INFILTRADO NA KLAN - HISTÓRIA VS HOLLYWOOD
O homem da Klan.
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Quem curte cinema costuma dar uma importância maior a uma obra quando anunciam que ela é baseada em fatos reais. Talvez por curiosidade em saber como os fatos realmente aconteceram, o público se revolta com grandes mudanças, esquecendo de que o filme apenas se baseia, sem nunca assumir o compromisso de ser um retrato fiel dos fatos. Ao se importarem demasiadamente com isto, o público se esquece de que cinema é entretenimento. As mudanças, normalmente, são para ter um efeito narrativo melhor. Se os fatos fossem mostrados como ocorreram, não teríamos diversas cenas antológicas no cinema.
A matéria de hoje é sobre as diferenças entre a realidade e a ficção no filme Infiltrado na Klan. Para quem não conhece a história, ela se passa no final da década de 70. Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas, quando precisava estar fisicamente presente, enviava outro policial branco no seu lugar. Após meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas.
Abaixo, conheçam as diferenças (e semelhanças evidentemente) que, embora algumas capitais, não impediram o filme de ser reconhecido como uma das melhores produções de Spike Lee, além de ter concorrido a 6 Oscars.
Para começar, Ron Stallworth nunca usou uma voz "branca" no telefone. No filme, o personagem faz uso do recurso com medo de ser descoberto. Mas a história foi um pouco diferente, já que Ron não achava que sua voz caracterizava um... negro. Para seus colegas de trabalho, ele chegou a perguntar no que sua voz é diferente da deles. Mas claro, a turma ficou quieta.
O diretor Spike Lee, juntamente com os roteiristas, reposicionaram a história, que, na verdade, aconteceu em 1972. Isto permitiu que o filme colocasse elementos interessantes na trama, como a referência a dois filmes blaxploitation e a campanha de reeleição do presidente Richard Nixon, apoiada pela Klan,
David Duke não descobriu que Ron Stallworth era negro até 2006.
Ron Stallworth foi mesmo o primeiro detetive da polícia negra do Departamento de Polícia Colorado Springs, conforme o filme. Ele se juntou ao departamento como cadete em 13 de novembro de 1972. Ele foi empossado como oficial em 18 de junho de 1974, seu 21º aniversário. Tal como no filme, o primeiro trabalho disfarçado de Ron Stallworth foi para ficar de olho em Stokely Carmichael, participando de um evento, como membro da plateia, a fim de descobrir se ele estava incitando badernas e violência.
Em outubro de 1978, o detetive se infiltrou com sucesso na Ku Klux Klan. Como no filme, ele iniciou contato respondendo a um anúncio no jornal local. "Eu estava sentado no meu escritório lendo o jornal local", diz Stallworth, "vi um anúncio que dizia Ku Klux Klan. Para obter informações, havia uma caixa postal". Ele enviou uma carta com seu número de telefone (no filme, o anúncio contém um número de telefone, não uma caixa postal). Ligaram para ele após receber sua carta, e sua posterior comunicação com eles aconteceu por telefone. Quando chegou a hora de encontrar os membros da Klan cara a cara, ele utilizou a ajuda de um agente secreto de narcóticos (Adam Driver no filme), que posou como Stallworth em todas as reuniões presenciais com a Klan.
Muitos questionam (o filme e os fatos) do porquê Ron deu seu verdadeiro nome na carta. O fato é que ele jamais supôs que isto daria em algo, ainda mais uma investigação disfarçada. Na verdade, ele nem achou que seria a Klan mesmo, apenas uma boa fonte para suas pesquisas no assunto.
"Olá, aqui é o Ken [O'Dell], nós recebemos a sua carta. Por que você quer se juntar à Klan?"
Ron: 'Minha irmã está namorando um homem negro, e toda vez que ele coloca suas mãos negras imundas em seu corpo branco puro, eu me encolho, eu quero fazer alguma coisa.'
Ele disse: "Você é o tipo de cara que queremos."
Sim...este diálogo aconteceu.
No filme, Ron Stallworth (John David Washington) desenvolve um relacionamento com uma estudante universitária ativista chamada Patrice Dumas (Laura Harrier). Patrice na realidade, não existiu e foi inspirada pelas mulheres do movimento Black Power.
Já o personagem de Adam Driver é baseado no parceiro da realidade de Ron Stallworth na investigação, mas apenas vagamente. O nome real do parceiro foi alterado no livro e consequentemente no filme. Inclusive, ele não era judeu.
Outra diferença capital é a de que Ron Stallworth não se tornou líder das operações locais da Klan, como no filme. Na vida real, quando ele foi nomeado, seu chefe entrou em pânico e encerrou as investigações. Stallworth acredita que o chefe estava preocupado com a imagem pública do departamento e não queria que saísse que seus oficiais tinham ligações com a KKK.
"Você não tem medo de um policial disfarçado se infiltrar em sua organização ou talvez um negro chamando você e fingindo ser branco?"
Duke disse a Stallworth que não tinha medo disso porque sempre sabia quando falava com uma pessoa negra...
Outro ponto diferente, é o de que Ron Stallworth jamais revelou a verdade ao líder David Duke. Ao contrário do filme, que ele o fez por telefone. Inclusive ele nunca havia revelado sua verdadeira identidade até dar uma entrevista em 2006 e na posterior publicação do seu livro, em 2014. Outro fator curioso é que no final do filme, Ron joga fora o seu cartão de membro da Klan.
Na vida real ele manteve seu cartão e inesperadamente o revelou enquanto promovia o filme que ele ainda carrega em sua carteira. Stallworth brincou que ele se divertiu com a perspectiva de alguém iria descobrir isso em seus objetos pessoais depois de sua morte.
Enquanto a absurda polaroid é real (que reunia Ron Stallworth e David Duke, após ele ser nomeado segurança do chefão em um evento), o outro grande evento no final, o fracassado ataque terrorista, não é. Walter e seu grupo de ativistas radicais eram fictícios, e não há registro de nenhum ataque a bomba em Colorado Springs. Esta é provavelmente a mudança mais significativa do roteiro, com o ato final se baseando em um evento que não aconteceu.
A quem possa interessar...
David Hedger Duke nasceu em Tulsa, Oklahoma. Como filho de um engenheiro da Shell Oil Company, Duke frequentemente se mudava com sua família pelo mundo. Eles viveram pouco tempo na Holanda antes de se estabelecerem em Louisiana. No final dos anos 1960, Duke conheceu William Luther Pierce, o líder dos nacionalistas brancos e neo-nazistas, que permaneceria uma influência vitalícia sobre ele. Duke entrou para a Ku Klux Klan em 1967.
Foi ex-deputado estadual republicano da Louisiana. Duke foi candidato nas primárias presidenciais democratas em 1988 e nas primárias presidenciais republicanas em 1992. Também concorreu sem sucesso para o Senado Estadual de Louisiana, Senado dos Estados Unidos, Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, e para o governador de Louisiana.
Em 2002, Duke se declarou culpado de fraude criminal. Especificamente, ele fraudou seus partidários políticos fingindo estar em apuros e pedindo dinheiro para ajudá-lo a pagar pelas necessidades básicas. Na época, Duke estava financeiramente seguro e usava o dinheiro de seus partidários para jogos recreativos. Posteriormente, ele cumpriu uma sentença de 15 meses na Federal Correctional Institution, em Big Spring, no Texas.