O ILUMINADO (1997) - SÉRIE REVIEW
Brilhante
Curioso pensar sobre o fato de que algumas histórias de Stephen King renderam ótimos resultados no cinema ou TV, enquanto outras não. Carrie, A Estranha, por exemplo. A obra-prima de 1976, dirigida por Brian de Palma, jamais foi igualada. A Maldição de Carrie foi esquecível, e o Carrie de 2002 e 2013 ninguém lembra.
O que diferencia O Iluminado das demais são seus realizadores e consequentemente, a abordagem. Para honrar o legado de Kubrick, Mick Garris deu vida à história na TV enquanto Mike Flanagan comandou a continuação. Como King, eles são reis em suas funções (Garris fez trabalhos memoráveis com obras de King, enquanto Flanagan é o grande nome do horror na TV dos últimos vinte anos).
Além de O Iluminado, Garris dirigiu e fez Sonâmbulos (1992), A Dança da Morte (1994), A Maldição de Quicksilver (1997), Montado na Bala (2004), Desespero (2006), Saco de Ossos (2011).
Curiosamente, a versão de Garris foi para a TV enquanto Doutor Sono, nos cinemas. O Iluminado de 1997 foi escrito e produzido por King com base em sua insatisfação com a versão de Kubrick. A minissérie foi filmada no The Stanley Hotel em Estes Park, Colorado, inspiração de King para o romance.
Originalmente exibido de 27 de abril a 1º de maio de 1997 na rede de televisão americana ABC, a minissérie teve 3 episódios. Na história, Jack Torrance professor em Stovington, uma respeitável escola preparatória, perde o emprego devido ao alcoolismo e temperamento explosivo consequente.
Além disso, ele estava à beira do colapso famíliar, após ter agredido seu filho Danny em um acesso de raiva alcoolizado um ano antes. Chocado com sua própria transformação, Jack promete a sua esposa Wendy que se ele voltar a beber, irá deixá-los de alguma forma, indicando que preferiria o suicídio a continuar vivendo como um alcoólatra.
O tempo passa e ele consegue vencer o vício e se torna escritor. Jack aceita um trabalho cuidando do Overlook Hotel, uma imponente construção colonial situada em um vale pitoresco nas Montanhas Rochosas do Colorado. Ele vê nesse emprego uma oportunidade de obter recursos financeiros e de concluir sua primeira obra.
Mas ele não contava que o isolamento, aliádo aos poderes psíquicos do filho, iriam ser catalizadores de inesperados acontecimentos envolvendo o trágico passado do Hotel.
Overlook
O hotel que inspirou King tem, de fato, uma história inspiradora. Em 1903, o inventor do carro a vapor Freelan Oscar Stanley (1849–1940) foi acometido por tuberculose, e o prognóstico era ruim. O tratamento mais recomendado da época era ar fresco e seco com muita luz solar e uma dieta saudável.
Assim, Stanley decidiu buscar o ar das Montanhas Rochosas. Ele e sua esposa Flora chegaram a Denver, Colorado, em março e, em junho, por recomendação do Dr. Sherman Grant Bonney, mudaram-se para Estes Park, Colorado, para o resto do verão. Durante a temporada, a saúde de Stanley melhorou dramaticamente.
Impressionado com a beleza do vale e grato por sua recuperação, ele decidiu retornar todos os anos. Em 1907, Stanley, que já havia se recuperado completamente, pensou em transformar Estes Park em uma cidade turística, afinal, se foi bom para ele, poderia curar outras pessoas.
Iniciou a construção do Hotel Stanley, um grande hotel de 48 quartos. Stanley viveu até os 91 anos, falecendo de um ataque cardíaco em Newton, Massachusetts, um ano após o falecimento de sua esposa, em 1940.
E não é difícil de imaginar o que um escritor como King pensou quando ficou conhecendo o hotel, afinal, um local tão grande e antigo só poderia ser infestado de fantasmas não é? E um paranormal no meio como ingrediente era tudo o que ele precisou para fazer a história acontecer.
A origem do mal
"O Iluminado" é um romance de terror de 1977 e o terceiro publicado por King e o primeiro best-seller em capa dura, consagrando-o como uma figura proeminente no gênero de terror. A trama e os personagens são fortemente influenciados pelas experiências pessoais de King, incluindo sua estadia no The Stanley Hotel em 1974 e sua batalha contra o alcoolismo. O sucesso do livro não só solidificou a posição de King como um mestre do terror, mas também o estabeleceu como um dos autores mais importantes do gênero.
A saga continuou com a publicação da sequência "Doutor Sono" em 2013, que foi adaptada em 2019 para o cinema. Como nos filmes e na vida de King, a história do livro gira em torno de Jack Torrance, um escritor e alcoólatra em recuperação, que aceita um emprego como zelador sazonal no histórico Overlook Hotel, localizado nas Montanhas Rochosas do Colorado.
Sua família o acompanha nessa empreitada, incluindo seu filho Danny, dotado do tal "brilho", que são habilidades psíquicas que permitem à criança ver as verdadeiras e horríveis facetas do hotel. Conforme uma tempestade de inverno os deixa isolados na neve, as forças sobrenaturais presentes no hotel começam a afetar a sanidade de Jack, colocando sua esposa e filho em grave perigo.
A concepção do mal
Depois de escrever "Carrie" e "'Salem's Lot", ambos ambientados em pequenas cidades em seu Maine natal, Stephen King decidiu buscar uma mudança de cenário para seu próximo livro. Ele queria explorar um ambiente diferente e, para isso, decidiu passar um ano longe de casa. Ele buscou um destino aleatório, escolhendo ir para Boulder, Colorado.
Em 30 de outubro de 1974, King e sua esposa Tabitha fizeram check-in no The Stanley Hotel, perto de Estes Park, Colorado. Naquela noite, eles eram os únicos hóspedes no hotel, cercados por corredores longos e vazios, já que o local estava prestes a fechar para a temporada.
Inspirado pelo conto de Ray Bradbury de 1950, "The Veldt", King havia tentado iniciar um romance chamado "Darkshine" em 1972, mas abandonou a ideia. Durante a estadia no Stanley Hotel, a inspiração voltou a ele.
Após um jantar solitário na grande sala de jantar do hotel, com música orquestral ao fundo, King teve uma experiência que desencadeou a ideia do livro: ele sonhou com seu filho sendo perseguido por uma mangueira de incêndio pelos corredores do hotel. A atmosfera e os eventos daquela noite influenciaram diretamente a história e os elementos sobrenaturais do romance.
"O Iluminado" também foi profundamente influenciado por várias obras literárias. O romance de Shirley Jackson de 1959, "A Assombração da Casa da Colina", teve um impacto significativo na criação de atmosfera e no desenvolvimento do enredo.
Além disso, os contos de Edgar Allan Poe, como "A queda da casa de Usher" (1839) e "A Máscara da Morte Vermelha" (1842), contribuíram para a construção da ambientação sombria e dos elementos de terror psicológico presentes na obra de King.
Não a toa, o diretor de Doutor Sono, Mike Flannagan, adaptou A Assombração da Casa da Colina para uma série no streaming chamada A Maldição da Residência Hill em 2018 e A Queda da Casa de Usher em 2023.
1980 versus 1997
Uma das principais críticas de Stephen King à interpretação de Stanley Kubrick está relacionada à caracterização de Jack Torrance. Na visão de Kubrick, Jack é retratado como louco desde o início. Mesmo nas cenas iniciais, como quando a família está a caminho do hotel, ele fala de forma lenta e sinistra, acompanhado daquele sorriso marcante de Nicholson.
Outro ponto de discordância é a representação dos animais de sebe. No livro, os animais de sebe são uma ameaça significativa utilizada pelo hotel para aterrorizar a família Torrance. Kubrick, por sua vez, optou por incluir um labirinto de sebes em seu filme, uma homenagem à ideia original, porém mais fácil de filmar.
No filme de Kubrick, há uma cena de perseguição final em que Jack vai atrás de Danny no labirinto de sebes. Danny consegue escapar, e Jack se perde no labirinto, acabando congelado. Na minissérie (e no livro), a morte de Jack é mais dramática, ocorrendo quando a caldeira do hotel explode. Este momento representa uma redenção para Jack, pois ele tem a oportunidade de despejar a caldeira, resistindo às influências do hotel para salvá-los.
Além do labirinto de sebes, que marca o desfecho do filme de Kubrick, o Overlook Hotel permanece de pé, assombrado e pronto para receber hóspedes novamente na primavera. Já na minissérie, a caldeira no porão requer manutenção constante para evitar explosões, um detalhe que Kubrick não considerou realista para um hotel de alto padrão.
Na minissérie de Stephen King, a caldeira assume um papel crucial. Após Jack perder a sanidade e ser dominado pelo hotel, ele se concentra em perseguir a família, negligenciando a caldeira que está prestes a explodir. O hotel o lembra do perigo iminente, mas Jack escolhe resistir, levando à explosão da caldeira e ao incêndio do hotel.
Um dos momentos mais impactantes em "O Iluminado" de Kubrick é o encontro de Danny com as gêmeas no corredor enquanto ele está na roda gigante. O pedido das gêmeas para brincar com Danny é seguido pela revelação do que aconteceu com elas pelas mãos de seu pai, o antigo zelador Delbert Grady. É um instante assustador exclusivo do filme de Kubrick.
No geral, existem diversas diferenças entre a minissérie de Stephen King e a adaptação de Stanley Kubrick. A minissérie foi filmada no Stanley Hotel no Colorado, a inspiração original de King, enquanto o filme de Kubrick foi gravado no Timberline Lodge no Parque Nacional Glacier, Oregon.
Outra diferença notável é a caracterização de Wendy em cada versão. Shelley Duvall a retrata como frágil e desorientada, enquanto Rebecca De Mornay a interpreta como uma esposa amorosa e compreensiva.
Lloyd, o barman, está ausente na minissérie, sendo substituído por Delbert Grady, que influencia Jack a tratar sua família de certa forma. Os fantasmas têm um papel mais proeminente na minissérie em comparação com o filme de Kubrick, onde são mais sutis. A icônica cena do sangue jorrando do elevador é uma criação de Kubrick e não está presente na minissérie.
Enquanto o filme de Kubrick termina com os Torrance deixando o hotel, a minissérie de King inclui um epílogo revelando que Tony é uma versão adulta de Danny no futuro.
Kingverso da loucura
Quando Jack entra no The Colorado Lounge no último dia, ele toca "In The Mood" de Glen Miller na jukebox. Em Rose Red - A Casa Adormecida (2002), "In The Mood" é uma das músicas favoritas de Annie Wheaton; ela usa seus poderes para tocá-la em um toca-discos quebrado durante a investigação da casa, e ela e Nick dançam enquanto estão a vários metros do chão. A música também é tocada durante uma cena no romance de King 11/22/63, mas não está incluída na adaptação para a TV desse romance.
O próprio Stephen King interpreta Gage Creed, o maestro da banda. Gage Creed é o menino de Cemitério Maldito (1989), interpretado por Miko Hughes, em outra obra também baseada em um livro escrito por King.
Jack faz referência ao Batman e ao Homem-Aranha em um ponto. Pat Hingle estava nos filmes do Batman como o Comissário Gordon, assim como Jack Nicholson, estrela do original, foi o Coringa. Weber deu voz a Norman Osborn/Duende Verde na animação Ultimate Spider-Man (2012).
Hingle também atuou em Comboio do Terror (1986), que foi escrito e dirigido por Stephen King. Além disso, Sam Raimi dirigiu a trilogia do Homem-Aranha de 2002 a 2007 e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), que inclusive me motivou a criar o título que uso em todo texto sobre filmes ou séries de King desde então.
Iluminação
O papel de Jack Torrance foi originalmente oferecido a Tim Daly. Ele estava interessado, mas indisponível, e sugeriu que oferecessem o papel ao seu colega de elenco de De Pernas Pro Ar (1990) e bom amigo Steven Weber. Daly trabalhou com Stephen King na minissérie A Tempestade do Século (1999).
Quando Jack ouve seu pai no rádio CB, a voz pertence ao ator Miguel Ferrer. Ferrer também estrelou a adaptação cinematográfica do conto de King, Vôo Noturno (1997) e na versão minissérie de TV de A Dança da Morte (1994), também dirigida por Mick Garris.
Rebecca De Mornay teve um relacionamento com o ator Harry Dean Stanton. Stanton era um bom amigo de Jack Nicholson e foi considerado para o papel de Lloyd, o barman, no filme original O Iluminado (1980). Mais tarde, ele próprio apareceu em duas adaptações de Stephen King: Christine, o Carro Assassino (1983) e À Espera de um Milagre (1999).
A esposa do diretor Mick Garris, Cynthia Garris, interpreta a hóspede em decomposição no Quarto 217.
Vários amigos de Garris que trabalham no gênero terror fizeram uma participação especial na cena do baile, como David J. Schow, Christa Faust, PG Sturges, Richard Christian Matheson e Frank Darabont. Shawnee Smith faz uma participação especial como garçonete. Sam Raimi também aparece brevemente como um frentista de posto de gasolina. E o próprio Garris, na reunião do AA.
Frank Darabont dirigiu Um Sonho de Liberdade (1994) (baseado no conto de King), e visitou King na produção para lhe dizer que dirigiria À Espera de um Milagre (1999). Enquanto estava lá, ele foi convencido a aparecer como um figurante.
O jeito certo
Quando uma adaptação cinematográfica de um romance best-seller se torna possivelmente mais famosa do que o próprio livro que a inspirou e é tão aclamada que permanece nas listas dos "melhores" por décadas a fio, por que, então, considerar uma refazê-la?
A resposta é simples e já deixei indicado acima. Só faria sentido se fosse feito pelo próprio Stephen King, movido pela mágoa de como Kubrick levou sua obra para o cinema. E o que de fato, ocorreu.
A extensão generosa de 4 horas e meia permitiu à equipe explorar cada detalhe do livro. Para o bem e para o mal, King conseguiu a mais fiel adaptação do seu material original para as telas. Mas o efeito comparativo expõe uma discussão que persiste em cada produção adaptada: ser fiel o torna melhor?
Este Iluminado evidencia que não.