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DIRTY HARRY - SAGA REVIEW


Dirty Harry

Texto: M.V.Pacheco

Revisão: Thais A.F. Melo


Dirty Harry e a épica mudança de mentalidade cultural notada principalmente a partir dos anos 70.

A Nova Hollywood é um termo que refere-se a um período de produção cinematográfica nos Estados Unidos durante o final dos anos 1960 e 1970. Foi uma época de grandes mudanças e inovações no cinema americano.

Ela veio como uma resposta ao declínio do sistema tradicional de estúdio e à ascensão de uma nova geração de cineastas que procuravam romper com as normas estabelecidas de Hollywood. Esses cineastas, muitas vezes chamados de "Movie Brats", incluíam diretores como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Steven Spielberg, George Lucas e Brian De Palma, entre outros.

Esta "Nova Onda" foi caracterizada por um afastamento da abordagem tradicional e estereotipada do cinema. Os cineastas desta época adotaram um estilo mais pessoal e voltado para o autor, muitas vezes inspirando-se no cinema de arte europeu e no cinema independente. Eles abordaram assuntos controversos e socialmente relevantes, experimentaram estruturas narrativas e técnicas visuais e ampliaram os limites da narrativa.

Foi um movimento de contracultura, que visava mostrar a desigualdade social e racial, além de propor uma liberalização de costumes, produzindo uma geração de cineastas libertos do controle dos grandes estúdios e com um olhar mais crítico e incisivo sobre a sociedade estadunidense.

🔷 Perseguidor Implacável (1971)

"Bonnie e Clyde" (1967), dirigido por Arthur Penn, é considerado o marco zero. Quatro anos depois veio Dirty Harry. No filme, após o assassinato de uma jovem em São Francisco, uma carta é mandada para o prefeito pelo criminoso, dizendo que matará uma pessoa por dia até receber 100 mil dólares. Harry Callahan (Clint Eastwood), um detetive que não usa métodos tradicionais, é o encarregado do caso. 

Enquanto Scorpion (é assim que o serial killer é chamado) continua matando, Callahan e sua equipe tentam capturá-lo. Ele acaba sendo preso, mas é solto por falta de provas, assim Harry decide quebrar totalmente as regras para acabar com este assassino, decidindo usar métodos pouco ortodoxos.

Perseguidor Implacável é o 1º filme protagonizado pelo inspetor Harry Callahan. Os demais foram Magnum 44 (1973), Sem Medo da Morte (1976), Impacto Fulminante (1983) e Dirty Harry na Lista Negra (1988). E é interessante notar como o personagem evolui nos quase vinte anos e como cada filme dá uma perspectiva diferente aos crimes cometidos e cria nuances para os criminosos, e em alguns casos, justificando suas ações.

Harry, o Sujo 

Quando Clint Eastwood abordou Don Siegel para lhe oferece o trabalho de direção, Eastwood deu a Siegel quatro rascunhos de roteiro, um dos quais foi escrito por Terrence Malick (de Além da Linha Vermelha). No roteiro de Malick, o vilão é um vigilante que matava criminosos ricos que escaparam da justiça. Siegel não gostou do roteiro de Malick, mas Eastwood adorou, e as ideias de Malick formaram a base para a sequência, Magnum 44 (1973).

A intenção dos produtores de Perseguidor Implacável era que o ator Audie Murphy interpretasse o vilão Scorpio. Murphy chegou a ser convidado para o papel, mas faleceu em um acidente aéreo ainda antes de responder se aceitava o personagem ou não.

Depois que o filme foi lançado, Andrew Robinson recebeu diversas ameaças de morte e teve que conseguir um número de telefone não listado. Na vida real, Andrew é um pacifista que despreza armas. Nos primeiros dias de filmagem, Robinson recuava violentamente cada vez que atirava. O produtor e diretor Don Siegel foi forçado a interromper a produção por um tempo e enviou Robinson para uma escola para aprender a disparar uma arma de forma convincente. 

No entanto, ele ainda pisca visivelmente quando atira. Robinson também teve receio de filmar a cena em que abusa verbal e fisicamente de vários alunos, e a cena em que insulta racialmente o homem que paga para espancá-lo (Raymond Johnson).

O assassino usa um cinto com uma fivela com o símbolo da paz ao longo deste filme. Conforme o produtor e diretor Don Siegel, “Isso nos lembra que não importa o quão cruel uma pessoa seja, quando ela se olha no espelho, ela continua cega”, para o que ele realmente é."

serial killer Scorpio foi baseado no assassino do Zodíaco, que costumava insultar a polícia e a mídia com notas sobre seus crimes, em um dos quais ele ameaçou sequestrar um ônibus escolar cheio de crianças. O papel de Harry Callahan foi baseado no detetive David Toschi, que foi o investigador-chefe do caso Zodíaco.

Na abertura, quando é mostrado o muro memorial com os nomes dos policiais do DPSF mortos no cumprimento do dever, o nome "Eric A Zelms" é mostrado. Zelms foi um dos dois oficiais do DPSF que viu e falou com o Assassino do Zodíaco na noite de 11 de outubro de 1969, enquanto respondiam ao assassinato do motorista de táxi Paul Stine na área de Presidio Heights de São Francisco. 

Enquanto Zelms e seu parceiro Don Fouke dirigiam em direção à cena do crime, eles encontraram um homem caucasiano solitário se afastando da direção da cena do crime. Como a descrição inicial e errônea da polícia sobre o suspeito do assassinato era um “homem negro”, Zelms e Fouke deixaram o homem seguir seu caminho. 

Mais tarde, quando a descrição policial do suspeito de assassinato foi corrigida para um “homem branco”, Zelms e Fouke entenderam que haviam encontrado e falado com o verdadeiro Assassino do Zodíaco enquanto ele fugia da cena do crime. Zelms foi morto no cumprimento do dever menos de três meses depois, em uma investigação não relacionada.

Você precisa se perguntar uma coisa: Eu me sinto com sorte? Bem, e você, punk?

No filme há um easter egg curioso: na cena do assalto a banco, Harry entra em uma lanchonete do outro lado da rua do banco. Na esquina da lanchonete, o espectador pode ver uma marquise de cinema que exibe Perversa Paixão (1971). Clint Eastwood estrelou e dirigiu esse filme, que foi o primeiro dirigido por Eastwood para o cinema.

Siegel estava sob contrato com a Universal Pictures na época, e Eastwood foi pessoalmente até os chefes do estúdio para pedir-lhes que “emprestassem” o filme. Siegel para a Warner Brothers. Eastwood sempre afirmou em entrevistas que a razão pela qual assumiu o papel foi porque sentiu a questão das vítimas. Os direitos humanos estavam sendo ignorados na arena política da época, e ele achou que este filme poderia ser uma boa maneira de trazê-los mais à tona (o que aconteceu).

Ao contrário da maioria das outras organizações policiais municipais, o Departamento de Polícia de São Francisco chama seus detetives de “Inspetores”. Consequentemente, a posição e o nome oficial do personagem-título é “Inspetor de Polícia Harry Callahan”, e não “Detetive Harry Callahan”. Isso foi especialmente confuso para o público em países que usavam o sistema de classificação policial da Comunidade Britânica, onde "Inspetor" era uma patente equivalente a um tenente dos EUA.

E voltando para o filme...

A cena final, em que Harry joga seu distintivo da Polícia na água, é uma referência a uma cena semelhante de Matar ou Morrer (1952), foi motivo de desentendimento. Clint Eastwood, que tinha uma sequência em mente e não queria que o personagem desistisse, se opôs ao final do filme quando Harry lança seu distintivo depois de matar o Assassino, discutindo com o Produtor e Diretor Don Siegel que Harry sabia que ser policial era o único trabalho para o qual ele era adequado (e de fato a sequência Magnum 44 (1973) começa com Harry ainda na polícia, sem nenhuma indicação de que ele tenha desistido). 

Siegel, no entanto, sempre viu Callahan como um vigilante limítrofe e argumentou que, dessa forma, Callahan mostrava sua atitude desdenhosa para com os burocratas que ocupavam o Departamento de Polícia. Siegel acabou convencendo Eastwood de que Harry jogou fora seu distintivo como um símbolo de que ele havia perdido a fé no sistema judiciário e não, simplesmente, desistido da profissão.

Enfim, Dirty Harry é um filme que, como o título sugere, é sujo. Travis Bickle em Taxi Driver: Motorista de Táxi (1976) diz: "Escutem, seus idiotas, seus idiotas. Aqui está um homem que não aguentaria mais. Um homem que se levantou contra a escória, os viados, os cães, a imundície, a merda. Aqui está um homem que se levantou!"

Dirty Harry é desta época, em que os brutos se levantavam contra a escória. E o mais genial é que este ponto nos leva a Magnum 44: e se os vilões fossem justiceiros eliminando a escória?

🔷 Magnum 44 (1973)

O filme começa com o telespectador tomando um tiro na cara. Literalmente, com a arma título apontada para a tela, quebrando a quarta parede. Nada mais interessante que iniciar uma obra de maneira polêmica. Na trama, policiais fazem justiça com as próprias mãos, se tornando um problema para a cidade e Harry Callahan. E não muito tempo depois, um bandido aponta uma escopeta para o telespectador. 

Isto mostra o que é perspectiva, afinal, enquanto julgamos (no filme), um possível ato vigilante do policial, a arma do bandido é apontada para nós. Este ponto é o que move a história, afinal, será mesmo que, trazendo a história para nossa história, especificamente, para a política: e se aparecessem justiceiros eliminando políticos corruptos? Nós seríamos empáticos com eles?

O Doutrinador

Há um filme nacional chamado O Doutrinador (2018) que mostra precisamente esta ideia: um vigilante mascarado surge para atacar a impunidade que permite que políticos e donos de empreiteiras enriqueçam às custas da miséria e do trabalho da população brasileira. O curioso é que no início de Magnum 44, um Carl Weathers, não creditado, pode ser visto brevemente como um dos manifestantes protestando contra o veredicto de Ricca em frente ao tribunal no início do filme. E Carl fez em Rocky: Um Lutador (1976) o personagem Apollo, o Doutrinador.

O enredo deste filme foi muito inspirado nos esquadrões da morte do Brasil que eram notícia na época e operaram em meados dos anos 60, durante a ditadura militar. Liderado pelo detetive Mariscot Mariel, o esquadrão era formado por membros desonestos da Polícia e do Judiciário, e financiado pela comunidade empresarial. O seu objetivo inicial era assassinar criminosos conhecidos que não podiam ser legalmente levados à justiça. E Magnum 44 é a fala de Travis Bickle ao pé da letra. 

A atuação de David Soul como o policial John Davis, um dos policiais vigilantes, o levou a ser escalado como o detetive Ken Hutchinson na clássica série policial Starsky e Hutch (1975). Soul estava então tendo um relacionamento aberto com Sondra Locke, ambos casados ​​​​na época. Ela se relacionaria com o próprio Clint Eastwood, anos depois. Detalhe: Ela permaneceu casada ​​por 51 anos, até a sua morte em 2018 com o escultor Gordon Leigh Anderson.

Interessante notar que o ator Albert Popwell, que faz o cafetão morto após matar a prostituta, é o mesmo ator da primeira cena do Perseguidor Implacável, aquele que é "vitima" da frase famosa do filme. 

Segundo o roteirista John Milius, a cena com a mulher asiática "Sunny" (Adele Yoshioka) está no roteiro porque Clint Eastwood recebeu muitas cartas de fãs asiáticas que continham propostas sexuais.

O filme foi dirigido por Ted Post. Depois de vários confrontos com Clint Eastwood, Post nunca mais trabalhou na franquia Dirty Harry. Post também dirigiu De Volta ao Planeta dos Macacos (1970), o segundo de cinco filmes da franquia. Após inúmeros conflitos com o produtor Mort Abrahams, Post nunca mais trabalhou na franquia.

Inicialmente ofereceram a Clint Eastwood se ele queria dirigir, mas ele recusou. Dirigiu o quarto filme da franquia, Impacto Fulminante (1983). O diretor da segunda unidade, Buddy Van Horn, dirigiu o filme final, Dirty Harry na Lista Negra (1988).

A arma do crime

Magnum 44 explora temas de vigilantismo, os limites da aplicação da lei e a ambiguidade moral que cerca o conceito de justiça. Levanta questões sobre o papel da polícia na sociedade e os perigos potenciais do poder desenfreado. O filme é violento (como de costume dos filmes do roteirista) e seu sucesso comercial solidificou ainda mais o status de Eastwood como estrela de ação. 

Callahan, conhecido por sua abordagem implacável e fora dos padrões, se vê confrontado com um grupo de policiais que ultrapassam os limites da legalidade. Ele precisa decidir até onde está disposto a ir para combater a corrupção e proteger a cidade. E neste sentido, Magnum 44 é o filme que Clint usa para reforçar a ideia de que Harry não é um vigilante. Ele inclusive diz que vai continuar atuando dentro do "sistema" até que ele seja consertado.

A atuação de Clint Eastwood como Harry Callahan é um dos pontos altos do filme. Eastwood já havia estabelecido o personagem no primeiro filme da série, mas neste ele aprofunda ainda mais a complexidade do personagem. Callahan é retratado como um policial implacável, conhecido por sua abordagem agressiva e sua falta de tolerância com criminosos. No entanto, o filme também explora sua humanidade e os desafios que ele enfrenta ao confrontar a corrupção dentro de sua própria instituição.

O filme reflete a atmosfera turbulenta dos anos 70 nos Estados Unidos, quando a confiança nas instituições estava abalada e a corrupção policial era um tema de discussão pública. Essa temática ressoou com o público da época, que estava preocupado com a corrupção e o abuso de poder dentro das instituições.

Há uma notável e interessante perda de identidade dos quatro policiais vigilantes ao longo do filme, principalmente perto do final. Chega ao ponto de não sabermos qual morre em qual hora. Isto tem um significado e é revelado pelo chefe dos 4, bem perto do final: o que importa é a ideia ser difundida. A suas identidades não importam e mesmo os 4 morrendo, são apenas representantes de algo muito maior. 


Curioso ver sob esta perspectiva, já que, pouco antes da morte do primeiro, eles já se vestem de forma idêntica, mostrando unicidade. Temos aqui o Dirty Harry mais anárquico.

🔷 Sem Medo da Morte (1976)

O nome dos 3 primeiros filmes da série formam entre si uma pequena narrativa: Dirty Harry, que usa uma Magnum 44 e é um executor. Neste terceiro capítulo, o que menos importa é a história. Nela, uma gangue de terroristas chamada Força de Ataque Revolucionária do Povo promove vários ataques e acaba por matar o parceiro de Dirty Harry, o inspetor Frank DiGeorgio. 

Antes, ele conta a Harry que reconhecera quem atirou nele, de um caso anterior. Com base nessa pista, o inspetor começa a investigar, mas tem que aceitar um novo parceiro: a inspetora Kate Moore. Os terroristas põem em prática seu maior plano e sequestram o prefeito, mantendo-o prisioneiro na prisão abandonada de Alcatraz. Os superiores de Harry acham que foi um ato de ativistas negros (movimento Uhuru), mas Harry sabe que estão na pista errada.

Sexismo e preconceito racial

O filme vale mais pelo que não presta atenção do que pelo que gostou de assistir. Sem Medo da Morte é um bom filme policial, mas é muito melhor quando se discute sexismo e preconceito em plenos anos 70.

De maneira resumida, "Sexismo" refere-se à discriminação, preconceito ou tratamento injusto com base no sexo, ou gênero de uma pessoa. Envolve a crença de que um sexo é superior ao outro e pode manifestar-se de várias formas, incluindo atitudes, comportamentos, políticas e normas sociais. O sexismo afeta principalmente as mulheres, mas também pode afetar homens e pessoas que não se conformam com as normas tradicionais de gênero.

O sexismo pode ser evidente, como atos explícitos de discriminação ou assédio, ou pode ser mais sutil e incorporado nas interações cotidianas, na linguagem e nas práticas culturais. Alguns exemplos comuns de sexismo incluem disparidades salariais entre gêneros, oportunidades limitadas de progressão na carreira, objetificação dos corpos das mulheres, estereótipos baseados em papéis de gênero e a sub-representação das mulheres em posições de poder e liderança.

Ele tem efeitos negativos significativos nos indivíduos e na sociedade na totalidade. Reforça estereótipos de gênero prejudiciais, restringe as liberdades e escolhas individuais, perpetuam a desigualdade e impedem o progresso social. Os esforços para combater o sexismo envolvem a sensibilização, a promoção da igualdade de gênero, o desafio de práticas e crenças discriminatórias e a defesa de políticas que garantam direitos e oportunidades iguais para todos os gêneros.

É importante notar que o sexismo é uma questão complexa que se cruza com outras formas de discriminação, como racismo, classismo, capacitismo e muito mais injustiças sociais.

A mulher, dona de casa.

O preto, mesmo arrumado, só pode ser bandido.

O que nos leva ao preconceito racial. 

O filme tem uma sacada genial: ele não é anti-preconceito. E usa personagens preconceituosos para mostrar como a sociedade é, como este comportamento é criminoso. Quando o bando (de brancos) comete um crime, o chefe de Harry sugere que é coisa dos Uhuru (pretos).

Quando Harry conhece o líder Uhuru, Mustapha (Albert Popwell), ele pergunta "De onde eu conheço você?" Popwell interpretou um ladrão de banco em Dirty Harry (1971), um cafetão em 44 (1973). Este ponto cria um subtexto interessante: a volta do ator em papéis (ou pretos) diferentes, forma um loop, que reflete pretos mortos pela polícia. 

E reviver a ideia, causa indignação. É como se o filme dissesse, num discurso comum entre preconceituosos, que pretos são todos iguais. É a história usando o sistema contra o sistema.

As duas organizações militantes retratadas neste filme, a Força de Ataque Revolucionária Popular e Uhuru, foram modeladas a partir de dois grupos militantes da vida real, o Exército Simbionês de Libertação (que sequestrou Patricia Hearst) e o Partido dos Panteras Negras.

Uhuru é a palavra suaíli para “liberdade”. A pronúncia correta é "oo-hoo-roo".

Enfim, evolução

A parceira de Harry não é apenas um acessório. Ela não está em cena apenas para servi-lo ou dormir com ele. Ela tem destaque, salva o prefeito no final e se sacrifica por Harry. Uma heroína. Já o personagem de Albert Popwell não foi morto ou ferido, ainda que preso injustamente. 

E se considerarmos que é uma franquia voltada para o público masculino, com um personagem central bruto e machista, cercado por homens misóginos, e em plenos anos 70, o filme foi corajoso e, porque não, sem medo da morte.


🔷Impacto Fulminante (1983)

Harry Callahan (Clint Eastwood) é um policial de São Francisco criticado por seu método, no qual mata diversos criminosos em seu trabalho. Assim é mandado em uma missão na Califórnia, enquanto a situação se acalma. Entretanto, lá uma artista, Jennifer Spencer (Sondra Locke) foi atacada sexualmente juntamente com a irmã, que enlouqueceu. Assim, ela jura vingança e começa a eliminar os homens que a violentaram, fazendo com que Callahan tenha que evitar que ela continue matando.

O termo vigilante é colocado novamente em perspectiva, e cada vez mais, o errado não parece mais tão errado assim. E já no início do filme, uma suposta assassina, mata um cara e a atitude não fica por menos. Ela vai até um penhasco, se vira e olha para o telespectador, reafirmando sua posição. 

Claro que continua sendo um crime, mas ela demonstra plena convicção de que está na sua razão, ainda que não no direito. Afinal, quando a justiça falha, e as vítimas de um estupro ganham o direito de matar? Parece fácil responder quando há o distanciamento emocional do caso. Mesmo para uma pessoa empática.

O ator Albert Popwell tem uma das mais marcantes trajetórias nos Dirty Harry, porque ele representa uma ideia. Aqui o personagem dele é amigo de Harry e você percebe ambos em uma situação de igualdade. Os 4 primeiros filmes mostram o preconceito por meio do seu personagem, finalizado aqui de maneira inusitada, colocando-o num estilo policial do aclamado Shaft. Porém, mesmo assim, ele é morto, mostrando que, não importa quantas vezes ele volte, sempre será pré-julgado pela cor da pele.


Vá em frente, faça o meu dia.

A frase é dita por Harry Callahan durante um confronto com criminosos e desde então se tornou uma das citações de filmes mais famosas da história do cinema. Charles B. Pierce escreveu a frase, inspirado em um aviso que seu pai dizia quando ele era criança: “Quando eu chegar em casa esta noite e o quintal não estiver aparado, você vai fazer o meu dia”.

Clint Eastwood assumiu a direção como uma oportunidade de ter mais controle criativo sobre o projeto. Ele colaborou com o roteirista Joseph Stinson para criar uma história que mantivesse o estilo característico dos filmes anteriores de Dirty Harry, ao mesmo tempo, em que apresentasse uma trama mais profunda e explorasse questões morais.

Sombras de um trauma

O roteiro foi escrito originalmente para um filme não-Dirty Harry com Sondra Locke, que estava envelhecendo (39 anos) e deixando de ser protagonista na época e tentando, sem sucesso, desenvolver projetos. Quando ela não conseguiu nenhum estúdio para financiá-lo, o roteiro foi revisado, de Earl E. Smith e Charles B. Pierce, foi reescrito por Joseph Stinson como Impacto Fulminante.

Sondra estava em uma relação com Clint Eastwood desde 1975, e durou até 1989. E acabou sendo o último filme lançado nos cinemas da carreira de Locke. Mais tarde, ela disse ao The Washington Post que “as pessoas pararam de ligar”. Eles automaticamente presumiram que eu estava trabalhando exclusivamente com Clint.” 

Talvez, sim, mas Locke não apareceu em nenhum dos sete filmes que Eastwood fez durante os seis anos restantes de seu relacionamento. E afinal, o que tem a ver ela ter 39 anos se era talentosa? Este é o problema: para o meio, as atrizes sempre foram tratadas como figuras que embelezam o cenário ou servem aos seus maridos, ou parceiros. 

E a partir de uma certa idade, ela não seria vista como útil mais. Por essa pressão da sociedade como um todo, tantas mulheres são escravas da beleza, tentando perpetuar algo que nasceu com os dias contados. A beleza pode ter sua importância. Mas a substância, é o que preenche.

E faltando uns vinte minutos para acabar, um plot twist acrescenta complexidade à história: o filho do policial estava envolvido no estupro, mas não suportou a culpa e tentou se matar, porém, não conseguiu e está vegetativo. É o momento mais importante do filme, pois adiciona uma nova perspectiva.

O que, às vezes, tudo tem que modificar para tudo continuar como está. 

E este impacto, é fulminante.


🔷Dirty Harry na Lista Negra (1988)

Diversas sagas eu comecei a assistir pelo último, como O Retorno de Jedi e Dirty Harry na Lista Negra. 1988/89 foram os anos que meu lado cinéfilo despertou. Desta maneira, tenho um carinho especial por este capítulo da saga. Até o início, quando Harry é atacado, sua reação ao sair do carro lembra bastante Sexta-Feira 13 - Parte 6: Jason Vive, inclusive a postura do personagem, que se assemelha a postura de Jason. E para quem achar que "viajei", a morte do vilão é idêntica a uma de Sexta-Feira 13.

Na trama, Peter Swan (Liam Neeson), um diretor de filmes B, cria uma lista de oito pessoas famosas (e vários membros da sua equipe também fizeram listas) que correm risco de serem mortas em São Francisco até uma data específica. Seria só um "jogo" chamado "Lista Negra" se as pessoas da lista não começassem a morrer, uma a uma. 

A primeira vítima é Johnny Squares (Jim Carrey), um ator, e logo depois morre Molly Fisher (Ronnie Claire Edwards), uma crítica de cinema, que estavam na lista de Swan e que se torna o principal suspeito. Ajudado por Samantha Walker (Patricia Clarkson), uma repórter de televisão com quem se desentendera no passado, o inspetor Harry Callahan (Clint Eastwood) investiga o caso com especial interesse, pois ganhou fama ao ser responsável pela prisão e condenação de Lou Janero (Anthony Charnota), tendo também sido incluído na lista.

Resumindo...

No filme, temos Liam Neeson dirigindo Jim Carrey enquanto Dirty Harry tenta entender a sinopse e o motivo pelo qual há uma cena no mesmo local de Nico - Acima da Lei, lançado no mesmo ano. E ainda temos vários integrantes da banda Guns'n'Roses fazendo uma participação especial na cena do funeral, estando entre eles o vocalista Axl Rose e o guitarrista Slash. A música "Welcome to the Jungle", do Guns'n'Roses, faz parte da trilha sonora do filme.

Os filmes Dirty Harry sempre propuseram discussões interessantes. Aqui não é diferente. Mas talvez seja menos impactante, que são os limites da imprensa. Até onde um jornalista pode ir para ter sua notícia na primeira página? Um caso notório aqui do Brasil é da entrevista fake do falecido apresentador Gugu Liberato a um suposto bandido do PCC. Num momento "tudo pela audiência", tudo foi forjado. 

E se lembrarmos outro caso, em 31 de agosto de 1997, a princesa Diana morreu após um acidente automobilístico no túnel da Ponte de l'Alma, em Paris, França, quando era perseguida por sete paparazzi em motos. E Dirty Harry na Lista Negra usa este pano de fundo na tradicional história policial do filme. 

Dirty Harry na Marvel

O criador de quadrinhos Rob Liefeld admitiu que o título deste filme foi a inspiração para o nome de seu personagem anti-herói da Marvel Comics, Deadpool (que fez sua primeira aparição em 1991). E de fato, o jeito politicamente incorreto de Harry dialoga com Deadpool. Detalhe que Jim Carrey e Liam Neeson interpretaram vilões de filmes do Batman. Carrey como Edward Nygma/O Charada em Batman Eternamente (1995) e Neeson como Henry Ducard/Ra's Al Ghul em Batman Begins (2005).

O filme teve uma produção excepcionalmente rápida, mesmo para Clint Eastwood. O projeto foi anunciado em janeiro de 1988, as filmagens começaram em fevereiro e o produto final foi lançado em julho. Buddy Van Horn, amigo e colega de Clint Eastwood, foi escolhido para dirigir, porque Eastwood sabia que Van Horn filmaria rápido, algo que Eastwood sempre prefere. Os dois continuaram a relação de trabalho com Cadillac Cor-de-Rosa (1989).

A sequência de perseguição de carro foi inspirada no filme de Steve McQueen, Bullitt (1968). Havia a intenção de superar aquela perseguição de carro com este filme. A sequência é a favorita de Clint Eastwood.

Mas voltando...

Dirty Harry tem carreira regular nos cinemas. Os 5 filmes tiveram bons resultados financeiros, propõem discussões pertinentes, e são bons representantes de suas respectivas épocas. Portando, da mesma forma de Perseguidor Implacável é bom parra os anos 70, A Lista Negra é um bom policial para os anos 80.

Revendo todos em sequência, este último é inferior, sem a menor dúvida.

Mas fica a pergunta: Os filmes vão se modificando?  Ou é nossa visão de mundo que se modifica? 

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