MONTADO NA BALA (2004) - FILM REVIEW
Andando na montanha-russa
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Há duas formas de falar do filme Montado na Bala: detonando seus erros ou enaltecendo os acertos. É como falar do primeiro Esquadrão Suicida sem ser parcial, algo que sabemos que é impossível.
E eu, como fã de Stephen King e conhecedor do diretor Mick Garris, vou pelo caminho mais difícil, que é enaltecer os acertos. Mas não sem antes dar uma alfinetada: o filme é baseado em um livro escrito por King exclusivamente para a internet, comercializado na forma de e-book.
Ele escreveu a história na qual Montado na Bala se baseia enquanto estava se recuperando do grave atropelamento por ele sofrido em 1999. E nesse mesmo momento também escreveu "O Apanhador de Sonhos", tido com um livro fraco e que resultou em filme pior ainda. Ou seja, definitivamente, o momento não era bom.
Na trama, Alan Parker é um jovem artista da Universidade do Maine, que é constantemente assombrado por imagens de morte, desde o desaparecimento do seu próprio pai, quando tinha apenas 6 anos. Quando um dia suspeita que a namorada vai deixá-lo, Parker decide suicidar-se.
Mas quando Alan recebe a notícia de que sua mãe sofreu um derrame e está internada em um hospital, ele pega uma carona para visitá-la. No meio da estrada, ele conhece uma figura sombria. É a morte, que o incita a cometer suicídio com promessas de uma vida feliz e romântica "do outro lado".
O filme é bastante fiel ao conto de mesmo nome, publicado na coletânea Tudo É Eventual, e é um filme que busca evitar clichês, ainda que pontue a trama com elementos comuns às histórias de King como morte, estrada, corvos (ou/e animais falantes), mortos falantes e bullying.
Montado na Bala é um filme estranho. E isso é definitivamente um ponto positivo. O protagonista está perdido, e obviamente usa a estrada para dar sentido à vida que se perdeu. Ele sempre está rodeado da morte, que parece persistir em levá-lo, enquanto ele, aparentemente, faz a escolha certa ao longo da sua linha do tempo.
E a cada encontro, cada elemento de cena, uma metáfora, como um filme rico, com muito a dizer. O que falta, talvez, é uma melhor comunicação. Ou uma incompreensível, mas que se fosse dirigida por David Lynch, ganharia o mundo e muitos fãs.
E o filme é cercado de simbolismos interessantes, como quando o protagonista cai no cemitério de forma idêntica à Noite dos Mortos Vivos, simbolizando que em sua vida, foi um verdadeiro zumbi na acepção da palavra: nem morto, nem vivo.
Neste momento, George diz a Alan: "Eles estão vindo atrás de você, Bárbara", frase que o irmão de Bárbara diz a ela no cemitério no início de A Noite dos Mortos-Vivos (1968). A atriz que interpreta a mãe do garoto é Barbara Hershey, dando duplo significado para a frase. E o diretor do clássico de 1968 é George... Romero.
Logo em seguida, a leitura do livro Drácula reforça a ideia de um morto vivo que busca algo. Um caminho, um objetivo. E quando vemos um carro semelhante ao de Caça-fantasmas passando por ele, tudo fica um pouco mais claro: ele está indo de encontro aos seus fantasmas interiores.
Mesmo que haja uma placa sinalizando "PARE", e logo a frente, um morto que fala com ele, da mesma forma que em Cemitério Maldito (de 1989). Os "mortos" até se parecem fisicamente.
Exposto aos seus medos mais bem guardados, o protagonista precisa revisitar a Bala, uma montanha-russa que aterrorizou sua infância, e na qual está a chave para escapar vivo de um futuro que parece certo. O uso do carro assassino Christine no trajeto, simboliza a obsessão do personagem em ir ao encontro do seu destino, além, claro, da morte anunciada quando o carro era pilotado pela estrada.
Com uma voz interior representada por ele mesmo (simbolismo para "escritor fantasma"), o filme é uma verdadeira montanha-russa, do ritmo às interpretações. E se pensarmos que a tal "Bala" do título era uma montanha-russa, podemos dizer que o filme foi fiel ao objetivo até em sua construção.
Para finalizar, a enfermeira que cuida da Sra. Parker se chama Annie Wilkes, mesmo nome da antagonista do romance Misery, de Stephen King, que se tornou o já clássico Louca Obsessão, e que mostrou um escritor acidentado, acamado, sendo obrigado a escrever.
Na realidade, Stephen King passou pela mesma situação, mas como não tinha nenhuma fã número 1 para exigir o seu melhor, histórias como O Apanhador de sonhos e Montado na Bala vieram ao mundo para nos aterrorizar.
No pior sentido.