UMA NOITE DE CRIME - SAGA REVIEW
Texto: M.V.Pacheco
Revisão: Thais A.F. Melo
Vou iniciar este Saga Review com uma pergunta polêmica: quem você mataria se tivesse a liberdade para fazê-lo em um único dia do ano? Nomes viriam na cabeça, não é? Atuais ou antigos.
Repare que perguntei "quem", não "se".
Uma Noite de Crime joga este conceito em cena, que certamente dá margem para inúmeros filmes e séries de TV. O que de fato, ocorreu. E a história cinematográfica se inicia com...
🔷Uma Noite de Crime (2013)
Na trama, quando o governo norte-americano constata que suas prisões estão cheias demais para receberem novos detentos, uma nova lei é criada, permitindo todas as atividades ilegais durante 12 horas. Este período, chamado de "Purge", é marcado por milhares de assassinatos, linchamentos e outros atos de violência por todo o país.
O intuito, segundo o governo, é permitir que todos os cidadãos libertem seus impulsos violentos, garantindo a paz nos outros dias do ano. Neste contexto, vive a família de James Sandin (Ethan Hawke), um vendedor de sistemas de segurança que prospera graças à Noite do Crime.
Quando o evento ocorre, no entanto, o filho de James aceita abrigar um homem perseguido por psicopatas. Logo, toda a família está em perigo, seja dentro de sua própria casa, com a presença do desconhecido, seja pelas ameaças vindas dos psicopatas em frente ao imóvel, que prometem entrar e matar a todos.
Purgatório ou Purificação?
O filme inicia com uma sequência de linchamentos, assassinatos e outras agressões cruéis vistas por meio de câmeras de segurança, ao som de uma poética Clair de Lune.
A poesia quase dá sentido ao ódio, como se houvesse algum sentido naquelas imagens. Um letreiro explica que os Estados Unidos instauraram uma lei permitindo a todos os cidadãos que se “purifiquem” (do verbo purge, que constitui o título original), cometendo todos os crimes que quiserem em uma única data específica, determinada pelo governo.
Por causa desta violência institucionalizada, o nível de ocorrências policiais baixou, e a sociedade vive em perfeita harmonia 364 dias do ano – exceto pela selvageria durante a Noite de Crime, claro. Esta ideia, embora improvável, é riquíssima como motor narrativo e como discussão social.
Uma Noite de Crime é apenas o segundo filme dirigido por James DeMonaco, após o filme de ação Staten Island (2009). Naquela ocasião, ele também tinha trabalhado com o ator Ethan Hawke. DeMonaco teve a ideia para a história de Uma Noite de Crime durante um passeio com a sua mulher.
Conforme o diretor, o famoso incidente de violência no trânsito que despertou a ideia do filme aconteceu assim: ele e sua esposa estavam dirigindo na rodovia quando um motorista bêbado os interrompeu e quase os matou. Depois que os dois carros pararam, a falta de remorso do outro motorista enfureceu DeMonaco o suficiente para se envolver em uma briga, e a polícia acabou tendo que se intervir.
Depois que o incidente acabou, a esposa de DeMonaco virou-se para ele e comentou como seria ótimo ter um assassinato gratuito por ano. Ele se sentiu mal em admitir isso porque ela normalmente é uma “mulher doce”.
As mulheres homicidas em vestidos brancos foram baseadas nas assassinas e seguidoras de Charles Manson. Inclusive a forma que pulam de mãos dadas remetem a cena da prisão das assassinas. O diretor afirmou ser obcecado pela história de Manson desde a juventude.
Rhys Wakefield foi escalado como o líder dos invasores um dia antes do início das filmagens. Várias sessões de seleção de elenco foram realizadas, mas todos os outros atores que fizeram o teste exageraram no papel. De acordo com James DeMonaco, Wakefield agiu com calma com um sorriso perturbador, como se estivesse se divertindo com isso, o que foi perfeito para o papel porque lembrou Charles Manson.
O objetivo das máscaras era que se assemelharem às máscaras de Halloween, uma metáfora para o fato de que algumas pessoas veem o Expurgo como um feriado de celebração.
O expurgo é realizado todos os anos em 21 de março. Se você escrever a data em formato numérico, será 21/03, ou 3...2...1, o que também significa uma contagem regressiva.
O diretor passou uma década desenvolvendo o filme e nunca pensou que ele seria exibido em qualquer cinema, muito menos se tornaria uma franquia de sucesso. Em 2023, ele disse: “Nunca pensei que seria exibido em qualquer multiplex do país quando o escrevi. Esta franquia tem 10 anos, mas a ideia do filme tem 20 anos, seria apenas exibido no Angelika [Film Center]. Foi isso.
Pensamos que seria um pequeno thriller de terror independente e não achei que tivesse qualquer apelo popular. Acho que contamos 80 passagens porque o roteiro era tão antiamericano. Então, presumimos que, se conseguíssemos fazê-lo, seria apenas exibido em um cinema muito pequeno.
Bom, como o filme custou apenas 3 milhões de dólares e rendeu 90, o diretor deve pensar muito sobre o fato da sua esposa não ter sido tão doce quanto ele gostaria durante o acidente de trânsito...
🔷Uma Noite de Crime - Anarquia (2014)
Há muitas narrativas a serem mostradas no universo do Expurgo. Eventos antes, depois, durante. Eleições (já que é o governo que dita as regras) e até religião, já que o evento se torna algo de adoração, como vimos no primeiro filme. E neste mundo onde matar é permitido um dia somente, a anarquia seria o caminho natural nesta segunda noite de crime.
Na trama, faltando poucas horas para o início deste feriado sangrento, cinco pessoas se encontram nas ruas: o jovem casal Shane e Liz, que não pode voltar para casa já que o carro parou de funcionar; a garçonete Eva e sua filha adolescente, sequestradas dentro de seu próprio apartamento por vizinhos selvagens, e o Sargento, um homem misterioso que vai às ruas em busca de vingança. Apesar de serem muito diferentes, eles tentam sobreviver juntos às doze horas de barbárie.
O elenco desta sequência é inteiramente diferente do filme de 2013, com a exceção de Edwin Hodge, que interpreta Dante Bishop, o morador de rua do original Uma Noite de Crime (2013) ao qual o filho deixa entrar. Ele também está no filme como o mesmo personagem e salva o grupo na festa dos ricos. Ele faz parte do grupo que tenta defender os menos ricos.
Tyler Osterkamp e Nathan Clarkson aparecem nos dois filmes, porém, mascarados ou em rápidas pontas. A Purificação ocorre entre as 19h do dia 21 de março e às 7h do dia 22 de março, uma noite após o equinócio da primavera. A primavera é um símbolo de renascimento ou limpeza, o qual é o propósito do Expurgo.
Uma daquelas raras sequências melhores que seu antecessor.
James DeMonaco retorna como diretor e roteirista da sequência de seu filme de 2013. Enquanto o primeiro filme seguiu as convenções de um filme sobre invasão de domicílio, esta sequência pega a premissa original e estabelece a ação em um cenário muito mais amplo.
Não pretende se repetir. Pelo contrário. Ele sai do particular para o geral. Ele desfoca do cenário fixo a fim de explorar a arena onde os gladiadores extravasam seu ódio em inocentes. O filme explora as implicações morais do Expurgo e a divisão social que ele cria.
A presunção totalmente sem sentido do expurgo, na qual uma noite de derramamento de sangue limpará a população, funciona como uma catarse para a população em geral expurgar sua necessidade primitiva de violência. "Anarquia" mostra os perigos potenciais de uma sociedade que tolera ou incentiva a violência como meio de controle.
O conceito de um período de 12 horas em que todo crime é legal gera discussões sobre ética, moralidade e a natureza da humanidade. Isso nos leva a questionar as consequências e implicações de tal evento.
O filme introduz o conceito de rebeldes anti-Expurgo que resistem ativamente e lutam contra a violência sancionada pelo governo. Estas personagens representam uma voz de oposição, desafiando o "status quo" e defendendo uma sociedade mais justa. As suas ações e motivações acrescentam um elemento de esperança e resiliência à narrativa. Eles se assemelham aos Panteras Negras.
Curiosamente, o porta-voz da anarquia é vivido pelo ótimo ator Michael K. Williams, que faleceu em 6 de setembro de 2021, em seu apartamento, no Brooklyn. Ele tinha 54 anos. A causa da morte foi overdose, pelos efeitos combinados de fentanil, p-fluorofentanil, heroína e cocaína.
Anarquia também é muito bem filmado, com cenas noturnas belíssimas, uma atmosfera sombria e caótica criando uma sensação de tensão e urgência. E com toda beleza, o filme custou apenas 9 milhões. E rendeu 119.
"Eu estou no meu direito concedido pelo meu governo" diz uma personagem ao matar sua própria irmã. A frase parece discurso pronto da extrema-direita.
Uma Noite de Crime é tratado como ficção. Nas sinopses encontradas, é definido como distopia. Mas o filme foi lançado em 2014. Hoje, mais de uma década depois, não temos a menor dificuldade de olharmos o filme com preocupação, pois caminhamos rapidamente para vivermos momentos como os do filme.
🔷12 Horas para sobreviver: O Ano da eleição (2016)
"A política influencia muitos aspectos da nossa vida em sociedade. Há política na escola, no trabalho, nas relações sociais, na gestão de um país. Um tema de tamanha importância pede mais engajamento e reflexão sobre seus impactos para a geração atual e futura." Uma colocação como essa parece tema de propaganda televisiva em época de eleição.
Não que ela esteja incorreta. Pelo contrário. Mas o fato é que hoje, muitos rotulam a política como sendo nojenta, podre. E curiosamente, é ela quem precisa de purificação. Winston Churchill disse que "A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra, a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes.".
A política não é tão nojenta como dizemos (eu mesmo me incluo). O problema é que ela é um mecanismo usado por pessoas que não deveriam estar no poder para assegurar seus próprios interesses. Hoje, um eleito, direciona para os cargos do seu interesse, cidadãos que vão corroborar com suas atitudes.
E o mais grave ocorre quando a política se alia à religião. Dois inimigos do povo, porém com raízes que visavam o interesse justamente do povo.
"12 Horas Para Sobreviver", terceiro episódio da saga, aprofunda sua relação com a política. O filme dá continuidade ao aumento de escopo que a história promove a cada novo capítulo. O primeiro se passou em uma casa; o segundo nas ruas; e este terceiro, na sede do governo.
Além disso, cada filme analisa o Expurgo por meio de diferentes pontos de vista. O primeiro filme é contado pelos ricos. O segundo é contado pelos pobres. O terceiro é contado do lado político.
Na trama, o policial Barnes (Frank Grillo), agora é o principal responsável pela segurança da senadora Charlene Roan (Elizabeth Mitchell), que planeja acabar de uma vez por todas com a noite de crime. Em plena época de eleições, ela é uma das mais bem posicionadas nas pesquisas e nova inimiga número um dos criminosos, que se armam para eliminá-la de qualquer jeito.
Este foi o primeiro filme a ser uma sequência direta da história, pois continua explorando a vida do sargento Leo Barnes, de Frank Grillo. Originalmente, pretendia-se que fosse um prelúdio, contando a história do primeiro Expurgo. Essa ideia foi descartada quando Frank Grillo aceitou a oferta de James DeMonaco para reprisar o personagem do Sargento Leo Barnes. A ideia foi aproveitada para o próximo filme da série, A Primeira Noite de Crime (2018).
Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.
Nelson Rodrigues
"Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos". Benjamin Franklin popularizou a expressão em uma carta datada de 1789 e que já estava em circulação alguns anos antes. Eu iria além: colocaria outra certeza, a religião. Não importa o quão anti-religião você seja, ela certamente vai se inserir na sua vida de alguma forma. Direta ou indiretamente. Mesmo um ateu, num momento de vitória, diz "Graças a Deus".
O filme serve como uma crítica às questões sociais, como desigualdade de renda, racismo e o abuso de poder. Expõe as formas como o expurgo afeta desproporcionalmente as comunidades marginalizadas e os desfavorecidos, uma vez que os cidadãos mais ricos têm meios para se protegerem enquanto os menos afortunados se tornam alvos fáceis.
Paul Valéry sabiamente, disse que a política foi primeiro a arte de impedir as pessoas de se intrometerem naquilo que lhes diz respeito. Em época posterior, acrescentaram-lhe a arte de forçar as pessoas a decidir sobre o que não entendem.
A produção captura o caos e a brutalidade da noite do Expurgo, mostrando os vários horrores e perigos que surgem quando todo crime é legal. E afinal, até onde os que estão no poder irão para manter o seu controle?
E finalmente, já no apagar das luzes, a cegueira religiosa toma conta da parte final. As sequências seguintes, parecem tão absurdas, que se não fossem quase uma realidade hoje em dia, eu diria que o roteiro foi longe demais. Até mesmo a consequência da vitória politica da senadora contra este sistema, é profético.
Religião é igual política: ninguém entende direito e, tem um monte de tolos se matando por causa dela. Ela, aliada à política, é uma arma perfeita para escravizar ignorantes.
O filme se encerra com culto às armas, faz da morte de inocentes, uma forma de purificar os criminosos, e mostra que a polícia e a religião entraram em cena com poder de direcionar o futuro da humanidade.
Desde sempre é assim.
E acredito que para sempre será.
🔷A Primeira noite de crime (2018)
Novos Pais Fundadores da América.
Em A Primeira Noite de Crime, quando um novo partido político, o Novos Pais Fundadores da América, ascende, é anunciado um novo experimento social. São 12 horas sem lei, em que o governo incentiva as pessoas a perderem toda e qualquer inibição. A participação não é obrigatória, mas como estímulo, 5.000 dólares é dado para quem fica na cidade, e mais prêmios para quem participa.
O foco da franquia continua sendo o de proporcionar reflexão e discussão acerca dos problemas políticos e sociais que afligem a população americana – que por si só já forma um dos elementos mais assustadores de todos os filmes.
Este quarto filme era esperado, já que a história é muito ampla e mostrar a origem seria fundamental. E já de cara, somos apresentados ao conceito: o expurgo é uma violência libertadora. Típico discurso extremista. O projeto se inicia através do Behaviorismo, teoria psicológica que defende que a psicologia humana ou animal, pode ser objetivamente estudada por meio de observação de suas ações, ou seja, observando o comportamento. Os Behavioristas acreditam que todos os comportamentos são resultados de experiência e condicionamentos.
Para quem não se lembra, Extermínio, obra-prima de Danny Boyle, que apresenta um surto de raiva que transforma a maioria da humanidade em zumbis sedentos de sangue, se inicia justamente com a exposição dos macacos a vídeos de violência, com objetivo de estudar o comportamento e suas alterações. Ou seja, o Behaviorismo.
Quando o primeiro filme foi lançado, Barack Obama estava ainda no meio do mandato. Não havia a insana possibilidade de vermos um Donald Trump na presidência. Já neste quarto, Trump havia se tornado o 45º presidente dos Estados Unidos. O pôster do filme mostra a foto de um chapéu vermelho com o slogan “O Primeiro Expurgo”. Esta é uma referência ao chapéu vermelho "Make America Great Again" do presidente Donald Trump, usado durante sua campanha presidencial.
Em uma das centenas de comentários misóginos e sexistas que Trump fez, ele se gabou de poder conseguir as mulheres que quisesse por ser famoso e poder simplesmente "pegá-las pela vagina". No filme, a personagem Nya (Lex Scott Davis) que por pouco escapa de ser puxada por uma grade do chão e agredida sexualmente, se refere a seu agressor como um "pegador de vagina", uma referência ao comentário polêmico de Donald Trump antes de se tornar presidente.
Este fato mostra como o filme foi profético e como sua história se confunde com a realidade em diversos pontos importantes. A violência permanece sendo o coração oculto da política. A religião, o meio da política se propagar como eletricidade em água. É impossível dissociar o extremista do discurso religioso forte. Não à toa, o discurso se confunde com os evangélicos, já que o católico costuma ser uma brisa religiosa, enquanto o evangélico, o furacão. E no pior sentido.
Nós fomos (povo) semeadores de vento; eles (religião, política) são as tempestades que se formam. O filho da violência que emerge, extrai dela, em cada instante, sua humanidade.
A sociedade contemporânea, que alimenta a hostilidade entre cada indivíduo e todos os demais, produz assim uma guerra social de todos contra todos que, em casos individuais, sobretudo entre gente sem educação, toma inevitavelmente uma forma brutal, violenta e bárbara – a do crime.
Friedrich Engels, que fundou o chamado socialismo científico ou marxismo junto com Karl Marx.
A violência com o colonizado unifica o povo. Pela sua estrutura, o colonialismo é regionalista e separatista. Não se contenta em constatar a existência de tribos, as reforça e as diferencia. O sistema colonial alimenta as disputas entre líderes e inflama quem pensa diferente deles, não em direção ao debate, mas como forma única de pensamento. E caso tenha opinião contrária, é punido social, psicológica e até fisicamente.
Porém, quando o colonizador usa da fé, que é basicamente, uma crença cega em algo ainda inexistente, para castrar a capacidade de atuação do colonizado, ele consegue criar um exército de pessoas capazes de lutar por ele, acreditando que há alguma importância em sua fé cega além de servir de bateria para que o mal maior se instale.
A Primeira Noite de Crime não é somente um filme de origem. É a semente, jogada no ar. E entender que isso é uma perfeita tática de controle é um absurdo digno dos planos mirabolantes dos vilões de James Bond. Planos estes sempre contados, passo a passo, em um momento específico, a fim de demonstrar toda a sua arrogância em achar que nada o impedirá.
Bom, recentemente no Brazil, vimos exatamente isto acontecer. A diferença é que, ele armou a população de colonizados, mas não os ensinou a atirar. E se cercou de servos, que na realidade eram ratos, se agarrando à força virtual de uma figura que se dizia salvador, mas que nem super vilão se prestou a ser.
Pois até um grande vilão, precisa de inteligência e carisma.
🔷Purge (2018–2019)
A série já inicia com uma grata surpresa. Toda equipe dos filmes volta aos seus postos. E logo em suas cenas iniciais, nos deparamos com uma criança, conversando sobre sua vontade de ter uma arma. Ainda que a série foque em eventuais dramas pessoais, ela ganha espaço para explorar mais os momentos que antecedem o expurgo, bem como a própria noite. Até mesmo o enfoque religioso é bem mais contundente, evidenciando a cegueira que assola a fé dos "servos" de Deus.
Criada por James DeMonaco, a série gira em torno de um período de 12 horas, quando todos os crimes, incluindo vandalismo, homicídio, incêndio e roubo, se tornam legais, autorizados pelo governo dos Estados Unidos, sob o comando de um partido político totalitário chamado NFFA (New Founding Fathers of America), em um futuro distópico.
A história segue os acontecimentos na vida de vários personagens, aparentemente não relacionados, que vivem em uma pequena cidade. Como o passar das horas, cada personagem é forçado a contar com o seu passado e descobrirem o quão longe irão para sobreviver a esta noite.
A série teve como objetivo principal explorar de maneira mais profunda o conceito do Expurgo, examinando o seu impacto na sociedade, as motivações daqueles que participam ou tentam sobreviver, e as implicações mais amplas do evento anual.
A segunda temporada começa no momento em que a Noite do Expurgo anual de 2036 está chegando ao fim e segue personagens lidando com as consequências daquela noite. Uma história envolve ex-policiais que se tornam ladrões de banco. Outra acompanha um detetive da NFFA após o assassinato suspeito de um amigo cientista e descobre que muitos de seus colegas também foram mortos em circunstâncias suspeitas.
Outras histórias incluem membros de uma fraternidade universitária que saíram na Noite do Expurgo para coletar itens em uma caça ao tesouro, antes de terem que se defender e depois lidar com o TEPT, bem como um marido e uma mulher que sobreviveram a um agressor na Noite do Expurgo, apenas para descobrir que era um assassino contratado.
🔷Uma Noite de Crime - A fronteira (2021)
É incrível como a saga Uma Noite de Crime se renova a cada filme. E este já segue um clima totalmente diferente, parecido com a série Yellowstone. Curiosamente, alguns atores da série também trabalham aqui. Will Patton e Josh Lucas especificamente. Will é o pai de Jamie Dutton e Josh Lucas é John Dutton, sênior em flashbacks.
O produtor Jason Blum conversou com Sylvester Stallone sobre estrelar o filme. O ator faz a série Tulsa King, com grandes possibilidades de fazer um crossover com Yellowstone. Há diversas cenas ou atores secundários bem parecidos com Yellowstone.
Na trama, Adela (Ana de la Reguera) e seu marido Juan (Tenoch Huerta) vivem no Texas, onde Juan trabalha como ajudante de fazenda para a rica família Tucker. Juan impressiona Caleb (Will Patton), mas isso alimenta a raiva e o ciúmes de Dylan (Josh Lucas), seu filho.
Na manhã seguinte ao expurgo, uma gangue mascarada de assassinos ataca a família Tucker, incluindo a esposa de Dylan (Cassidy Freeman) e sua irmã (Leven Rambin), forçando as duas famílias a se unirem e lutarem enquanto o país se transforma em caos e os Estados Unidos começa a se desintegrar em torno deles.
O filme rompe barreiras de uma forma bastante inusitada. Princialmente por ser uma produção que foca no dia, não na noite. E a "noite de crime", que nos filmes anteriores, é o movimento central da trama, aqui, ela já se encerra com 30 minutos. Apesar do papel de destaque da NFFA em 12 Horas para Sobreviver: O Ano da Eleição (2016) e do fato de terem sido recentemente reeleitos para o poder, nenhum membro dos Novos Pais Fundadores da América aparece no filme.
E se...
A história permeia uma tensão até então não vista nos filmes anteriores, e justamente por conta da noite que se encerra rápido. A grande novidade é a previsibilidade. Era absolutamente previsível que o governo não teria capacidade de controlar o ódio da população. É absolutamente impossível conter tanta raiva num só pacote, ou seja, em doze horas.
E o mais curioso do apelidado expurgo eterno, é que o ponto de partida é um ataque a um fazendeiro. O latifundiário. Isto coloca tudo o que foi visto em xeque. Quem são os vilões? Afinal, os beneficiados sem qualquer ligação com o governo, são vilões por isso? Ou os anarquistas atacando ricos, são vilões?
Na realidade, a resposta não faz diferença, pois os culpados são os que institucionalizam a baderna, colocando armas nas mãos erradas, por motivos errados, e tornando o país um verdadeiro circo de horrores. Fica claro que o ser humano parou de evoluir. Ao passar a depender de máquinas, parou de pensar. E voltar ao passado se tornou uma opção para as pessoas que não conseguem ver o futuro de forma concreta.
A violência politica é o caminho do caos.
O cientista politico Stathis Kalyvas identifica onze tipos de violência política: guerra interestadual, guerra civil, terrorismo, assassinato político, golpe militar, protesto/rebelião em massa, violência intercomunitária, crime organizado/cartéis, limpeza étnica, genocídio e repressão estatal. O quão longe estamos de vivenciar os 11?
A teoria do conflito social é uma teoria social de base marxista que afirma que os sistemas sociais refletem os interesses adquiridos daqueles que possuem e controlam os recursos. As pessoas no poder utilizam as instituições políticas e econômicas para explorar grupos com menos poder. Isto faz com que o resto da sociedade se torne alienado ou psicologicamente separado das pessoas no poder. As revoluções ocorrem para quebrar a separação social e econômica entre as pessoas no poder e as pessoas exploradas e "para alcançar a equidade e a unidade social".
Mas, na prática, como mostrado no filme, a intenção do expurgo eterno não é reconstruir. É destruir o futuro que eles mesmos não tinham capacidade de construir. Isto nunca foi um ato de revolução.
E como o filme termina com uma cena dos EUA à noite vista do espaço, iluminada de costa a costa com os inúmeros focos de incêndio e tumultos entre o povo pró-Expurgo e o anti-Expurgo, podemos supor que o roteiro corrobora com o que eu disse durante todo o texto: o evento foi um gatilho para uma sociedade que retém ódio e anseia por um líder que o institucionalize.
E o México recebendo imigrantes dos EUA (no filme), após o senhor construtor de muros sair do poder (na vida real), não é só uma ironia, é um tapa na cara daqueles que buscam desunir e uma forma da saga se reconhecer como um testemunho filmado, do que viria a acontecer.
E no filme, o México fechar a fronteira para os EUA, foi a cereja do bolo... E pelos ditos "verdadeiros patriotas". Quase uma piada pronta da nossa realidade.