FARRAPO HUMANO (1945) - FILM REVIEW
Final de semana perdido.
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Vício é algo acima das forças do indivíduo que sofre com o problema. Hoje vamos falar do alcoolismo, uma doença crônica que precisa de atenção. Ela é caracterizada pelo consumo incontrolável de álcool, condicionado pela dependência física e emocional.
O Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo foi instituído dia 18 de fevereiro, para conscientizar os brasileiros sobre o consumo excessivo de álcool e os males que a prática pode ocasionar.
E o cinema retratou o dia a dia da sobrevivência de um alcoólatra algumas vezes. Em uma das mais memoráveis, Ray Milland faz Don Birman, um nova-iorquino que sonha em ser escritor, mas não consegue seu objetivo por estar sofrendo de um bloqueio mental. Deixa-se dominar completamente pelo álcool e passa a ter, como única meta, obter dinheiro para continuar se embriagando, esquecendo-se das pessoas que o rodeiam e que sofrem por vê-lo neste estado. A namorada, Helen St. James, editora de uma revista, quer ajudá-lo, mas ele bebe cada vez mais.
Mesmo décadas depois de seu lançamento, o Melhor Filme de 1945 não perdeu nada do seu toque ou poder neste descompromissado olhar sobre os devastadores efeitos do alcoolismo. Ironicamente, este brilhante filme de Billy Wilder quase não foi lançado, devido à fraca reação de prévias exibições para audiências não acostumadas com um realismo tão forte vindo de Hollywood, mas o filme foi considerado um dos melhores dramas de todos os tempos da história do cinema. O assustador retrato de Ray Milland's sobre a insatisfação de um fracassado escritor com sua vida, o leva numa jornada de três dias de autodestruição.
Ray Milland chegou a se internar no Hospital Bellevue com a ajuda de médicos residentes, para vivenciar o horror de uma enfermaria de bêbados. Ele também parou de comer o normal, porque a maioria dos alcoólatras se esquece de fazê-lo. Milland recebeu uma cama de ferro e ficou "trancado" junto com os outros. Naquela noite, um recém-chegado entrou na enfermaria gritando, uma entrada que levou toda a enfermaria à histeria. Com a enfermaria em plena desordem, Milland, de manto e descalço, escapou enquanto a porta estava entreaberta e saiu para a 34th Street, onde tentou chamar um táxi.
Quando um policial o avistou, Milland tentou explicar a situação, mas o policial não acreditou nele, especialmente depois que notou a insígnia de Bellevue em seu manto. O ator foi arrastado de volta para o lugar, onde levou meia hora para explicar sua situação às autoridades antes de ser finalmente libertado. Esta foi a primeira vez que uma equipe de filmagens recebeu permissão para filmar no Hospital Bellevue de Nova York.
Em 1944, Billy Wilder estava viajando de trem de Nova York a Hollywood e parou na estação ferroviária de Chicago para comprar material de leitura para a viagem. Um desses livros foi "The Lost Weekend". Quando chegou a Hollywood, Wilder sabia que essa seria a base ideal para seu próximo filme. A Paramount pagou US$ 50 mil pelos direitos do livro de Charles R. Jackson.
Billy Wilder sentiu a necessidade de abordar o assunto do alcoolismo como resultado direto de sua experiência de trabalho com Raymond Chandler em Pacto de Sangue (1944). Wilder fez o filme como uma forma de explicar a condição ao próprio Chandler. O romance original no qual o filme se baseia tem o personagem se referindo a um caso homossexual, mas o roteiro foi alterado para que o personagem principal sofresse de bloqueio de escritor.
Billy Wilder afirmou que a indústria de bebidas alcoólicas ofereceu à Paramount US$ 5 milhões para não lançar o filme; ele também sugeriu que teria aceitado, se eles tivessem oferecido a ele. Típico de Wilder. Foi somente anos depois que Billy Wilder descobriu que o título do romance de Charles é na verdade um erro de digitação. Era para ter sido chamado de "The Last Weekend".
Os consultores do Studio alertaram Ray Milland que essa seria a morte de sua carreira. O próprio Milland inicialmente relutou em aceitar o papel, já que muitos outros atores principais da época o recusaram. No entanto, a Paramount estava convencida de que a única maneira de vender tal filme seria com um ídolo da matinê no papel principal. Billy Wilder concordou com isso somente quando ficou claro que sua primeira escolha, José Ferrer, não conseguiria o papel.
Ray Milland recebeu o romance para ler pelo chefe da Paramount, Buddy De Sylva, com uma nota anexada dizendo: "Leia. Estude. Você vai interpretá-lo." Milland o leu e ficou impressionado com suas dimensões dramáticas como documento social, mas não conseguiu ver muito de um filme na história desoladora, nem alguns de seus amigos e associados. Se Milland assumisse o papel, eles achavam que ele estaria cometendo suicídio profissional.
Ray Milland duvidava que tivesse habilidade de interpretar o papel, mas sua esposa o encorajou a arriscar. Além disso, Milland ficou tentado a estrelar o filme porque Billy Wilder e Charles Brackett estavam em alta com os sucessos anteriores. Então, ele finalmente concordou em aparecer no que se tornaria seu papel mais famoso.
Após a conclusão, Billy Wilder previu com segurança que Ray Milland ganharia um Oscar por sua atuação. Ele estava certo. Ray Milland não fez um discurso de aceitação no Oscar quando ganhou seu Oscar de Melhor Ator. Ele meramente agradeceu os aplausos da multidão e então deixou o pódio sem dizer nada. Billy Wilder se tornou a primeira pessoa a ganhar o Oscar de Melhor Diretor e Melhor Roteiro para o mesmo filme.
Farrapo Humano rendeu frutos não só nas carreiras dos envolvidos, mas na vida pessoal também. Billy Wilder se apaixonou por uma figurante morena que foi contratado para interpretar uma atendente de loja de roupas, na cena em que Don Birnam é expulso de um bar por roubar dinheiro da bolsa de uma mulher.
Detalhe: apenas o braço dela pode ser visto dando um casaco para Birnam. Seu nome era Audrey Young, e ela acabou se casando com o diretor apaixonado e ficando até o dia da morte dele, em 2002. Ela faleceu em 2012. Mas "Farrapo Humano" vive, mesmo vindo de um distante 1945, ainda é o filme mais lembrando em listas sobre o tema, o que não é pouco, vindo de uma obra que tinha muitas forças contrárias em sua concepção.