notável por alguns ótimos papéis como Ali (2001) e À Procura da Felicidade (2006).
Se alguém precisa permitir que você faça alguma coisa, então você não é realmente livre, não é?
O produtor Joey McFarland começou a pesquisar a história em 2018 e contratou Collage para escrever o roteiro. O filme foi anunciado oficialmente em junho de 2020, com Fuqua para dirigir e Smith para estrelar. As filmagens ocorreram na Louisiana entre julho e agosto de 2021, com a Apple pagando 130 milhões para adquirir os direitos do filme, superando vários outros estúdios.
A trilha sonora do filme é de Marcelo Zarvos, que descreveu a música como "espiritual e pouco tradicional" por sugestão de Fuqua. Ele empregou uma orquestra de 70 integrantes, um coro de 40 membros e solistas de todo o mundo, para sons tradicionais americanos e africanos. A trilha sonora foi lançada pela Lakeshore Records em 9 de dezembro de 2022.
A produção foi a estreia de Steven Ogg no cinema hollywoodiano. Ogg é muito conhecido por interpretar o personagem Trevor Phillips no game Grand Theft Auto V (2013). Anteriormente, ele desempenhou pequenos papéis nas séries da AMC The Walking Dead (2010) e Better Call Saul (2015).
Emancipação
O filme é áspero. Seco para mostrar a realidade. Empregando uma paleta de cores dessaturada que lembra um filme em preto e branco, afinal, o objetivo não é chocar com o sangue e decapitações. O horror a ser mostrado era outro. Mesmo os vilões, não são aparentemente monstruosos ou com aspectos vilanescos. São seres humanos, são brancos. Isso mostra que um ser humano pode ser pior que um monstro.
E para encerrar, um detalhe que omiti acima intencionalmente. A história, escrito por William N. Collage, é baseado possivelmente na vida de um ou dois homens negros ex-escravizados chamados "Gordon" e "Peter". Não se sabe ao certo quem fez o que na história real. Ou seja, nem direito a identidade, eles ganharam no final.
Isso foi de fato uma emancipação?
E o que dizer de Peter conseguir sair de uma guerra contra os negros e ser obrigado a entrar numa guerra civil americana?
Peter é indagado em certo momento, sobre suas cicatrizes, pelo comandante. Para ele, aquilo era sinal de desobediência.
A história mostrou que não foi bem assim...
Eles me cortaram. Eles me queimam. Eles queimam meu pescoço. Eles queimam meus pés. Eles quebram os ossos do meu corpo mais vezes do que posso contar. Mas eles nunca, nunca me quebram.