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HOMEM ELEFANTE (1980) - FILM REVIEW

Homem Elefante

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo


Joseph Merrick foi perdedor de muitas formas. Talvez, a mais notória seja a humilhação pública no Oscar com o filme O Homem Elefante, obra-prima de David Lynch e para muitos, seu melhor filme. A produção concorreu a 8 prêmios da Academia, incluindo os principais e perdeu todos. Numa disputa cabeça a cabeça com outra obra-prima, Touro Indomável, de Martin Scorsese, o filme que saiu como o grande vencedor foi... Gente Como a Gente. Claro que não era um filme ruim, mas a obra de Redford é tudo, menos memorável, ao contrário da dupla citada acima. 

Mas a vida de Joseph foi de derrotas em diversos sentidos. Sua famosa doença congênita conferiu a ele formas monstruosas. Chamá-lo de Homem Elefante não condiz nem de longe com a realidade. Sua condição foi tomando forma quando criança. Seu crescimento foi da pior forma. Sua mãe faleceu quando ele tinha pouco mais de 10 anos, justamente no momento em que ele sofria mais degradações sociais. Não aguentou a pressão e largou o colégio. O cenário trágico foi tomando forma. Seu pai casou-se de novo e como não poderia deixar de ser, a madrasta o odiava, talvez simplesmente por sua feiura. Seu pai não colaborava com seu psicológico, se afastando dia após dia. Cercado por falta de carinho, Merrick sentia cada vez mais a pressão do isolamento, físico e emocional. 


A madrasta, como dito, complicava sua vida ao máximo. Ela não só não dava suporte emocional como o forçou a trabalhar cedo, o que provocava mais bullying já que ele conseguiu emprego no comércio. Lá "sobreviveu" por alguns anos, até que uma deformidade nas mãos passou a ser um problema. Desempregado, buscou emprego nas ruas mas sua dicção piorava a cada dia. Só mesmo num show de horrores, daqueles mostrados no filme Freaks, de Tod Browning, para aceitá-lo. E assim foi. Após ser espancado pelo pai e sair de casa, seus caminhos o guiaram para um Freak Show.

Em sua triste e sofrida existência, esta foi a época que ele mais se encontrou. Ainda que seja pelos motivos errados, sua curta vida ganhou sentido. Sua morte talvez tenha sido o prenúncio da esperança moldada pela felicidade daqueles últimos dias. Com o crescimento de algumas de suas partes, em especial a cabeça, ele dormia sentado. Ao ser encontrado morto deitado, foi descoberto que ele se asfixiou com o pescoço quebrado, tentando, talvez, parecer mais normal.


Da morte para a vida eterna no cinema

O Homem Elefante ganhou vida pelas mãos de David Lynch, dono de uma filmografia alucinada e este é um dos filmes que  são aparentemente "normais". A produção conta a vida de John Merrick (John Hurt), um desafortunado cidadão da Inglaterra vitoriana portador do caso mais grave de neurofibromatose múltipla registrado até então, tendo 90% do corpo deformado. Exibido como monstro em circos e considerado débil mental pela sua dificuldade de falar, é salvo por um médico, Frederick Treves (Anthony Hopkins). No hospital, Merrick se libera emocionalmente e intelectualmente, além de mostrar ser uma pessoa sensível ao extremo. Sra. Kendal (Anne Bancroft), uma grande atriz, torna-se sua amiga e até a coroa britânica sensibiliza-se com o caso.

Antes que alguém aponte, já deixo a pergunta: Eu falei Joseph Merrick e na sinopse, coloquei John. Para quem viu o filme "Do Inferno", com Johnny Depp, de 2001, ele faz uma referência a este desacerto, na cena em que Merrick é apresentado, a pessoa diz "Joseph Merrick" e um espectador "corrige-o" gritando "é John Merrick!". Foi uma piada sobre a confusão criada ao longo dos anos com seu verdadeiro nome. Podemos dizer que Merrick teve problemas em tudo, até depois da morte, quando sua própria identidade causava divergências.


Hoje dizem "Se está na internet é porque é verdade". Quase um novo ditado. Antigamente, se estava em uma biografia, era repassada para a próxima, se propagando ao longo dos tempos. Seu túmulo, pelo menos, corrige o equívoco. Como o filme é baseado no livro "O Homem Elefante e outras reminiscências", do autor Frederick Treves, é John e não Joseph que dá as caras.

Tanto Lynch quanto o sobrinho-neto do Dr. Frederick Treves fazem pontas. O primeiro aparece quando Merrick retorna a Londres. Ele é perseguido por uma multidão enfurecida e foge para o subsolo, e ele aparece na cena da multidão descendo as escadas. Já o segundo aparece logo na abertura, como um vereador tentando encerrar o show de horrores.

Como pode imaginar, a maquiagem de John Hurt era uma produção à parte. Ela levava cerca de oito horas para ser feita a cada vez que era aplicada em John. Ao fim do dia mais doze horas eram necessárias para que ele voltasse a ter a cara limpa. O diretor Mel Brooks foi um dos produtores executivos do filme, tendo sido o responsável pela contratação de David Lynch e pela decisão de filmar em preto e branco. Entretanto, para evitar que o público considerasse o filme uma sátira pela simples presença de seu nome, Brooks pediu que não estivesse presente nos créditos do filme.


Filmado inteiramente no Reino Unido, o produtor Mel Brooks queria que o filme parecesse o mais autêntico possível. Muitos locais originais foram usados ​​após reparações significativas e Brooks ficou impressionado com os resultados de outro filme de época que ele havia produzido nos estúdios Shepperton "O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes (1975)", cinco anos antes. Relativamente novo na direção, David Lynch não se interessou em trabalhar fora dos EUA, mas mudou de ideia depois que Brooks pediu a Gene Wilder (que havia estrelado e dirigido o filme de Sherlock Holmes) para convencê-lo.

Devido à deformidade constritiva de sua boca, Merrick nunca falou tão claramente na vida real como ele faz neste filme. O Dr. Frederick Treves costumava atuar como intérprete de Merrick para os visitantes. Aqueles que o conheciam bem, como funcionários do hospital e amigos, acostumaram-se à sua fala prejudicada, mas ela permaneceu indistinta e piorou à medida que a condição de Merrick se deteriorava.


Considerações finais

Joseph morreu em 1890. O filme foi lançado em 1980.

A revolta foi tamanha pelo fato de que o filme não ser homenageado com pelo menos o Oscar de melhor Maquiagem, que não existia na época, que uma petição foi criada a fim de conseguir um prêmio para o filme. O resultado talvez tenha sido frustrante, mas muito mais importante para os anos que se seguiram já que no ano seguinte criaram a categoria no Oscar. E o primeiro vencedor foi o mestre Rick Baker pelo trabalho incrível em "Um Lobisomem Americano em Londres".

Kenny Baker, conhecido principalmente por interpretar R2-D2 da franquia Star Wars, interpreta um dos anões do parque.


Merrick (John Hurt) é mantido prisioneiro pelo Sr. Bytes (Freddie Jones). Coincidentemente, em Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 (2010), Garrick Olivander (John Hurt) é mantido prisioneiro pelos Malfoys, mas resgatado por Dobby, interpretado por Toby Jones, filho de Freddie. Seria um aceno para mostrar as diferenças comportamentais de gerações ou apenas coincidência?

O garoto no filme é interpretado por Dexter Fletcher, que se tornaria muito conhecido pela pérola Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. E mais conhecido ainda por se tornar também diretor de Rocketman e Bohemian Rhapsody (assumindo o lugar de Bryan Singer, que deixou o filme por causa de acusações de assédio).

Anne Bancroft era esposa do produtor Mel Brooks desde 1964 e foi até sua morte em 2005. Mel passa bem obrigado, aos 94 anos.
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E para finalizar, um caso curioso, que pode soar como sendo engraçado, mas mostra exatamente o legado de Merrick, bem como a triste realidade que ele vivia. John Hurt manteve a cabeça protética Joseph Merrick após as filmagens. Ele o guardou em um armário de sua casa. Vários anos depois, ela foi assaltada enquanto estava fora, e um amigo íntimo ligou para John e disse:

"Houve um roubo em sua casa". John perguntou o que foi tirado.

A resposta foi: "Nada! O ladrão deve ter aberto o armário e a máscara caiu! O ladrão deve ter fugido com medo!"


Piada ou não, a situação estabeleceu um paralelo bem real com a realidade de Joseph, uma criança com uma condição imposta, que cresceu descobrindo da pior forma que sua deformidade fazia do mundo um inimigo e tudo que ele queria é ser tratado com dignidade.

John Merrick não era "Gente Como a Gente". Nem mesmo um "Touro Indomável". Apenas um "Homem Elefante" perdido num mundo que não o queria.


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